Paulo Paniago é professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Café da manhã e leitura de jornal, hábito da minha profissão de jornalista. Se hoje sou professor, o hábito, no entanto, se mantém. O médico em que estive recentemente para tratar um mal-estar me disse que no meu caso é obrigatório exercício físico, uma caminhada ou corrida, e por três meses eu bem que tentei fazer isso pela manhã, mas sou sempre muito preguiçoso no que diz respeito a exercitar. Talvez, se tiver que dar essa resposta em algum outro momento, eu possa dizer com orgulho que meu dia começa com caminhada ou com corrida. Mas, por enquanto, não é bem assim.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrevo melhor pela manhã, se tiver oportunidade. Minha cabeça está sempre mais arejada, me parece, e o texto rende mais. No entanto, é muito comum eu fazer algumas anotações também durante a noite, sobretudo se estiver lendo alguma coisa. Não tenho qualquer ritual para a escrita, salvo um: tento usar o mesmo tipo de caderninho para fazer as anotações. Isso, evidentemente, nunca dá certo, acabo usando outros tipos de caderno. Mas é o mais próximo que chego de ter um ritual. Acho que os rituais são sintomas, mecanismos para você tentar se distrair do principal, que é escrever, que é escrever com conteúdo e tentar escrever bem, essa meta sempre complicada de se alcançar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sempre que tenho chance, escrevo todos os dias, inclusive fim de semana e feriado, ou especialmente fim de semana e feriado, porque é quando os outros compromissos são menos intensos. Gosto da ideia de produzir sempre, sem parar, o que me levou a ter uma “gaveta” imensa de inéditos, ou seja, arquivos no computador com toda sorte de textos de ficção. É uma gaveta bem grande, de verdade.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O processo para mim é simples, eu me sento e escrevo. Quase sempre tenho uma ideia geral de para aonde esse texto deve se encaminhar e procuro seguir minha intuição, mas às vezes acontece de mudar o rumo durante o trajeto da escrita, o que acontece às vezes e encaro naturalmente, como parte da atividade. Não tenho dificuldade de começar, mas quase sempre não faço (porque não é necessário) pesquisa para a escrita. Tenho uma ideia, decido transcrevê-la para o papel. Houve um livro, que hoje acho bom que tenha permanecido inédito porque ele é muito ruim, para o qual fiz muita pesquisa, a respeito da história da escrita. Essa pesquisa hoje me ajudou em outra coisa. O livro é simplesmente muito ruim, chama-se O implicante.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nada disso me atinge, de verdade, não estou querendo tirar onda. Talvez a procrastinação, mas bem pouco, na verdade. Sempre há um dia em que a preguiça, uma espécie mais forte de gravidade, sei lá, te faz querer adiar o início da escrita. Mas é raro para mim, em geral acontece o contrário. E não tenho ansiedade mais, já tive muita, em relação a escrever textos mais longos. Nesse momento, por exemplo, estou escrevendo (entre outras coisas) uma série de cinco livros sob o título geral de Longe de tudo. Até o momento, concluí a primeira versão do primeiro livro da série, Bárbaro educado. Os outros quatro estão indo bem devagar e não tenho prazo para concluir, nem isso é, para mim, uma inquietação. Termina quando termina. E talvez ainda edite algumas versões de Bárbaro educado antes de ir para o seguinte, Curva perigosa. Ao mesmo tempo, produzo anotações para o último volume, Estou sempre distante. Até concluir esses livros, inclusive posso fazer a opção por mudar os títulos, por exemplo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Revisão é importante, ou melhor, versão. Porque à medida que reescrevo ou rearranjo, posso mudar muito. Um dos meus livros inéditos, o romance Homem no papel, tem nove versões diferentes. A partir de certo ponto, fiz um corte radical que mudou a estrutura do livro, acho que de modo a melhorar. Um outro romance, também inédito, chamado Deriva, tem sete versões. Mas em média, acho que pelo menos três, para a coisa se tornar viável. Mostro para alguns amigos de confiança e peço opinião. Nem sempre acato, o que é uma prerrogativa de escritor (risos), mas procuro ouvir com cuidado e ponderar bastante. Se alguém nota um problema aqui ou ali, é importante entender o que está havendo e como posso fazer para melhorar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não sou especialista nem nada, mas também não tenho aversão a tecnologias. É muito comum, para mim, sentar-me diretamente ao computador e escrever. Mas algumas modalidades de texto, por exemplo, os contos muito curtos (é possível encontrar alguns deles num blog que mantive durante muito tempo, mas que não atualizo mais, embora ainda exista), acho que funcionam melhor se faço as anotações no caderninho e depois passo para o computador. Nessa transição, sempre há algum tipo de mudança, corte, acréscimo, substituição, a serem feitos. Escrever, aliás, é editar, cortar mais que acrescentar. Depois do primeiro rascunhão, você desbasta, apara, melhora, burila, gira tudo, revê, mexe mais um pouco, isso é escrever.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm de toda parte, um filme, uma peça, uma exposição. Mas sobretudo, no meu caso, as ideias vêm da leitura, tanto do jornal quanto de livros. Leio muito e leio sempre. Sou muito melhor leitor do que jamais serei bom escritor (e não estou dizendo que seja bom escritor, veja bem). É muito comum, para mim, durante a leitura, ter uma ideia, imaginar uma cena qualquer a partir de algo que li e que não necessariamente se relaciona com a ideia que tive. Ou seja, no fundo, continua a ser um mistério esse mecanismo da mente humana de produzir associações.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Mudou exatamente essa perda de ansiedade, a tranquilidade para rever um texto quantas vezes forem necessárias. O que eu diria para mim mesmo se pudesse voltar à escrita da tese, e acho que você se refere à tese de doutorado, eu diria para mim mesmo para tornar o texto ainda mais literário. Ele ficou relativamente literário, por conta do assunto, mas acho que eu deveria ter insistido ainda mais nesse caminho, sobretudo quando cedi a algumas formatações mais acadêmicas. Mais literatura, eu diria, e acho inclusive que esse é um bom mote para a vida, estou pensando até em fazer uma camiseta com a expressão: Mais literatura.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho muitos projetos não iniciados, aguardando na fila. Um romance semi encaminhado no formato de biografia, chamado Fragmentos de Tarso. Um romance a respeito de um dia na vida de seis pessoas diferentes, com o título Vai ficar tudo bem. Um romance em primeira pessoa, no qual um sujeito, Mário Salgado, conta a própria vida, mas de trás para a frente, chamado Memórias do avesso. Um romance (ou novela, nesse caso ainda não estou bem certo) a respeito de um sujeito que passa a vida, o máximo possível, dentro do cinema, com o título provisório Vida errática de Tadeu. Um romance em que os capítulos se espelham, mas de forma invertida, a respeito do início e do fim de um relacionamento amoroso, chamado Chegar-Partir. Um romance a respeito do momento em que inauguraram a jaula com um humano no zoológico de Brasília, chamado Homem na jaula. Isso tudo, para ficar no gênero romance, porque há outros projetos em banho-maria, de novelas, contos, poemas (um gênero que abandonei por mais de trinta anos e voltei apenas recentemente a praticar, mas ainda me sinto inseguro). Além disso, tenho três romances que abandonei em definitivo, porque não acho que tenham ficado bons e não tenho mais paciência para retornar a eles: Selva lá fora, Nervo da vida e Só os canalhas são felizes. Isso, para não entrar no campo da não-ficção. Mas aí o assunto se estenderia demais. Acho que está bom parar por aqui. Quanto a um livro que eu gostaria de ler mas ele não existe, bem, vou deixar a modéstia de lado, mas acho que é minha ambição escrever o tal livro que não existe. Se vou dar conta? A quantidade de coisas que escrevi e tenho para escrever sugere que não, óbvio que não vou dar conta. Mas provavelmente morrerei na tentativa.