Pedro Benetti é pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu tento rotinizar ao máximo o trabalho de escrita, estabelecendo horários para começar, almoçar e terminar. Geralmente tomo café da manhã, leio as primeiras notícias do dia por meia hora e em seguida começo o trabalho.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Costumo render melhor na parte da tarde, mas tento manter o dia organizado como qualquer outro trabalho. Para mim funciona melhor ter os turnos de trabalho organizados como numa atividade de escritório. Evito passar muito do limite que estipulei para o dia de trabalho, pois sinto que a qualidade do texto cai quando as horas se acumulam. Raramente trabalho a noite ou de madrugada, embora já tenha feito bastante isso quando era mais novo. Quando a escrita está fluindo muito bem, encurto o almoço ou me estendo um pouco além do planejado. Quando está fluindo mal, tento realizar pequenas tarefas burocráticas que me mantenham ligado à pesquisa, mas sem forçar a escrita num dia em que não sai. Nesses casos eu costumo organizar pastas, fichamentos, fazer parte da bibliografia. Coisas que ajudam no trabalho e mantém o vínculo com a pesquisa sem cansar a cabeça.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo regularmente, mas não sei se todos os dias. Acho que é inevitável alguma concentração na reta final dos textos. Impossível manter tanta regularidade do inicio ao fim do processo. Como a pesquisa é um acúmulo, a tendência é que na reta final tenhamos um impulso maior para a redação, com as ideias fluindo mais facilmente. Nesse momento, acho normal que se intensifique o ritmo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo é bastante sistemático. Como disse, tendo a encarar a pesquisa como outro trabalho qualquer, passível de organização e rotinização. Nesse sentido, faço sempre o mesmo caminho que vai do primeiro levantamento de bibliografia até o fechamento do texto. Leio e sempre faço fichamentos com trechos do material lido (nunca incluo as minhas palavras) no word. Em seguida tento imaginar a estrutura do texto em tópicos e divido os fichamentos disponíveis em pastas para cada tópico do futuro texto. Naturalmente, isso pode ser revisto ao longo do processo de escrita, mas é como dou os primeiros passos. Depois dessa divisão, releio os fichamentos de cada tópico e vou marcando em cores diferentes as ideias que podem ser agrupadas entre os diferentes textos. Daí passo à escrita propriamente dita, tópico por tópico, deixando sempre a introdução e a conclusão por último.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tal como repeti acima, tento encarar nosso trabalho de pesquisa como um trabalho qualquer. Penso que se dedicar certo tempo e esforço todos os dias, o resultado aparecerá. O fundamental, na minha perspectiva, é que a pesquisa revele esse trabalho do pesquisador, tendo em vista que os resultados serão sempre apreciados por uns e criticados por outros. É parte da dinâmica do campo. Com relação às travas, tento cuidar de algum trabalho burocrático da pesquisa, que me mantenha conectado com o tema, pensando no assunto, mas sem pressionar a escrita. A leitura de outras formas de narrativa ajuda muito a soltar o texto também.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu sempre mando o texto para amigos que possam opinar, mas reviso menos do que deveria. Raramente passo de uma releitura do texto completo, exceto quando recebo contribuições de colegas. Acho que todo esforço de tornar o trabalho acadêmico mais coletivo é válido e enriquecedor.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre trabalho o texto no computador. No máximo uso folhas em branco pra escrever a possível estrutura do texto e anotar lembretes.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Sempre da leitura. Não percebo meu trabalho como criativo, embora alguma dimensão criativa exista na construção dos objetos, na seleção das referências que vão dialogar. Mas a despeito dessas costuras, acho o trabalho muito mais “mecânico” do que se suporia ao falar de escrita. O mais próximo que chego de um hábito para manter a criatividade é buscar referências de histórias cotidianas que ilustrem o tema mais geral do texto, de maneira que não se perca na reflexão abstrata o conteúdo concreto dos problemas sobre os quais pensamos enquanto cientistas sociais. Se escrevo algo sobre violência, procuro ler alguma história, a entrevista de algum familiar, coisas que me comuniquem, na medida do possível, o sentimento de quem vive os dilemas relacionados a esse problema.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que ao longo dos anos esse processo foi se tornando mais organizado e isso poupa tempo, diminui a ansiedade e, acho eu, melhora a qualidade do trabalho. Não acho que a tradicional associação entre sofrimento, angustia e genialidade precise nortear nosso universo. Da mesma forma não acho que precisemos ser tomados por produtivismos vazios. Vale mais uma escrita calma, as vezes lenta, mas que represente uma acumulo de trabalho ao longo do tempo. Se pudesse voltar no tempo, me diria para não levar esses processos tão a sério.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Prefiro aproveitar os projetos nos quais estou envolvido nesse momento, que são bastante estimulantes. Para o futuro desejo apenas que nosso campo continue vivo e produtivo, que eu tenha a oportunidade de aprender mais e estar sempre em contato com alunos diversos.
Gostaria de conseguir ler os livros que já foram escritos e ainda não dei conta. Principalmente ler mais literatura, um hábito que tenho dificuldade de manter por conta da sobrecarga de leitura acadêmica.