Pedro Venturini é poeta, crítico de cinema e estudante de ciências sociais.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não sou uma das pessoas com a melhor organização do meu dia, geralmente sou forçado a uma rotina devido ao trabalho, o que acaba tornando tudo muito corrido, e sempre há uma sensação de que estou lutando contra o tempo, tentando encontrar momentos, afetos, lapidando minha relação com o caos urbano em busca de algo que pareça ser legítimo e verdadeiro. Acho que a resposta então é que não, eu não tenho uma rotina matinal.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Geralmente ao fim da tarde e começo da noite, que é quando chego em casa, quando tenho oportunidade de me descobrir, de respirar e pensar sobre as coisas que aconteceram no dia. Não tenho exatamente um ritual de preparação, pois a poesia vem a hora que ela quer, dependo muito do que acontece externamente e por mais que busque encontrá-la, as vezes ela se esconde, se esconde entre rostos na feira, entre conversas que ouço no transporte público, entre bitucas de cigarro largadas na calçada, é sempre nessa relação com o ambiente exterior que a poesia se esconde, naquilo que é belo e muitas vezes silencioso, que se revela na contradição das coisas, do dia a dia.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho uma meta diária, e escrevo ao longo de períodos concentrados, muitas vezes passo longos meses sem escrever se quer uma linha – inclusive estou num desses períodos – então é meio difícil imaginar algum exercício que pudesse me colocar a escrever de novo, o que sempre faço é sair, tomar um ar, ver um pouco a vida, depois de um tempo é quase inevitável, a poesia surge.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O processo todo é bem lento, geralmente envolve muitas emoções e memórias e minha capacidade de organizá-las, depois que compreendo aquilo que estou sentido naquele período então começo a compilar em notas, aí surgem os mais variados textos, então vou buscando pensar o papel desse texto para quem entrar em contato com ele, o que significam esse conjunto de ideias, o que elas podem comunicar, depois disso eu os organizo e tento fazer com que tenham alguma linguagem ou estética comum entre si, por fim, vejo se vale a pena ser publicado, se sim, eu publico, aí de fato entendo como finalizado o processo, depois disso geralmente vem outro período longe da escrita, são assim os meus ciclos criativos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Aprendi a lidar com as travas do processo, descobri que muitas vezes esquecer que devo escrever ajuda. Já tive medo de não conseguir voltar mais a escrever, e acho que isso seja normal, mas hoje percebo que não tenho porque ter medo, a vida e a poesia estão intimamente ligadas, e em algum momento inevitavelmente eu vou sentir que preciso escrever sobre algo, então eu vou pegar meu caderno e começar com algumas anotações, no final, eu já terei dezenas de poemas para começar a lapidar e ver quais me identifico mais. Alguns poemas ficam tempos na gaveta, eu tenho trabalhado em um poema já há quase dois anos e só tenho uma única frase dele pronta, um dia espero conseguir terminá-lo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Já apresentei meus textos de modo muito cru, mas isso se dava pela inexperiência, por uma certa rebeldia em relação à escrita. Hoje eu só mostro meus textos se eu tiver desenvolvido algum tipo de afeto em relação a eles, se a linguagem estiver próxima daquilo que estou buscando no momento, se acredito que não consigo extrair mais nada deles, se não há pontos a melhorar e se há algum sentido naquilo que escrevi. Eu sempre busco alguém próximo para revisar, minha companheira e alguns amigos me ajudam muito com isso.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Já escrevi usando o computador e máquina de escrever, mas já há um bom tempo sou adepto da escrita a mão, o que me facilita na hora de criar esboços, rasurar trechos que não quero e até mesmo colocar ordem nas ideias, acho que o contato com a caneta e o papel também me possibilitam escrever quando estou fora de casa, as vezes as ideias são mais rápidas do que a velocidade de digitar, e nesses casos, escrever com caneta facilita muito.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Eu gosto de observar a vida, me surpreender com as contradições da sociedade, acho que isso tem a ver com o antidadaísmo, com a ideia de que é das contradições do real que emerge a poesia, da necessidade de enxergar a manifestação dos fenômenos e seus sentidos, ainda acredito que o melhor poema possível é uma placa dizendo: “aluga-se imóvel residencial”. Há tantas coisas nessa frase, tantas flexões de sentido, e é aí que mora a poesia, quando paramos para perceber aquilo que geralmente passaria por nós e se quer olharíamos.
O que costumo dizer, é que a poesia é um produto tão mercantilizado quanto qualquer outro e se as formas poéticas são recicladas para serem revendidas como solução artística, significa que os distanciamentos entre o sentido da poesia e a realidade somente existem como produto. Vivemos hoje na era da overprodução, o debate sobre isso na música e o cinema já existe há muito tempo. A necessidade de desconectar a arte da realidade parte exatamente da necessidade de afastara arte dos debates críticos, uma arte desconectada de seu tempo e espaço é impossível, e quanto mais ela parece necessária, menos ela será arte e sim cada vez mais um produto industrial vendido por tiragem. O que acredito é que mais do que se reinventar, a poesia precisa na verdade se reencontrar como caminho para análise dos sentidos e da realidade.
Tendo em vista isso, meu hábitos para escrita sempre partem de algumas perguntas sobre qual a necessidade de escrever sobre aquilo, se é apenas um reencontro com memórias e sentimentos do passado, ou se de fato, há um papel para aquele poema, qual o sentido daquilo para quem irá ler, o que eu busco demonstrar com aquele conjunto de palavras, quais contradições eu tento revelar e assim por diante. Gostaria muito de ver a poesia alcançar lugares que atualmente ela não alcança, como uma pessoa que mora em uma das cidades mais violentas de São Paulo, eu gostaria muito de ver a poesia ter mais espaço e incentivo nas periferias, uma poesia e uma arte que possibilitem o diálogo e incentivem o senso crítico. Posso dizer que admiro muito o trabalho feito pelos slams nesse sentido de incentivar a juventude das periferias a ir para a rua fazer arte e refletir sobre o mundo que muitas vezes os oprime, sinceramente acho que isso deveria ser mais incentivado pelos grandes nomes da literatura que já estão aí, acho que esse deveria ser o papel deles e não apenas dar oficinas caríssimas na Vila Madalena para as poucas pessoas que podem pagar, há muito talento nas periferias que não encontra espaço pela mercantilização da poesia. Acredito que a pergunta que todo poeta deveria se fazer é qual o papel da sua arte e onde ela é capaz de chegar. Por isso o trabalho do “Como eu escrevo” é tão importante, pois dá espaço para novas vozes que merecem ser ouvidas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muitas coisas mudaram, antes era uma necessidade de escrever unicamente para falar o que sentia, hoje a poesia tomou forma e se tornou uma ferramenta legítima de reflexão e debate. Se eu pudesse me dizer algo, seria para arriscar mais, para encontrar uma voz que fizesse sentido e centrá-la no meu tempo, ir em frente, viver o hoje, escrever sobre o hoje, pensar o hoje através da arte.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Há tanta coisa, mas eu gostaria de arriscar, reunir grupos de poetas da periferia para uma produção independente é um sonho que tenho.
Um livro que gostaria de ler e que ainda não existe seria o próximo do Victor Heringer, o trágico nisso é que esse livro nunca vai existir.