Paula Quintão é escritora e doutora em Ciências do Ambiente pela UFAM.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim. Por muito tempo eu acreditei que não gostava de rotina, mas a verdade é que, no fundo, eu não queria lidar com a disciplina de seguir uma rotina que me agrada. Eu fui construindo a minha vida pra alcançar esse sonho realizado, que é uma rotina no meu tempo, que eu possa inserir elementos que me façam sentir bem, sentir leveza. De manhã eu costumo acordar cedo, entre 6h e 6h30, sem despertador. Eu acordo, faço uma caminhada, medito e me sento com meu café pra poder planejar o meu dia. Isso faz toda a diferença e me faz sentir bastante estado de presença. É um momento do dia que eu amo muito.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sim. Pelas manhãs eu tenho muito mais energia e, pra escrita, o que eu faço é sempre respeitar meus tempos de energia. Quando eu sinto que a minha frequência cai, que eu estou mais devagar ou entristecida ou me sentido mal por algum motivo, eu respeito esses tempos. Ou eu silencio ou vou para a natureza fazer uma caminhada, ou faço outras coisas que não são necessariamente escrever, porque eu sinto que escrever demanda um tempo em que eu esteja bem. Eu acredito que o que eu partilho pela escrita precisa passar por um processo interno de muita luz, muito conforto, de frequência alta.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho uma meta, mas tenho um horizonte. Eu sinto que uma meta me daria um sensação de enrijecimento da escrita. Eu gosto de ter uns prazos que eu mesma crio, mas sem usar esses prazos como algo que me pressionam. Eu gosto de escrever no meu tempo. Por exemplo, agora eu estou escrevendo o meu livro sobre o Caminho de Santiago. Nos últimos meses passei a escrever e escrever sempre. Eu tive vontade de terminá-lo no final do ano, pra lançá-lo exatamente um ano depois de ter terminado o meu caminho. Mas o tempo foi mostrando outras dinâmicas e eu não consegui cumprir esse meu prazo inicial. E foi muito bom respeitar o meu tempo, porque eu pude tecer minhas palavras com mais calma, com mais presença. Eu preciso respeitar antes de tudo meu estado de presença e entrega, e depois os prazos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu sinto que vivo em estado de pesquisa. A minha vida é uma constante observação. Eu estou o tempo inteiro buscando as lições que eu vivo. Estou o tempo todo investindo no meu processo de autoconhecimento, me olhando, valorizando o que me acontece, o que eu vejo, o que eu sinto, o que eu percebo, as conversas que acontecem ao meu redor. Então eu estou o tempo inteiro com olhos de quem valoriza o que há. E isso já me coloca em intenso processo de abastecimento. Eu estou cheia o tempo inteiro. A escrita se transforma num processo natural, como a própria natureza. São leis da natureza o dar e o receber. E de tanto eu receber, é natural que eu tenha muito pra dar. Então esse conhecimento que está em toda parte eu acesso com muita facilidade, me colocando nessa posição de aprendiz todo tempo. Graças a isso, não me falta bagagem para escrever.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Uau, muitas coisas profundas numa mesma pergunta! Primeiro que eu respeito as emoções que passam por mim. Se tem alguma coisa que eu estou adiando, procrastinando, eu entendo que a procrastinação está tentando me contar algo, me mostrar alguma emoção minha, então eu nunca condeno a procrastinação ou os dias em que eu estou com baixa energia pra escrever. Eu sempre me coloco num processo de observação do que aquela emoção está querendo me ensinar, porque por trás da emoção tem às vezes uma memória, um trauma, uma cura pra ser feita. E eu vivo, antes de ser uma escritora, sou uma Paula, viva, que busca esse alinhamento, de estar num estado de mais profunda felicidade, de paz, e pra isso eu sinto que preciso ouvir as emoções. Se eu estiver ansiosa, com medo ou com qualquer tipo de bloqueio eu vou olhar o que essas emoções estão querendo me dizer. E só de observá-las, elas se diluem, passam, são curadas e logo já estou mais livre e energizada para então escrever.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu leio uma vez só. Eu sinto que alguns probleminhas às vezes vão passar, uma digitação equivocada, trocada, ou uma palavra que gerou qualquer confusão na hora de ser escrita, mas eu sinto que está tudo bem. Eu não me incomodo muito com às vezes uma palavra escrita fora da norma ortográfica, porque eu entendo a norma e as regras só como um instrumento para que nós possamos nos entender e compreender da melhor forma possível, e esse enrijecimento sobre as regras nada mais é do que um enrijecimento do ego, que quer valorizar ou desvalorizar alguém pela forma que esse alguém escreve. A língua é pra ser um instrumento de comunicação, e não o foco em si. Cuido muito da língua, meus textos não costumam ter nenhum tipo de problema, mas também se há uma coisinha gramatical, não vai ser isso que vai prejudicar minha entrega. O objetivo é nos comunicarmos, e não usar a língua culta todo o tempo. Ela é mais pra ajudar, e não para nos enrijecer.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu amo a tecnologia. O online é a minha grande plataforma de entrega. Eu tenho mais livros digitais que impressos, inclusive. Muitas vezes eu escrevo à mão porque o lápis me coloca num estado de presença muito grande, você pode ver que o lápis quando está punhado na sua mão você está em posição de meditação. Mas, quando tenho que escrever no computador eu também fluo com muita tranquilidade e alegria. Eu sinto que as ferramentas vêm para auxiliar e o computador agiliza muito as minhas entregas. Eu respeito muito esses ambientes, porque são formas muito ricas de criarmos comunicação e estabelecermos contatos entre nós.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu sinto que as ideias vêm dos conhecimentos, que estão em toda parte, como disse antes. Eu acredito não só no conhecimento dos livros e das escolas, mas tudo que nós vivemos a todo instante, então eu uso a minha vida como uma grande escola a todo tempo, o que eu ouço, o que eu vejo, sinto, percebo, experimento e experiencio. Essa é uma grande fonte inesgotável de bagagem. E de outro lado está uma conexão como um todo. As meditações me ajudam muito, e eu inclusive tenho um curso sobre esse despertar criativo, de que nós somos parte de um todo. É como se as ideias estivessem disponíveis numa nuvem, para serem acessadas por todos nós no momento que quisermos. Não vai nos faltar ideias. E acessar essa nuvem de ideias vem de um alinhamento com você mesmo, de um estado de conexão com a sua intuição, que é a maior de todas as inteligências humanas, e de uma percepção de que nós somos partes de um todo inteligente. Assim eu cultivo uma vida criativa, não me falta ideia em momento nenhum e isso é muito especial.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
O que mudou foi a minha autoconfiança, de que o que eu entrego, se é importante para mim, é importante para alguém. Em determinado momento do meu caminho eu li essa frase num livro aleatório que eu abri uma vez, e foi graças a essa frase que eu tive coragem de publicar o meu primeiro livro e mudei toda minha história como escritora. Então, se é importante pra mim vai ser importante para alguém, porque nós somos espelhos uns dos outros. E desde lá eu me conecto com o que é importante para mim e faço minhas partilhas. Sinto que assim vou também entregar algo que contribui para a vida do outro.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não tenho essa resposta. Eu sinto que o livro que eu mais me importo de ler é o livro que eu tenho agora, no momento presente, e não o que me falta, e se eu começo a buscar um livro que não existe eu sinto que estarei com foco no que me falta. E o que eu tenho hoje são muitas lindezas a ver, a sentir, observar. O livro da vida já é o melhor livro para ser lido, e quando eu me coloco em estado de presença eu estou me permitindo ler esse livro do agora, o mais rico de todos.