Paulo Moreira Leite é jornalista e escritor, autor de A Outra História da Lava-Jato.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo de madrugada, entre 4 e 5 da manhã, lendo jornais e blogs. É a partir daí que escrevo meus textos, em geral um por dia. Na maioria das vezes, faço pesquisas antes de escrever, na própria internet ou num conjunto de livros que me acompanham numa biblioteca caseira que acumulo há décadas. Quando o caso exige, com mais frequência do que se imagina, também faço entrevistas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Prefiro trabalhar de manhã, mas isso varia. O importante é saber o que a gente quer escrever. Até o sono passa quando você resolveu isso. O único ritual é se informar bem, conhecer o debate em que você vai entrar e ter clareza sobre o que pretende dizer com aquele texto, aonde quer chegar. O resto é fácil.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo sempre, mas não publico sempre. Gosto de fazer pelo menos um artigo por dia, mas muitas vezes deixo o trabalho no meio. Se não tenho o que dizer, ou se ensaio mas não gosto do resultado, não publico. Já passei dois ou três dias em branco e depois escrevi mais de um artigo por dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Faço anotações quando fico com receio de não lembrar ideias ou esquecer informações importantes. Mas, em geral, abro um arquivo novo e escrevo diretamente no computador, como se fosse o texto final. Já fui um repórter de longas anotações prévias e rascunhos. Não mais. Gosto de escrever e reescrever, experimentar, testar, aproveitar e descartar. Na VEJA, tive um editor, o Casemiro Xavier de Mendonça, que infelizmente já morreu, que falava de nosso trabalho como uma espécie de bordado com palavras e frases. Dizia que você está sempre recomeçando, ensaiando mais uma vez. Ele tinha razão. Quando o assunto é complicado — e gosto de assuntos complicados — faço uma primeira versão, saio para tomar um café, posso até ir ao cinema, depois retorno para uma segunda leitura.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que a ansiedade acabou com a experiência. Sem medo de parecer arrogante, ouso imaginar que tenho uma consciência razoável de meu potencial e também de meus limites. Escrever virou uma coisa natural, como pensar. Meu único receio, hoje, é demorar demais para tratar sobre um assunto que me parece urgente e perder o bonde. Só consigo escrever quando sei aonde quero chegar. Após mais de 40 anos de aprendizado, também aprendi minha maneira de chegar lá. O fato de escrever com liberdade também ajuda muito. Muitas vezes a pessoa fica travada porque deve fazer um texto que irá atender a uma pauta que não é dele.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Além de ser adepto do bordado, como dizia o Casemiro, aprendi que é essencial ter um interlocutor para discutir uma matéria, ou mesmo para ler um texto antes de ser publicado. Tive muitos interlocutores na vida e aprendi que é até uma questão de sorte. Você precisa aceitar a crítica dos outros, o que é fácil de falar mas nem sempre fácil de fazer. Mas o outro também precisa fazer sua parte: pode discordar de suas ideias, mas precisa ter disposição para ajudar você a expressar seu próprio pensamento. Pode argumentar e questionar mas precisa respeitar um texto que é seu exercício de liberdade, no final de contas. É uma relação que confronta nossas vaidades, exige confiança e empatia, um certo espírito construtivo, uma forma de altruísmo. A escultora Ana Carolina Oliviero, minha mulher, lê quase tudo o que escrevo, antes de publicar. Temos discordâncias imensas sobre muitas coisas, mas nossas conversas têm grande utilidade para meu trabalho, como escrevi no final de A Outra História da Lava Jato.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Só escrevo no computador. A informatização trouxe duas mudanças importantes em minha vida. Me obrigou a usar óculos e acabou com anos de treinamento para ter uma caligrafia legível. Minhas palavras escritas a mão se tornaram rabiscos que eu mesmo tenho dificuldade para ler. Não tenho paciência para fazer notas no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Acho que as ideias estão na memória, nas leituras que não se apagaram e aparecem de repente, sem que a gente saiba exatamente por quê. Também são renovadas nos diálogos com aquilo que chamamos de fontes, nos artigos de jornal. No meu caso, as leituras de textos clássicos do pensamento político e econômico, um hábito que adquiri quando estudava Ciências Sociais, também ajuda muito. Tive uma experiência militante quando estava na faculdade e isso também é importante, pois você aprende a organizar o pensamento e definir aonde quer chegar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
É preciso reconhecer sempre que a mudança essencial foi a conquista da liberdade de escrever de acordo com aquilo que penso. É mais do que uma ideologia x ou y. Como todo jornalista, iniciei a vida profissional em veículos que permitiam uma boa formação técnica. Ainda tive a sorte de encontrar bons mestres para aprimorar o artesanato da profissão. Mas no resultado final, todo texto que produzia era fruto de uma negociação delicada, que envolvia o que eu queria dizer com aquilo que o editor achava que precisava ser dito e que, de uma forma ou de outra, refletia o pensamento da empresa. Tive momentos de grande satisfação, mas outros de frustrações sem fim. Essa fase acabou.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Aprendi que é sempre melhor falar de coisas concretas. Gostei muito do Marighella, do Mário Magalhães. Também admiro o Governo João Goulart, do Muniz Bandeira, além do livro do Jorge Ferreira, que trata do mesmo personagem. Claro que gosto do Getúlio, do Lira Neto. Como dá para perceber, gosto de livros de história e acho que sempre fazem falta. Por quê? Porque sempre queremos entender aquilo que nos decepciona e nos entristece.