Paulo Biscaia Filho é sanguinário bucaneiro intergaláctico, diretor de cinema e teatro pela Vigor Mortis.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho rotina nenhuma, mas tento desesperadamente criar uma todos os dias. Sempre demoro muito tempo antes de levantar lendo notícias. Não sei se demoro para levantar por preguiça ou porque fico deprimido pelas notícias ou se uma coisa alimenta a outra. Preciso parar de ler tantas notícias pra produzir mais. Preciso ler notícias pra tentar escrever alguma ficção que consiga se equiparar ao absurdo da realidade.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Depende muito do atividade. Às vezes rendo melhor pela manhã. Outras vezes a madrugada é a melhor musa. Mas só funciona quando estou obviamente bem descansado. Gosto da madrugada pelo silêncio e pela certeza de que nada vai me interromper. Nenhuma notificação, nenhum interfone, nenhuma tarefa urgente de faculdade… NADA VAI ME PARAR. Apenas o eventual sono ou o fim do que estou escrevendo. Terminar de escrever vendo o sol nascer na janela ao lado da minha escrivaninha é a melhor sensação.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
O que mais escrevo são peças e roteiros. Raramente escrevo prosa. Então tenho que respeitar alguns formatos principalmente com relação a tamanho para eu não me empolgar de mais ou … de menos. Por isso estabeleço uma meta de páginas ou palavras para cada dia e cada período a ser dedicada a escrita. Raramente obedeço. Por vezes a meta é ultrapassada e outras vezes não consigo escrever nem duas palavras. Mas pelo menos sei onde estou no mapa do que me proponho a fazer. Geralmente dedico um mês para fazer a primeira versão de um roteiro. Escrevendo quatro horas por dia (e outras quatro olhando para a estrutura, pesquisando e procrastinando porque isso acontece sim! Ha!
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando monto meu mapa de post-its, tenho um arquivo de notas de coisas que tenho para escrever e estou pronto para começar o texto em si, uma coisa vai alimentando a outra. Vejo que a pesquisa alimenta o texto e o texto demanda maior pesquisa. Em ocasiões o processo trava. Aí entro em parafuso e em algum lugar desse parafuso as coisas se conectam. Por bem ou mal. Só vou saber isso depois. O roteiro que escrevi mês passado tinha um monte de notas e uma estrutura bem delineada. Não respeitei nada daquilo exceto nas dez primeiras páginas. Precisei escrever para ver que a estrutura não iria me servir, mas precisei da estrutura para poder começar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Para responder esta pergunta terei de parafrasear dois cânones da escrita criativa. Robert Mckee fala que não existe bloqueio criativo. O problema, na opinião dele, é facilmente resolvido por uma ida a biblioteca. Fato! Novas informações nunca fizeram mal a ninguém! (Exceto quando se trata de noticiário brasileiro!!). Escrever nada mais é do que interpretar a realidade criando uma nova realidade. Em especial quando o autor escreve narrativas fantásticas que, por natureza, tem vocação para um lugar fabulesco. A fábula é a realidade reinterpretada. Não tem como você criar mundos sem conhecer muito bem o seu próprio mundo. Jamais sendo direto, mas coletando mais informações para poder ter uma boa seleção e a partir desta triagem fazer conexões que colaborem com a narrativa sendo escrita.
Sobre corresponder expectativas, apelo para o David Mamet quando ele fala que quando você quer ser autor (ou artista de qualquer área) “You have to stand being bad”(Você tem que estar pronto para ser ruim). Acontece e acontecerá muito. Para encerrar essa levar de citações, tenho como um de meus mais importantes mentores o saudoso Antonio Abujamra. Quando nos encontrávamos ele me perguntava dos meus fracassos, porque os sucessos não interessavam a ele. Os fracassos são os lugares de risco, de aprendizado e de amadurecimento. Mas é claro que fracasso é um momento peculiar. Se ele se tornar um padrão, aí não é fracasso é uma dica de que você precisa mudar radicalmente a visão sobre seu trabalho. Tive a sorte (ou seria o trabalho?) de ter tido alguns sucessos para reconhecer e compreender meus fracassos e vice versa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Escrever para cinema e teatro é diferente de escrita literária. A revisão não acontece na página, mas no corpo dos intérpretes. Faço um processo que carinhosamente chamei de draping dramatúrgico. Draping é um processo de costura onde se molda no corpo da modelo. Ou seja, faço as minhas revisões ouvindo o texto da boca de atores e atrizes. Apenas ali, no seu meio definitivo, consigo compreender melhor o texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Adoro tecnologia. Procrastina e ajuda. Já usei muitas máquinas de escrever e sinceramente não tenho saudade delas. Muito menos de ‘liquid paper’. Tem poesia? Tem, mas prefiro dedicar poética ao trabalho final e não a forma como se cria ele.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Observação. Como qualquer outro autor. E fetiches. Não no sentido erótico (não apenas nele), mas quando me refiro a explorar estéticas e ambientes que vi em outras obras e quero explorar também. Escrevi Morgue Story para explorar um lugar meio Sam Raimi de narrativa de horror e humor. Marlon Brando, Whiskey, Zumbis e Outros Apocalipses é um jogo com George Romero e Richard Linklater. Fazer coisas inspiradas por outras coisas que amo. É o que todo mundo faz, acho eu.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
De 30 anos pra cá me tornei bem mais crítico. Isso é bom e ruim. Por vezes me censuro demais quando deveria enlouquecer ao contrário de outras vezes quando perdia a noção e me apaixono demais por narrativas que não deveriam ser exploradas do jeito que escrevo. Na verdade ainda faço isso. Preciso de olhares externos para trabalhar minha crítica. Minha marinheira (marida-companheira) Rafaelle me ajuda demais nisso. Encontrar o ponto de equilíbrio entre fazer a auto-crítica correta e enlouquecer é o santo gral de qualquer autor.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Só pode falar aqui um projeto ainda não realizado??? Minha vida é uma longa lista de projetos a serem feitos!
Um livro de Sutter Kane. Você lê Sutter Kane?