Paulino Júnior é ficcionista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Uma vez que preciso levantar às seis horas para aprontar meu filho para ir à escola e trabalho em casa (fazendo correção de textos), ora leio, ora reviso texto alheio, ora redijo, ora reescrevo, ora tomo apontamentos, ora jogo todo texto fora. Atividades combinadas e entremeadas com os afazeres domésticos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu só não gosto de escrever à noite, tanto porque já estou cansado quanto para evitar ficar excitado/decepcionado e comprometer o sono (prefiro estar inteiro logo cedo no dia seguinte). A noite é momento de preparar a janta, tomar um uisquinho, procurar assistir alguma coisa que preste e dormir.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
A menos que eu tenha prazo para entregar um texto – como acontece quando sou convidado para coletâneas temáticas, periódicos, ou quando escrevia semanalmente para o jornal – não tenho meta de produção diária nem pressa. Porém, às vezes começo a traçar um conto e ideias aproveitáveis vão se sucedendo tão subitamente que preciso botar de vez a carne, músculo e sangue no esqueleto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Boa pergunta para um ficcionista! Ficção não é ‘só’ inventar uma história – ao menos não no meu caso. Realizo pesquisas e estudos praticamente toda vez que vou dar corpo a um conto, pois parto de uma ideia e preciso de dados para dar tratos à realidade. Por exemplo, tive que dispor de informações sobre a rotina de trabalho de um dedetizador, conhecer técnicas e substâncias químicas empregadas, para escrever o conto ‘Debate sobre o cheiro do cupim operário’(presente em Todo maldito santo dia). E, na medida em que vou construindo a história, pondero qual e qual informação serve para descrever, dar credibilidade ou ser ‘distorcida’ conforme meus desígnios. É também nesse processo que dou conta da minha ignorância ou carência de caracterização, então retomo a pesquisa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Trabalhando! Só quando faço é que conheço meus limites, e os respeito. Tanto respeito que me dou o direito à preguiça e à desistência.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Bom, como todo mundo sabe (ou deveria saber), escrever é reescrever. Gosto de uma frase proferida por António Lobo Antunes, e atribuída a Marcel Duchamp, de que uma obra nunca está acabada, mas definitivamente inacabada. Enquanto contista convicto, dou-me por satisfeito quando intuo que contei tudo que queria e precisava contar (embora não exatamente da maneira que eu intuía que queria e precisava). E já mostrei mais meus textos para outras pessoas antes da exposição pública, mas hoje procuro não incomodar mais ninguém.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou uma pessoa muito econômica, controlo gastos e dispêndios. Minha mulher é professora-pesquisadora, e como orienta dissertações e teses, além de participar de bancas acadêmicas, acho um desperdício botar fora aquela quantidade de trabalhos impressos com um lado inteirinho em branco. Então, arregaço as mangas e mãos à obra.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias estão circunscritas a um campo restrito, não saio escrevendo o que me dá na telha, em exercícios de automatismo. Desde sempre assumo que o tema com o qual me confronto é “o mundo do trabalho”, minha Esfinge. Assim, conceitos como trabalho, emprego, serviço, profissão e desemprego pesam no meu projeto estético. O hábito que mais pratico para me manter criativo é não menosprezar as pessoas e os detalhes nas pessoas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Hoje me sinto mais inseguro do que no começo. No começo, fora o desejo, eu não tinha nada. Hoje julgo ter conquistado estilo, linguagem e reconhecimento. Para a autoestima é bom, porém, vivo buscando a mesma inquietude, a angústia de ter algo para dizer e a convicção de que isso precisa ser escrito, assim como o desejo de fazê-lo imprimindo originalidade ao texto. Ou seja, estou a andar às voltas do Paulino-escritor-de-fraldas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu próximo conto. Meu próximo livro.