Paulo Henriques Britto é poeta e tradutor.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
A pergunta parece formulada de modo a dirigir-se a romancistas. Embora contista bissexto, o que mais escrevo é poesia, e em matéria de poesia não costumo fazer muito planejamento. Em algumas épocas produzo mais; em outras, menos. Quando consigo ter um número razoável de poemas acumulados, começo a montar o próximo livro.
Escrevo também artigos e ocasionalmente livros sobre tradução e literatura. Nesses casos, tendo a começar do começo e terminar escrevendo a última parte, ainda que de vez em quando desenvolva mais um trecho intermediário. Em qualquer projeto de escrita, prosa ou poesia, faço um número enorme de revisões.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Não tenho propriamente uma rotina. Tendo a escrever poesia mais à noite. A atividade de escrita, como toda atividade intelectual, pode ser exercida com mais facilidade quando se está a sós. Mas escrevo em outras horas do dia também, e já escrevi muita coisa com meus enteados — e agora meus netos — entrando e saindo do escritório, me interrompendo, telefone tocando, etc. Não tenho problema de concentração. Também escrevo frequentemente ouvindo música, de preferência instrumental ou cantada em idiomas que desconheço.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
V. resposta à pergunta 1. Em algumas épocas produzo mais; quando a produção diminui ou cessa, começo a ordenar poemas, dar títulos, fazer revisões e correções.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Talvez meu livro sobre Sérgio Sampaio, que me obrigou a ouvir um disco muitas e muitas vezes, transcrevendo a melodia seguindo o sistema desenvolvido por Luiz Tatit. Quanto a orgulho, talvez minha tradução de Beppo, de Byron, cerca de seis anos de trabalho nas horas vagas — o livro não foi encomendado por nenhuma editora; foi uma iniciativa totalmente minha.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
No caso de poesia e dos contos, não se aplica. Quanto aos trabalhos sobre poesia e tradução, a maioria se dirige a um público acadêmico. Mas em três ocasiões tentei atingir um público culto, porém não necessariamente acadêmico: os livros sobre Sérgio Sampaio, sobre Claudia Roquette-Pinto e sobre tradução literária.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Começo a mostrar quando acho que o trabalho é minimamente viável. Com o falecimento de minha mulher, Santuza Cambraia Naves, e do meu grande amigo, o contista Antonio Carlos Viana, perdi meus dois principais primeiros leitores. Atualmente meus primeiros leitores são meus editores na Companhia das Letras, mas também mostro para um dos meus enteados e para alguns amigos.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Eu já queria ser escritor antes mesmo de aprender a ler, o que aconteceu por volta dos seis anos. Mas desde razoavelmente cedo aprendi a principal lição, resumida na famosa frase atribuída a Picasso a respeito de inspiração e transpiração, através de alguns escritores que li, como Manuel Bandeira, e de professores que tive no ensino médio.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Não houve um momento em que deixe de simplesmente imitar e passei a ter um estilo próprio; a coisa foi (e é) um contínuo, que parece seguir um curso natural. Houve obras específicas que me causaram tamanha impressão que por algum tempo me desanimaram. A leitura de “Investigações de um cão” de Kafka teve um impacto emocional tremendo sobre mim; senti que, como jamais conseguiria escrever nada que pudesse ser comparado àquilo, era perda de tempo tentar virar escritor. Senti o mesmo quando li pela primeira vez “Uma faca só lâmina” de Cabral: depois daquilo, que sentido haveria em ambicionar uma carreira literária na poesia? Já o aparvalhamento causado pela descoberta de “Sea surface full of clouds” de Wallace Stevens foi resolvido de modo mais imediato quando comecei a tentar traduzir o poema para o português. A tradução foi uma maneira de exorcizar o impacto esmagador da obra.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Depende da pessoa, e dos interesses dela. Para quem gosta de poesia e não lê inglês, mais recentemente tenho recomendado o Eliot de Caetano Galindo.