Penélope Martins é escritora, narradora de histórias e advogada, mantém a página Mulheres que Leem Mulheres.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho uma rotina matinal de responder e-mails e correio, assim como cuidar de burocracias ligadas ao meu cotidiano. Pela manhã eu não sou a pessoa mais criativa. Na verdade, só funciono de manhã com essas atividades menos pensantes. Por isso, deixo essa parte do vida para manter a vida em ordem.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para escrever eu funciono muito bem a noite. Durante o dia eu me distraio com muitos assuntos dos meus variados trabalhos além de me envolver na rotina da minha família (eu tenho dois filhos adolescentes, uma cachorrinha, dois gatos…). Quando chega a tardinha, minha cabeça começa a se desocupar dos afazeres para pensar por prazer. Não que eu nunca escreva durante o dia, muitas vezes acontece. Mas é no silêncio da noite, enquanto todos dormem, que eu me sinto mais livre para escrever, estar comigo mesma e com as personagens que me habitam. Acho que o silêncio e a solidão são elementos imprescindíveis para minha escrita, mesmo admitindo que a criação se dá durante o convívio com múltiplos estímulos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo um pouco todo dia, em alguns períodos eu escrevo muito, outros menos, mas sempre mantenho escrever um pouco por dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Cada poema escrito, cada história inventada por mim, teve um processo diferente. Já me aconteceu de escrever um poema no meio da madrugada acordada por palavras. Também já escrevi no trem, esperando meu destino de chegada. Uma vez, inventei uma história inteira dirigindo. Parei o carro, escrevi num bloco e meses depois finalizei no computador, depois de reescrever algumas vezes. Costumo aproveitar uma ideia quando ela aparece porque as ideias não costumam ser nada originais, elas surgem nas cabeças de muitas pessoas e precisam de um anzol ágil que as fisgue…
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
É difícil não criar expectativas quanto à própria escrita. Nenhum artista escreve somente para si. Se assim fosse, a gente largava tudo na gaveta pra ninguém ver. Há o desejo de ser lido e ser compreendido. No entanto, é preciso ter coragem de enfrentar as próprias expectativas para que elas não bloqueiem nossa jornada escrevendo, e nem nos impeça de progredir buscando uma estética legítima e autêntica. Costumo me perguntar se eu estou satisfeita com o texto. Leio em voz alta, muitas vezes conto com ajuda de leitores e amigos escritores. E mesmo quando tenho opinião de alguém, faço uma investigação sobre os meus objetivos. No mais, tento me lembrar que ninguém foi tão genial para ser perfeito, nem tão tolo para não fazer algo surpreendente. Quanto à procrastinação, muitas vezes a preguiça vence a diplomática disciplina. Fazer o quê? Somos humanos. Só não podemos deixar que a preguiça seja um hábito que nos impede de prosseguir…
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não tenho um método de revisão. Eu escrevo, releio, algumas vezes peço para alguém ler pra mim e opinar. Quando envio para o editor, considero que ele pode gostar ou não, assim como outro editor pode ter uma opinião diferente da dele. Para aplacar nossa ansiedade basta que a gente pense em como se vestem as pessoas que conhecemos… Cada um com seu cada qual…
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Na maioria das vezes eu escrevo diretamente no computador. Eu me acostumei com as facilidades de teclar numa máquina que aceita correções e que me ajuda com aplicativos de dicionário, por exemplo. No entanto, mantenho caderninhos sempre à mão. Lembra o que falei sobre não deixar a ideia escapar? Então… Recentemente, entrei num processo maluco com meu amigo, o escritor, Manuel Filho. Estamos fazendo um livro juntos mas escrita à mão ou datilografado em cartas. Sim, a gente se corresponde. Uma loucura esperar pela próxima carta nessa era do tudo pronto, tudo rápido. Mas tem sido muito surpreendente e motivante interagir com a espera entre um pensamento e outro.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Gosto muito de ler, mas não só livros. Gosto de fazer passeios que me garantam uma leitura contemplativa da natureza, gosto de estar entre as pessoas, observando e interagindo, gosto de ler todas as linguagens. Meu desejo de escrever se alimenta de tudo isso. É como se eu tivesse vontade de conversar com o mundo registrando isso numa história.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Se eu pudesse voltar ao meu primeiro livro, eu mudaria tudo. Isso não é sensacional? Sinal que eu não sou a mesma de alguns anos, o que me garante que eu serei muito diferente no futuro. Eu não sofro de ressentimentos com meus textos passados. A gente se transforma com a própria escrita, assim como se transforma com a leitura. Esse é o objetivo, não?
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de fazer um projeto coletivo com diversos autores numa mesma história. Mas não comecei. Nem sei se haverá isso na minha vida. O livro que eu gostaria de ler e ainda não sei, já existe. Eu só preciso encontrá-lo, ou não. O que importa mesmo é saber que essa brincadeira de ler e escrever é inesgotável…