Pedro Tavares é escritor, jornalista e roteirista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não. Sou bastante desregrado. Talvez essa não seja a melhor resposta, mas é verdade. Como eu não vivo da literatura, minha rotina de escrita varia muito. Não consigo estabelecer um horário certo para escrever nem separar uma determinada quantidade de tempo. Até acho que no meu caso não funcionaria. Eu escrevo o que consigo escrever naquele momento, meia página ou trinta, o que sair.
Há dias em que não escrevo nada para mim, não consigo criar algo utilizável. De qualquer jeito, sempre escrevo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Acho que trabalho melhor no período da tarde e da noite. Isso depende muito do que eu estou escrevendo, também. Se me envolvo com o texto, não importa a hora, vou escrever até acabar. Mas se, já de início, vou tropeçando e encontrando dificuldades, tendo a postergar a escrita. Obviamente estou falando de textos literários, sem prazo, projetos pessoais. Como escrevo em outras chaves, sei colocar a bunda na cadeira e acabar um texto se necessário.
Não acho que tenho um ritual para a escrita. Tenho uma maneira própria de escrever, preciso de certas ferramentas como cadernos de apoio, dicionários, etc. Mas ritual mesmo, acender velas, dar três tapinhas no Memórias Póstumas, colocar a cueca da sorte e esse tipo de coisa, não.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não quero ser repetitivo nas respostas e nem parecer um rebelde da literatura, mas não tenho nada disso. Sou bastante indisciplinado nesse sentido. Tenho manias específicas, mas nenhuma tem relação com períodos de concentração. Se estiver no clima, escrevo até no meio do bloco de carnaval, no estádio de futebol, num show de rock. Se não estiver, não vou escrever nada nem nas montanhas do Tibete.
Eu tento escrever um pouco todos os dias, mas nem sempre é possível (principalmente aos finais de semana). Tento estabelecer metas mas vou quebrando todas. Penso em terminar um livro até outubro, aí em outubro adio para dezembro, e assim vai. Não vejo problema nisso porque, algumas vezes, novos projetos substituem antigos. Aconteceu com meu livro de crônicas (O pedaço da coxa de um anjo – Aventura em Istambul, Editora Incompleta, a venda no site da editora e nas melhores casas do ramo, aclamado pela crítica especializada).
Gosto de ter prazos, acho que funciona para mim. Gosto também de terminar textos, não sou daqueles que fica anos e anos em cima da mesma história. Se um texto demora muito pego raiva e quero botar fogo nele. Concursos e chamadas de editoras são importantes por isso, te obrigam a finalizar os projetos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não sinto muita dificuldade para começar. Estabeleço um plano e toco o barco. Muitas vezes a pesquisa anda ao lado da escrita. Eu tenho uma ideia base, vou atrás de material e, enquanto isso, já começo a escrever. É lógico que posso mudar tudo de uma hora para outra, às vezes minha pesquisa caí em um lugar mais interessante, às vezes eu tenho uma ideia que parece melhor quando já escrevi várias páginas. Aí eu mudo tudo. É a vida.
Acho que faço isso porque a pesquisa é uma das minhas partes favoritas. Posso ver filmes, ler livros, buscar entrevistas, conversar com pessoas. Tudo isso com a desculpa de estar pesquisando para um texto. Se a gente considerar a pesquisa como tudo – como andar na rua, comprar pão, pegar ônibus – então ela não termina nunca mesmo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Você ein, José? Colocando de surpresa as perguntas que fazem a gente duvidar de tudo.
Bom, acho que o medo de não corresponder às expectativas existe em toda a profissão. Eu questiono constantemente minhas ideias e escolhas, mas acho que isso é bem natural. O negócio é que o texto se transforma em contato com o leitor, a gente tem uma ideia, uma sensação de que aquilo poder ser X ou Y, mas o leitor pode achar W ou Z. Nunca dá realmente para saber.
A ansiedade de trabalhar em projetos longos acontece justamente por isso. Você está se matando para escrever um troço e aquilo pode não ser nada bom. E, como o trabalho é mais longo, há mais espaço para essas dúvidas. Quando escrevo uma crônica, acho que ela está ruim umas duas ou três vezes. Durante a escrita de um romance, acho que está ruim umas mil e novecentas vezes. Com o tempo a gente aprende a lidar com o medo, mas ele nunca desaparece. Do mesmo jeito que nunca desaparece aquela sensação lá no fundo de que na verdade o texto está indo muito bem e você só quer se auto sabotar.
A procrastinação é parte conjunta do meu processo de escrita. Muitas coisas me tiram a atenção, principalmente redes sociais e televisão. Se um jogo de futebol está passando o meu texto sempre espera. Muitas vezes eu tento trocar de cômodo em casa ou sair, escrever num café, coisa e tal. Isso ajuda. Sou muito legal comigo mesmo também, se escrevo algumas páginas me dou de presente um tempo de televisão, um sorvete. Tenho essa negociação interna.
É difícil eu ter travas na escrita. Quando não estou no clima e preciso escrever, faço e pronto. Às vezes até saem coisas boas. Quando o negócio não anda de jeito nenhum, dou uma volta, coloco um disco, desenho, como um chocolate.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu não tenho um número exato de vezes que reviso por que isso acontece constantemente. Escrevo uma frase e já releio. E isso não tem nada a ver com gramática, é uma coisa de ritmo. Escrevo um parágrafo e releio, depois escrevo o segundo e releio junto com o primeiro. Nesse sentido sou bastante obsessivo. É evidente que muitos erros passam, até por que com a cara colada na página é difícil enxergar certas coisas. Minha mãe é minha revisora oficial de gramática, sempre que possível peço para ela checar meu texto. Dependendo do trabalho mando para pessoas próximas que também escrevem, mas isso é algo que poderia fazer mais. Considero esse tipo de ajuda algo muito valioso.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu sou muito ruim com tecnologia, não manjo nada. Meus primeiros rascunhos são sempre à mão. Tenho inúmeros cadernos com anotações, textos crus, itens. Gosto de escrever nos cadernos primeiro para me organizar mentalmente, saber os caminhos do texto. Assim, quando passo para o computador já sei para onde cada ideia pode ir, como engordar alguma frase, onde editar.
Isso, de novo, é particular da minha criação literária. Quando escrevo textos jornalísticos, por exemplo, só traço um mapa à mão e já parto para o computador.
Tenho o costume de anotar ideias no bloco de notas do celular também. Ali estão coisas mais jogadas, frases soltas que muitas vezes eu mesmo não entendo depois de um tempo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não tenho nenhum hábito que cultivo especificamente com o intuito de me manter criativo. Assisto muitos filmes e seriados, vejo televisão, leio tudo o que posso, ouço músicas variadas. Faço isso desde sempre, porque gosto. Felizmente é algo que me ajuda muito na minha criação literária. Coisas que podem soar prejudiciais também me auxiliam, como por exemplo a internet. Já tirei muitas ideias de texto do Twitter e do Facebook, por exemplo. Acho bobagem acreditar que a criatividade deve vir de algum lugar específico. Pode vir tanto de uma sinfonia quanto de um reality show tosco.
Não há nada que acione mais a criatividade do que a rua. Uma volta de metrô pode gerar muitos projetos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que a principal mudança foi a atenção. Sou mais atento ao meu texto hoje em dia. Releio mais, amarro ele melhor. Obviamente tenho mais repertório também, li mais livros, conheço mais obras. O processo em si não mudou, sigo escrevendo à mão nos meus cadernos e passando para o computador. Acho que ter publicado livros também é uma mudança grande. Isso não passou pela minha cabeça por muito tempo. Eu tinha um blog na época do colégio e era isso, um passatempo. Hoje levo a escrita mais a sério.
Não diria nada para mim mesmo. Me conheço bem para saber que esse diálogo seria assustador para o adolescente Pedro. Eu ficaria obcecado em viagens no tempo e não conseguiria mais viver.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho muitos projetos para fazer. Me animo só de pensar em possíveis produções para o futuro, mesmo que eu não prossiga com elas. Fiz um livro de contos e crônicas com um amigo muito próximo e, depois, um livro próprio de crônicas de viagem. Também terminei um romance que deve sair em breve. Acho que, agora, um livro só de contos cairia bem.
Não tenho mais ideias de projetos concretos, mas gostaria de trabalhar temas que me animam. Quero escrever um livro cujo tema central seja música, por exemplo. Ou cinema. Ou futebol. Ou um romance humorístico. Posso fazer essas coisas hoje ou daqui a trinta anos, vai saber. Tenho muita vontade de fazer algo no jornalismo literário também, já produzi alguns textos que talvez se encaixem num livro futuro.
Mas também penso em projetos fora da literatura. Gostaria muito de produzir roteiros. É minha área de formação e algo que eu me dediquei muito por algum tempo (produzindo e estudando). Adoro cinema, rádio, televisão, internet. Experimentar a escrita em diferentes formatos é importante para mim.
Os livros que gostaria de ler e ainda não existem são todos esses livros que eu quero escrever.