Pedro Cavalcante é cientista político.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Costumo começar o dia com atividade física, ir para a academia cedo me dá energia para o resto do dia. Depois tomo um sempre rápido café com a família e chego cedo no trabalho. Embora atualmente atue como pesquisador, continuo com a rotina de burocrata de cumprir os horários de trabalho, pois gosto muito da disciplina. Embora odeie rotina, gosto de organizar os horários e tarefas, por isso, depois de ligar o computador preencho meu post it do dia com minhas metas, normalmente, muito audaciosas, mas tendo a cumprir uns 80% delas. Se tenho algo importante e mais urgente (artigo, parecer, orientação, etc.) para fechar na semana começo com essa atividade.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Normalmente, engato na escrita a partir das 10h e consigo desenvolver bem até as 19h, depois canso. Gosto de intercalar atividades, então se estou escrevendo um artigo na manhã, reservo o começo da tarde para ler sobre outro projeto ou fazer outro trabalho relacionado a algo diferente. Não passo o dia todo em uma única atividade, preciso variar e penso que isso me ajuda a refrescar as ideias e ter novos insights que, no momento da imersão na escrita, podem não surgir. Quanto à preparação, nos artigos acadêmicos, primeiro leio bastante, marco e recorto partes dos textos que avalio importantes para montar o meu ‘Frankstein’ da literatura específica da temática. Em seguida, imprimo e organizo os trechos dentro de uma estrutura para o artigo a partir das minhas ideias. Isso ajuda a concatenar as questões de pesquisa, hipóteses e argumentos. Após isso, vou para o computador e começo a escrever as seções na sequência. No caso de artigos mais curtos para jornais e revistas, tendo a estruturar em bullets a ordem das ideias/argumentos e depois escrevo os conteúdos, geralmente, em dois a três dias para amadurecer o artigo. Após isso, envio esses textos a uns três amigos ‘críticos’ para revisão e/ou feedbacks.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Praticamente escrevo todo dia, mas a capacidade é muito condicionada à agenda de reuniões e aulas. Sempre procuro antecipar os prazos, pois depois que escrevo gosto de deixar o texto ‘no forno’, ou seja, uns dias sem tocar para refrescar as ideias e a capacidade crítica nas revisões. Quando escrevo com coautores esse período é ocupado por eles.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como disse anteriormente, eu sigo o costume de muita leitura prévia, compilação de dados (quando o método aplicado é mais quantitativo) e estruturação do artigo. A escrita é a parte que levo menos tempo, provavelmente, de 30 a 40%, em média, do tempo da primeira versão de um artigo, o restante é dedicado a esse planejamento. É importante ter uma meta ou prazo para finalizar essa etapa de organização, pois quanto mais se lê, mais artigos e livros relacionados e relevantes surgem. Logo, definir limite para essa revisão é fundamental, porque ela pode beirar o infinito. O ideal é condicionar essa etapa aos objetivos e perguntas da pesquisa ou do ensaio, assim é mais fácil decidir quando deve passar para a escrita. Obviamente, novos textos e informações podem ser adicionadas nessa fase, porém, em caráter complementar, de preferência.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Penso que a escrita é muito mais prática que dom. No meu caso específico, é bastante suor, isso para mim é evidente quando comparo meus textos no decorrer dos anos, principalmente, em inglês que, sem dúvida, nos demanda mais tempo e dedicação. Mas as travas acontecem, acho que é normal com todo mundo. Costumo brincar que eu lido da seguinte forma: se estou em um dia me sentindo ‘inteligente’, eu escrevo; se me sinto menos ‘reflexivo’, eu leio; se me sinto cansado ou pouco criativo, eu formato. Quanto às expectativas e ansiedade, tenho duas estratégias para qualificar o que escrevo. Nos artigos acadêmicos, gosto muito de participar de congressos científicos (ciência política e administração pública) nacionais e internacionais, não apenas para observar o que os colegas estão pesquisando, mas, sobretudo, para ouvir opiniões diferentes de pessoas de outras universidades e lugares. É também uma forma boa de avaliar o quão relevante é sua investigação, pergunta de pesquisa, resultados, etc. Nos textos mais curtos, eu tenho praticado sempre produzir algo relacionado a alguma pesquisa que desenvolvo, é uma estratégia que tenho adotado para alcançar um público maior e diversificado e também reduzir minha ansiedade quanto aos projetos longos que duram mais tempo para sair, como artigos em revistas disputadas ou livros (normalmente dois anos). Infelizmente, minha hiperatividade não me deixa procrastinar, eu gosto de viver pensando em projetos e finalizando produtos, por isso, sempre que termino um já tenho outros engatilhados.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não faço uma revisão geral assim que termino a primeira versão, tendo a finalizar cada parte, revisar e seguir para a próxima. Quando termino o texto, envio para minha revisora oficial, a minha mãe, que é professora de português e doutora em literatura. Embora tenha um viés maternal, ela sempre me ajuda bastante. Acerca do conteúdo mais específico da área, além dos congressos que mencionei, gosto de apresentar internamente no IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Temos um seminário semanal com apresentação, dois pareceres de colegas que atuam também na área e discussão posterior. Esse rito tem sido muito proveitoso, pois os seminários são geralmente bastante críticos, o que contribui para qualificar os trabalhos. Artigos mais curtos são mais fáceis de conseguir ‘parecerista’ disponível que, em poucos minutos, já consegue revisar e dar feedback. Em ambos os casos, antes de submeter para eventos acadêmicos, revistas científicas ou para publicação, dou uma última revisada para incorporar os ajustes finais.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Estou perdendo o costume de escrever e tenho piorado muito minha letra, por isso só escrevo a estrutura do artigo à mão e quando monto o artigo com os textos lidos. Essa esquematização é feita na impressão do ‘Fransktein’ que havia citado. Uma característica minha é frequentar bastante bibliotecas para ler e estruturar os artigos. Nessas ocasiões, evito levar computador e até mesmo o celular para não me distrair. Sou um fã de bibliotecas, pois não há lugar melhor para eu me concentrar na leitura. Depois de organizado, faço tudo no computador. E nesse caso, consigo escrever com barulho e distração, sem problemas. Lembro que na minha tese costumava escrever e brincar simultaneamente de ‘diretor’ da escola de bonecas com as minhas filhas. Também frequento cafés na etapa de escrita, gosto de escrever e ver movimento.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Creio que a criatividade humana é infinita e a diversidade de formação, experiências pessoais e profissionais, nossos desejos e anseios contribuem para que tenhamos sempre novas ideias. Eu, particularmente, sou uma pessoa muito conectada à conjuntura, ler para mim é trabalho e então estou sempre lendo notícias e artigos de opinião para alinhar meus projetos a temas contemporâneos e de relevância. Penso que isso me ajuda a ter muitas ideias e, principalmente, que sejam interessantes e que concatenam a abordagem acadêmica com temas/demandas aplicados, no meu caso, do setor público.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Acho que aprimorei minha capacidade de síntese das ideias e argumentos, o que não é tão trivial para quem tem formação em humanas no Brasil. Penso que mais importante do que sofisticação linguística é ser objetivo e claro na comunicação. Prefiro palavras simples e diretas a termos rebuscados e menos coloquiais. A forma sempre será importante, mas o principal é o conteúdo. Para mim, obrigar uma pessoa a utilizar o dicionário algumas vezes durante a leitura de um texto é desnecessário e fora de propósito. Diante da overdose de informações em que vivemos, nossa meta é ganhar o leitor e não perder a sua atenção. Em relação à tese, nunca voltaria, tese boa é a finalizada e defendida. Na verdade, a minha rendeu bons artigos publicados, mas todos eles demandaram muito trabalho posterior para serem aprovados. Um, inclusive, depois de mais de cinco anos da defesa, o que pode ser fruto de melhorias na prática da escrita.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sempre sonhei em contribuir de alguma forma com o debate sobre desigualdades sociais, que é um tema que me toca muito. Por isso, além de outros projetos que atuo como inovação, políticas públicas e governança, comecei esse ano a pesquisar e produzir também na área de desigualdades. Costumo dizer que é projeto ‘pessoal’ de longa duração, sonho em alguns anos lançar um livro solo com resultados que possam qualificar essa discussão.