Paulliny Gualberto Tort é jornalista e escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Perguntinha danada. Faz a gente pensar que devia aproveitar melhor as manhãs. Até ano passado, eu acordava muito cedo e minha rotina matinal era de exercícios físicos nas primeiras horas. Eu me sentia muito bem. De uns tempos para cá, no entanto, minha rotina matinal tem sido curtir ressaca de insônia. Mas, para além da preguiça, minha prioridade é ficar com meu filho, o que faço com muito prazer. Pela manhã, fazemos tarefas da casa, passeamos com o cachorro, conversamos, jogamos cartas, saímos para comer uma torta doce… Coisas de mãe e filho.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Quase sempre começo depois das 22h. Por isso, acabo dormindo tão tarde. A casa quieta, os deveres cumpridos, o filho na cama, o marido no escritório dele (aqui em casa, cada um tem seu escritório). E não, não tenho ritual. A não ser, quem sabe, tomar uma cerveja ou uma taça de vinho. Às vezes, mais de uma.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Se escrevo, me imponho uma meta diária de pelo menos 700 palavras. Não sei qual escritor tinha a mesma meta, acho que Hemingway, e copiei. Mas não me obrigo a escrever diariamente, não. De qualquer modo, estou sempre pensando na história, tomando notas, lendo e vendo coisas que se relacionam de alguma forma com o universo que desejo apresentar.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Estou escrevendo meu segundo romance. Segundo o que vivi até agora, as notas vão surgindo junto à escrita. Não acumulo um bocado de ideias antes de sentar a bunda para escrever, não. Você tem uma ideia, às vezes vaga, e começa. A história vai surgir concomitantemente ao exercício de escrever. Quanto à pesquisa, acontece como com as notas. Se a história pedir um conhecimento específico, um dado, uma técnica, vou lá e pesquiso. E isso acontece conforme a narrativa avança. Às vezes, fico alguns dias sem adiantar a escrita só para pesquisar um assunto que preciso dominar melhor, depois retomo. De qualquer modo, em geral, pesquisa não é algo que eu faça antes de começar a escrever.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A trava eu destravo escrevendo, ainda que de início não goste dos resultados. Não tem outro jeito. A solução para a narrativa não surge por si, não é um click na fila do supermercado, um instante mágico. É fruto de trabalho. Quanto à procrastinação, ai, meu Deus, isso aí é o diabo. Já pensou o quanto seríamos produtivos e até mesmo geniais se não procrastinássemos? A ansiedade, por outro lado, me ajuda. Ela, a vontade de acabar logo, é que me empurra para o fim da história. Quanto às expectativas, tenho pouquíssimas. Mesmo. O objetivo é apenas contar o que está na minha cabeça. Se gostarem (e tem sempre alguém que gosta muito), ótimo. Quem não curte reconhecimento? Se não gostarem, paciência. Foi o melhor que pude fazer por ora.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso várias vezes, mas nunca contei quantas. Faço questão de dar um tempo, de me distanciar do texto antes de cada revisão. Passo alguns dias sem tocá-lo. E, sim, tenho meus leitores de confiança. Escritores também. Ou pessoas envolvidas com o tema em questão. Por exemplo, no Allegro ma non troppo, meu primeiro crítico foi um amigo violinista. Além de ótimo leitor, esse amigo tem conhecimentos sobre o violino que me ajudaram, uma vez que meu protagonista, Daniel, também é violinista.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre, sempre, sempre no computador. No papel, apenas notas (que rabisco em uns mil cadernos espalhados e às vezes acabo perdendo). Mas tenho de me desconectar do Facebook, do WhatsApp, do Instagram, porque me distraem. Como diria Maria Valéria Rezende, temos de sair da pracinha para trabalhar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não faço a menor ideia. Brincadeiras à parte, acho que as ideias são fruto de uma confluência de fatores: suas próprias experiências, as experiências dos outros, suas leituras, seu repertório cultural, seu conhecimento científico… Mas tendo a acreditar que existem histórias que só você pode contar, porque só você sabe o que viveu, independentemente de tudo o que já foi escrito. Quem conhece o cheiro da sua infância, o seu medo de altura, o gosto do primeiro beijo que você deu, o primeiro velório que você presenciou? Acho que essas sensações entram no texto de um bom escritor. Quanto aos hábitos, o principal é o da leitura. Em segundo lugar, vem a mania de reparar nos outros, de observar. Outro dia, em um restaurante, uma família imensa se sentou ao lado. Dava para sentir uma euforia nervosa nas pessoas. Aí percebi que o patriarca, um velhinho de aliança grossa no dedo, estava muito, muito triste. Uma coisa terrível. Deu para sacar, juro que deu, que havia enviuvado recentemente. Os filhos, noras, genros e netos estavam tentando animá-lo. Isso rende uma história. Todos os dramas rendem.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Por muito tempo, achei que o problema da representatividade na literatura era uma questão menor. Foi preciso publicar um livro, conhecer um pouquinho do mercado e da trajetória de outros escritores para entender que não é assim. Vivemos uma situação crítica nesse aspecto, com uma literatura que podemos chamar de hegemônica ocupando quase que a totalidade dos espaços. Felizmente, as coisas estão mudando. A FLIP, por exemplo, sob a curadoria da Joselia Aguiar, mudou. O caminho indica que as editoras e a crítica especializada também precisarão mudar. Mas, veja bem, sou terminantemente contra a figura do leitor crítico. Na minha opinião, o caminho é para uma pluralidade de vozes, não para o cerceamento de qualquer uma delas. De todo modo, eu me diria: “Ei, preste atenção, apesar das aparências, o sol nem sempre é para todos”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Como diria Letrux, eita ferro! Tenho uns cinco esboços de romances que ainda não comecei e que gostaria de trabalhar sobre eles. Quanto à vontade de ler, eu queria conhecer um livro sobre dor de cotovelo que não fosse piegas. Estou farta das histórias de fossa e das de superação. Acho que esse livro, não vou escrever. Acho que não. Não sei. Porque mudo de ideia o tempo todo.