Paulo César Busato é professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho uma rotina matinal. Salvo os dias de aula (dois ou três por semana, conforme o semestre), nos quais parte da manhã é ocupada com horário certo (em 19 anos de aula nunca cheguei atrasado), os demais dias dependem muito. Viajo constantemente por palestras e aulas em pós-graduações, escrevo muito em casa e sou Procurador de Justiça. O fluxo de processos no gabinete é variável, às vezes mais apertado, às vezes menos. Assim, fora os dias de aula, defino como começará o dia na noite anterior.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De madrugada trabalho muito melhor. Ponho música. O telefone não toca e ninguém me interrompe. Posso escrever de seis a oito horas ininterruptas. Não tenho ritual, apenas procuro evitar ficar tempo demais distante do texto para poder dar continuidade à escrita do dia ou dias anterior(es). Sinto que se passo uma semana ou mais longe do texto, tenho que ler tudo o que escrevi antes para “entrar no clima” do texto, o que consome, pelo menos, meia hora. Por isso, se tive que afastar-me do texto por uma semana ou mais, não consigo retomar se no dia em questão tenho apenas uma hora livre para escrever. Espaços de até uma hora só são aproveitados para escrever se não tenho que consumir parte deste tempo relendo o texto.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
É variável. Como tenho muitas outras atividades com horário e/ou prazo, não dá para ser constante. Bem que eu gostaria. Não tenho meta diária, aproveito os espaços livres e os estendo ao máximo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não compilo antes, muito pelo contrário. Eu tenho uma idéia e disparo tudo o que eu penso em um par de páginas. Ideias concretas, concisas, preferencialmente conectadas entre si. Depois parto para a pesquisa que, por vezes contrariam e em outras confirmam minhas idéias. Leio cada texto (livro ou artigo) e volto para o meu texto, seja para enfrentar as ideias do autor, seja para incorporá-las. Caso a leitura se comprove dispensável, passo para a seguinte, sem voltar ao texto. Muitas vezes, neste processo, chego a ideias originais que foram copiadas por outros autores, que vão sendo descartados do texto matriz. Não é infrequente descobrir plágios, ideias consultadas e transcritas sem as correspondentes referências, enfim, cai a máscara de muitas fontes. O processo é divertido porque vai moldando o meu entendimento sobre o assunto. Como parto de um texto inicial cru, sem ideias acabadas, não tenho qualquer resistência em mudar de opinião ou ser convencido de que meu ponto de partida estava errado. Isso é muito bom porque aniquila qualquer classe de soberba no texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nunca tive isso. Nenhum dos três problemas. Não posso opinar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Por conta do processo de escrita, centenas. Dificilmente um simples artigo deixa de ultrapassar uma centena de consultas. Só mostro para outras pessoas se elas pedirem ou estiverem perto quando estou concluindo o texto. Nunca mostro nada antes do que eu julgo seja a conclusão. Algumas vezes mostrei textos concluídos, e sugestões me fizeram retomá-los e corrigi-los ou ampliá-los. Não tenho nenhum problema com isso.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Em geral no computador, mas não é infrequente que me surjam idéias em lugares inusitados. Sempre tenho um bloco para anotação de ideias comigo, mas também já cheguei, algumas vezes, a ter que gravar a ideia, porque a tive no banho! Não era possível escrever e não dava para perder a ideia. Meu celular estava perto, acionei o gravador e…
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não. Em geral há dois momentos em que surgem mais ideias. Quando escuto outras pessoas falando de algum assunto da minha área (em um congresso, aula, banca, debate, etc.) ou em momentos em que me encontro completamente relaxado (banho, antes de dormir, ouvindo música, tocando violão, etc.).
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Acho que o que mudou é que fui perdendo o medo de estar errado em alguma ideia. Acho que compreendi que não existe certo e errado. Existem boas e más ideias, argumentos mais ou menos consistentes, mas não propriamente certo e errado. Isso me levou a ter menos medo de inovar. É possível inovar se a lapidação da ideia é consistente. O que eu diria a mim mesmo se voltasse ao tempo da minha tese é algo que eu ouvi do meu orientador várias vezes: tenha calma; controle a ansiedade.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto que eu gostaria mesmo de fazer (há quase vinte anos) eu comecei no ano passado e ele segue em ritmo lento, porque vai ser grande. Não tem prazo para acabar, porque pretende ser muito consistente. O que não comecei e gostaria de fazer (e ainda farei) é escrever um livro não técnico, um romance. Tenho muitos livros que existem, que eu gostaria de ler e não tenho tempo. Por isso, não há algum que eu gostaria de ler e não existe. Os que eu gostaria de ler, existem, eu é que não dou conta de lê-los!