Rafael Farina é publicitário e escritor, autor de “Falhas que só existem no Sul” (2018).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Costumo tomar café com calma, até porque acordo cedo. No máximo 08:30 já estou trabalhando. A literatura em si vai ocupando brechas de tempo ao longo do dia, nem que seja para ler um poema, ou uma página de um conto ou romance. Na parte da noite é que consigo ler numa quantidade maior. Finais de semana também.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu tenho sérios problemas com concentração e rotina. Mas garanto que funciono melhor, seja no trabalho formal ou na escrita, durante os extremos, ou seja, de manhã cedo e à noite.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Leio e escrevo todos os dias, mesmo que seja em doses pequenas. Desde pequeno tenho o hábito de ler jornal e escutar rádio. Fui criado no interior, e no interior esses dois veículos são dois grandes propulsores de informação. Não gosto de traçar metas específicas, mas acho que ler e escrever todos os dias já é uma boa meta.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Muito raramente baixa um Jack Kerouac e eu escrevo várias páginas num curto espaço e tempo. Mas prefiro mais o estilo “cut and paste” do Burroughs: vou juntando recortes do que anotei ao longo da semana, e construindo poemas a partir desses retalhos. Meus textos são bastante geográficos, trazem referências de personagens e eventos que me influenciaram. Gosto de deixar a sentença final para o leitor, por isso pesquiso somente o suficiente para embasar o poema. Depois, o leitor que dê seu jeito de avaliar como achar melhor.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu desisto fácil, prefiro perder por W.O a me arrastar por vários rounds. Se eu sento e em poucos minutos não tenho algo já escrito, mesmo um rascunho, eu vou fazer qualquer outra coisa, enquanto as idéias vão fermentando. Para destravar a escrita, costumo ouvir música, artistas que escrevem muito bem, para ver se meu cérebro pesca algo por osmose. Gente do naipe de Bob Dylan, só pra ficar no mais difícil de todos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Mostro para alguns amigos também escritores, mas em doses pequenas. Engraçado é que eu lido melhor com a rejeição do que com a aprovação. Por esse ponto de vista, prefiro muitas vezes compartilhar um poema com gente que não escreve. Até pro parecer não vir viciado de expressões acadêmicas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
À mão, em cadernos pequenos, igual o Galeano. Mas me adapto bem à tecnologia, para escrever. Porém, para ler, sou 100% livro físico. Nunca tive vontade de comprar um e-reader, e acho que nunca terei.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Sou muito observador, desde pequeno. Observador e crítico. Fico imaginando diferentes cenários para cada situação. Muita inspiração vem das viagens. Sou do tipo que adora viajar sozinho, pra poder gastar uma tarde inteira, sentado num café obscuro de alguma cidade turística, sem ser incomodado. Como este ano não viajei, por conta da pandemia, está sendo bem difícil terminar o próximo livro. Mas se tudo der certo, deve sair no começo de 2021.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meu primeiro livro nasceu de sopetão, eu acabei ficando empolgado com a possibilidade de publicá-lo, e não revisei da maneira que deveria. Eu gosto dele, mas por outro lado é um livro bastante simples, inocente. Com o passar dos anos fui ganhando mais confiança e arriscando mais, abrindo alguns sentimentos de forma profunda, e não tão superficial quanto nos primeiros textos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Projetos, vários. Um deles é um livro em parceria com algum(a) fotógrafo(a), dentro de um tema específico, onde metade do livro meus poemas instigariam o fotógrafo a buscar imagens associadas, e na outra metade o inverso. Preferencialmente fotos P&B e textos curtos. Gostaria muito de ler o volume II do “Crônicas”, do Bob Dylan, que era para ter saído no começo dos anos 2000, e até hoje nada.