Paulo Santoro é escritor, dramaturgo e criador de jogos.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Por trabalhar em casa (tanto para a escrita como para minhas atividades profissionais), eu simplesmente não tenho horários fixos para nada. Em geral durmo tarde e acordo tarde, por isso começo meu dia almoçando e em seguida procurando me desincumbir de obrigações cotidianas, como pagamento de contas, limpeza e outras trivialidades.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Meu melhor rendimento é no período noturno. Eu não sei se tenho um ritual: quando decido escrever, apenas começo. Se possível, gosto de silêncio.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Em períodos concentrados.Muitoconcentrados. Nunca funcionei bem com regularidade. Posso passar dez dias escrevendo, quase sem fazer outra coisa, e então passar dois meses sem escrever nada. Para mim, não há nenhum problema nisso, considero que minha produtividade a longo prazo é aceitável dessa maneira.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Da pesquisa para a escrita eu vou e volto, vou e volto. Tenho muita ansiedade: começo logo a escrever depois de ter pesquisado um pouco. Mas então não consigo ir longe e volto para a pesquisa. O bom é que a escrita acaba redirecionando a continuação da pesquisa. Parece que Flaubert leu 2.500 livros para escrever Bouvard e Pécuchet. Não é à toa que ele morreu e o livro ficou inacabado! Brincadeira à parte, seria enlouquecedor levar a pesquisa a esse nível. Eu não tenho dificuldade para começar porque, se eu ainda não sei a história e os personagens, digamos, eu começo a escrever ideias, o que eu estou pensando sobre o assunto. Assim vou desfiando o nó e, em algum momento, encontro o fio da meada.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A ansiedade me ajuda a adiantar o trabalho, mas isso é compensado com uma paciência geral para chegar aos resultados. Tudo o que eu escrevi levou longo tempo. Minha peça O teste de Turing, que acabou por ganhar um prêmio para montagem em São Paulo, foi escrita em dois anos. Minha peça O fim de todos os milagres, que foi publicada em livro e traduzida para seis idiomas até agora, também foi escrita em dois anos. E assim por diante. Em todos esses processos, houve momentos em que eu me sentava e me enganava dizendo: “Termino isto em cinco dias”. Era um período produtivo, mas não terminava em cinco dias. Eu sabia que não estava pronto. Por isso, não tenho medo de não corresponder às expectativas, até porque meu trabalho é sempre autoral, mesmo quando me contratam para escrever. Houve algumas ocasiões com prazos mais apertados e talvez uma certa expectativa, mas em compensação eram temas mais direcionados, então de certa forma eram situações de menor complexidade também.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Revisar e mostrar para outras pessoas é essencial. Minha revisão é obsessiva porque, para falar a verdade, é o momento em que eu realmente me divirto. O trabalho duro e incerto de tirar algo do nada e criar uma estrutura e depois um texto já passou: agora é brincar de mexer no ritmo das frases, de trocar palavras, de reescrever aqui ou ali. Eu tenho um projeto de contos que eu publico gratuitamente na internet, que se chama Historemas (www.historemas.com). São histórias curtas com uma série de “regras” que eu criei para seguir. Não estabeleço um prazo, é algo para escrever ao longo da vida. Publiquei 13 até agora. Cada pequeno conto daquele tem muitas horas de trabalho. Eu me sento e penso “hoje eu publico”. Mexo, mexo, mexo e não publico. Porque, se eu mexi, o trecho novo pode estar um pouco manco sem que eu perceba. Então prefiro dormir e ler com outros olhos no dia seguinte. Eu publico no dia em que acho que não preciso mexer mais.
Minha leitora número 1 é a Eliane, minha esposa. Ela se formou em Letras na USP comigo, no mesmo ano, em 1994. Estamos juntos desde a época da formatura. Ela escreve muito bem e é uma excepcional revisora e preparadora profissional. Portanto, estou bem servido de uma primeira leitura! Mas sempre outras pessoas também leem. O importante para mim é saber como a leitura impactou a pessoa, o que ela entendeu, o que ela sentiu.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Faz muito tempo que escrevo somente no computador. Sou aficionado da tecnologia. Em 1983, aos 10 anos, ganhei um micro TK-85, que funcionava ligado na televisão, como um videogame. Aprendi a programar numa linguagem simples chamada Sinclair Basic. Procurei avidamente me inteirar das novidades quando a internet chegou. Já em 1996 eu comecei a criar páginas em html para publicar meus textos e também o material que eu criei para dar aulas de redação. Em 2001, eu criei um programa que “escreve” um romance personalizado para o leitor, conforme 13 escolhas que ele faz. Ainda não consegui lançar esse programa de forma apropriada, mas é um projeto em pauta. Enfim, não guardei nenhum fetiche de caneta e papel: escrever no computador é mais rápido e ainda se ganha o tempo de passar a limpo depois. O saudoso Antunes Filho, que dirigiu minha primeira peça de teatro, “O canto de Gregório”, ficava com uma história de que era preciso escrever no papel porque a respiração era diferente e etc e tal. Só que tem uma coisa: ele sempre teve alguém para passar a limpo no computador para ele depois!
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm de uma contínua curiosidade aliada a uma contínua imaginação. Eu tive a sorte de perceber, não me lembro como, que eu não podia ser um escritor se me dedicasse apenas a ler romances e a estudar criação literária. Senti que seria necessário ler sobre economia, filosofia, ciências, matemática, história e assim por diante. Quando leio algo interessante, acabam me ocorrendo algumas ideias. Eu anoto as ideias. Eu já tenho ideias anotadas para o resto da minha vida, se quiser. Mas estou sempre observando, lendo, estudando e fazendo em minha cabeça hipóteses que começam com “e se…”
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu acho que não adiantaria eu dizer nada para o meu eu mais novo. Não há um ensinamento que substitua por completo a experiência. No começo, eu era certamente mais confuso. Alguns processos foram complexos, tortuosos até. Mas, tendo passado por eles, e tendo hoje muito mais leitura e estudo, sinto que tenho mais objetividade: vou direto àquilo que quero fazer.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Acho que foi o Oscar Wilde que falou: “Quando quero ler um bom livro, eu o escrevo”. Eu tento escrever aquilo que eu gostaria de ler. Há muitos projetos que eu quero fazer, e todos estão de algum modo começados. Agora, uma coisa que considero importante: eu acho que tudo o que se escreve deve ter novidade. Já existem milhares de livros incríveis para eu, você e todos lerem. Por que uma pessoa vai ler o meu livro, ou o seu livro, ou qualquer livro novo, se ela ainda não leu todos os livros de Dostoievski, Machado, Borges, Camus? Tem um monte de livro de mistério mais ou menos por aí, e ainda não li todos os da Agatha Christie, que são muito bons no gênero. Enfim, é cada vez menos necessário escrever. Eu procuro não ter a veleidade de escrever apenas por escrever. Angústia da folha em branco? Se a pessoa não sabe o que escrever, é simples: não escreva. Leia. Para escrever, é preciso ter aquela paixão do “isto precisa ser dito”. Então pesquise para ver se alguém já disse… Caso contrário, é hora de botar a mão na massa e fazer existir aquilo que ainda não existe e deveria existir.