Pedro Duarte é professor de Filosofia da PUC-Rio e autor de Tropicália, A palavra modernista: vanguarda e manifesto e Estio do tempo: Romantismo e estética moderna.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tento começar com um café e, sempre que possível, um breve mergulho no mar. Tem uma calma que se conquista aí. Parece que, se nem tudo vai dar tempo, tudo tem o seu tempo. O mar é imagem, som, cheiro, tato, gosto. Ele abre o horizonte no espaço: vou com os olhos até aquilo que sempre se afasta dos meus pés. Ele nos abraça na água e devolve à areia, onde o sol nos seca, tudo parece ajustado ali. Isso me coloca em uma relação de precisão com o mundo e confere ao trabalho um frescor de serenidade. Mas não chega a ser uma rotina, pois nem sempre consigo fazer isso.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho ritual, mas gostaria de mentir e dizer que tenho. Gostaria de dizer que sou como o Zuckerman, o personagem escritor do Philip Roth que – até onde me lembro – dizia que, após acordar, tomava um banho, um café e se vestia, saía de casa, dava uma volta no quarteirão e então retornava, ia até o escritório e começava a trabalhar. O seu trabalho era em casa, mas ele precisava desse ritual para fazê-lo, ou seja, precisava já começar uma ficção na sua vida, na qual fingia que não trabalhava em casa, para que entrasse no trabalho da escrita. Parece uma boa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta que não seja a de, uma vez sentado para escrever, não ter metas fora a de escrever. Desconfio que a escrita tem seu tempo. Ele não é contado, contabilizado. Por isso, quando se escreve, o sonho é só ter que parar quando a escrita quiser que se pare, e não por um compromisso externo – aliás, isso é mesmo exatamente como um sonho, não é? Tive uma amiga que dizia que era preciso escrever todos os dias porque a linguagem, quando você a abandona um dia, ela te abandona uma semana; se você a abandona uma semana, ela te abandona um mês; e, caso você a abandone um mês, aí ela te deixa por um ano. Mas pode ser que a escrita se geste também silenciosamente às vezes e, como uma maré que recua numa parte do dia, volte e suba logo depois.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começar é sempre difícil, a não ser que entendamos que nunca se começa – não sei se eu já entendo, mas é isso. Quando começamos, já começamos do meio. Temos para a escrita a mesma ilusão que temos para a história: que acharemos a origem, um marco zero, e que assim começaremos de um início absoluto. Big Bang, Cristo, os gregos: é toda uma mitologia do começo, seja na ciência, na religião ou na filosofia. Um texto é um começo que, na verdade, começa do meio, mesmo que ele esconda isso, como em geral é o caso, inclusive o meu caso. O filósofo Gilles Deleuze dizia que não existe a angústia da página em branco para o escritor, pois a página nunca está em branco: ela já tem Clarice, Guimarães, Bandeira… Começar é sempre o mais fácil e o mais difícil, o desejo e a abertura, a convicção e o suspense.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não lido – fujo, desespero, soco a parede, coisas assim! E, no meio, trabalho.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quantas vezes eu puder. Por isso, o prazo é libertador – alguém já disse que o prazo é a verdadeira musa! Pois a escrita não tem fim. O prazo ajuda a admitir isso: você não vai acabar a escrita e o pensamento, mas apenas aquele texto, naquela hora. Releio os meus textos infinitamente em busca de erros e reparos. Só não gosto de lê-los depois de publicados, pois não posso mais mexer. Isso faz de cada linha um suplício ou uma respiração suspensa. E se tiver um erro? E se eu já discordar de mim mesmo? Quando sou obrigado a lê-los, para preparar uma conferência por exemplo, é uma experiência ambígua: tem o prazer de reencontrar aquilo e achar que ficou bom; e uma impotência da vontade para mudar o que não gosto e que, agora, é meu mas já não é meu.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Computador, que de certo modo aboliu a distinção entre o rascunho e o definitivo, já que escrevemos desde sempre o definitivo mas ele é ao mesmo tempo rascunho.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Eu acredito que ideias podem vir de qualquer lugar. O desafio é acolhê-las, deixar que cresçam em nós e achar o tempo (a duração e o momento) que elas pedem de nós para que não permaneçam pairando e se tornem mesmo nossas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O mesmo que diria ainda hoje. Seja mais livre. Coragem.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
A primeira coisa é segredo. A segunda é o mesmo segredo.