Paulo Lannes é jornalista, doutorando em Estudos Literários e co-criador da editora Pinard.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu costumo levantar bem cedo, muitas vezes antes de amanhecer. Ainda na cama acendo o abajur e leio um pouco. Há vezes que volto a dormir um pouco, mas normalmente sigo acordado até levantar para fazer o café, comer e ler mais um pouco na “poltrona da leitura”, como chamo uma poltrona que tenho na sala, próximo às estantes de livro e à janela – o meu canto preferido da casa. Por lá leio até a hora de ir à rua para caminhar. Voltando, tomo banho e já inicio os afazeres do almoço.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
À tarde, depois do café que vem após o almoço. Consigo engatar bem o trabalho até anoitecer. O ritual da escrita implica nesse cafezinho anterior e numa mesa de escritório já arranjada com livros e materiais que acredito serem necessários para a escrita (pesquisa, resenha, textos pessoais).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Todos os dias. Como trabalho com escrita, dentro de casa, dificilmente reconheço quando é fim de semana ou dia de semana. Particularmente, essa rotina me agrada muito, não vejo o porquê de alterá-la em dias específicos. Algumas vezes dou uma escapada para assistir um filme logo após o almoço ou algo assim, mas sempre acabo por escrever algo. Minha meta é escrever até cansar, não consigo trabalhar com uma meta exata especifica, um número. A vida não é feita de números.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O começo é sempre pior. Na verdade, a primeira frase é sempre a pior, pois ela que dita o tom de todo o resto do texto. Seja no trabalho acadêmico, seja na profissão, seja na resenha, seja no texto pessoal. Enquanto eu não acerto o tom da primeira frase eu não acerto o resto. É como uma música. É a primeira nota que define o andar da canção. A frase inicial é a nota musical da escrita. Porém, quando a domino, tudo flui como se estivesse pronto na minha cabeça, exigindo apenas arranjos gramaticais e alguma troca na disposição das frases (sem mexer na primeira, é claro; se a primeira muda, todo o resto muda quase que completamente).
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tomo café, faço um bolo, vejo um filme com poucos diálogos, leio um livro de contos. Tudo para desacelerar. Quando sinto que a mente se esvaziou o suficiente, volto e continuo o que havia parado.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Pelo menos três vezes sem que eu faça qualquer alteração. Se eu mexo nele, releio mais três vezes sempre. Tento ler ao menos uma vez em voz alta. Não é obrigatório, mas gosto. E, sim, algumas vezes meu marido, que também é da literatura, dá uma olhada. Mas só quando eu acho o texto muito bom. Os passáveis eu entrego por minha conta e risco.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tudo no computador, à mão escrevo mais passagens que gosto de outros livros, principalmente os teóricos. É uma forma de gravar pensamentos, ideias e construções teóricas. Escrever à mão é como talhar na mente a memória daquilo que li. Por isso, o faço com parcimônia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Há duas fontes. Há a literatura, em que narrativas e ideias acabam por se misturar à memória e à organização que faço eu mesmo do mundo. E há o cotidiano. Numa vez que se senta num café e vê a movimentação do espaço ou numa história que te contam e você não consegue esquecer; eis aí a matéria-prima de qualquer escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Respeite o tempo. Há coisas que só o tempo solidifica, tanto no campo das ideias como na própria escrita. Não adianta correr com aquilo que só se sedimenta gradualmente, aos poucos. Eu tinha muita pressa, isso me prejudicava. Hoje ainda tenho em muitos momentos, mas agora ao menos tenho consciência dela. E tento controlá-la. Tento.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Projeto que gostaria de fazer: retratar algumas cidades que conheço pelos vazios que a falta de documentos, a interrupção de projetos e tragédias acabam por ocupar a vida de muitos dos habitantes – forjando uma história que poucos querem contar, mas muitos são capazes de sentí-las.
Livro que gostaria de ler, mas não existe: um que tente fundamentar toda a imensidão que é ser brasileiro em suas múltiplas complexidades. Que romance daria conta de retratar, numa só narrativa, tantas paisagens, tantas personalidades, tantas histórias? Queria ler esse romance.