Paula Giannini é escritora e atriz.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Costumo brincar que minhas manhãs são uma roda de hamster. Tenho dez cães, todos resgatados, e a rotina matinal demanda trabalho. Muito. No entanto, costumo tirar proveito desse tempo e adquiri o hábito de ouvir textos em leitores digitais do celular. Assim, enquanto limpo, troco águas, comidas, escuto livros, textos em geral, inclusive os meus, os que ainda estão em processo, encontrando erros, pensando em sua musicalidade.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho rituais… Trabalho com teatro há muitos anos, muitos mesmo, desde 1986, escrevendo, produzindo, atuando, e, nem no teatro, onde o imaginário no remete a rituais, eu os tenho. Não. Acho que a arte é mais profana que sagrada e não sou muito chegada à mistificações. Eu sento, escrevo, e pronto. A qualquer hora do dia ou da noite. Sou quase workaholic e viciada em escrever. Às vezes saem boas coisas, em outras, nem tanto.
Acho que as únicas preparações que me importam são o foco (a que se ter muito), a leitura e a pesquisa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo um pouco todos os dias, ou ao menos nos dias em que meu trabalho no teatro permite. Se não estou escrevendo, estou lendo, atuando, sempre fazendo algo ligado ao mundo das letras de alguma forma.
Costumo me impor metas, mas são coisas do tipo, escrever um livro até tal prazo, terminar um projeto até um outro. Nada de número de palavras por dia ou coisa assim. Sei que esse tipo de meta matemático funciona para muito para alguns, mas, além de minha vida não permitir, não sei se isso daria certo comigo. Prefiro as metas de vida, pelas quais, na minha, passa a literatura.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sou muito rápida. Escrevo. E ouço o que escrevo, sempre. Assim, reviso e acho erros, musicalidades outras, até insights sobre o tema brotam nessa hora. Trabalho um texto à exaustão (ou quase), mas quando o considero pronto, está pronto e só. Como dizia Clarice Lispector, depois de pronto, para mim, o texto está morto. Sinto o mesmo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não sei o que é procrastinação. Sou mesmo workaholic. Se alguém me vir parada, poderá saber que estou doente, ou muito triste.
Sobre corresponder às expectativas, de fato sou ansiosa, embora disfarce bem… Me preocupo com o que o outro pensa, com os resultados de um projeto. Opiniões, em nosso mundo de internet, onde todos se acham mestres de tudo, sem o ser, às vezes podem ser bem doídas. Passo muito por isso no teatro. Quando se escreve, assim como quando se atua, oferece-se um pouco da própria alma ao leitor, ao espectador, e se esse não cuida dela com carinho, algo se rompe para mim. É como se alguém enfiasse o dedo em um flanco aberto de uma ferida. Aqui, no entanto, não falo de críticas. Gosto delas e aprendo muito com isso. O que me incomoda é a agressividade em algumas falas e textos.
Sobre projetos longos… Não sei. Gosto. Noto, porém, que estamos todos a cada dia mais ansiosos. Fenômeno de nosso século repleto de tecnologias rápidas, talvez.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso bastante, e, sou muito consciente de meus pontos fracos. Acredito, no entanto, que após um certo número de leituras, o erro se torne invisível para quem o produziu. Então, tenho aqui o meu leitor-beta-marido, que faz as vezes de primeiro revisor, e, minha leitora-beta-mãe, que é ótima em me dar uma visão do entendimento do público no momento da leitura.
Às vezes recorro a outros leitores beta também, As Contistas, um grupo do qual faço parte, por exemplo. Acho esse processo proveitoso demais.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo à mão (mas minha letra está a cada dia pior), no computador, no tablet, no celular… Meu livro “Pequenas morte cotidianas” – Editora Oito e Meio, foi quase que totalmente escrito no celular, na estrada.
Eu morava longe do auditório onde minha peça Casal TPM, comédia de sucesso de público, estava em cartaz. Na verdade, em outra cidade. E foi no asfalto cotidiano, entre São Paulo e Itanhaém – Litoral de SP, entre conversas do elenco e dos amigos, e as músicas do pen-drive a se repetir, sempre as mesmas, que (re)descobri o meu celular. Ou ao menos a verdadeira utilidade deste para mim.
Oitenta por cento desse livro foi escrito ali, no smarthphone.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Acho que todos que trabalham com arte, com literatura, devem ser consumidores de cultura. Ler, ir ao teatro, ao cinema, exposições, é algo mais que essencial. É alimento necessário. Você vê algo aqui e aquilo fica ali, guardado. Um dia vem à tona.
Outra coisa em que acredito é na observação da própria vida. É preciso que olhemos para dentro de nós, claro, mas precisamos ter olhos bem abertos para o outro, o mundo, as pessoas em torno de nós com empatia. Há incríveis histórias para serem contadas onde quer que se vá. Só precisamos saber ouvir.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Quando comecei, eu costumava escrever somente dramaturgia. E assim foi, por muito tempo. No entanto, por estranho que possa parecer, eu costumava pensar (devo ser esquizofrênica) quase que narrando minha vida em terceira pessoa em algumas situações pelas quais passava. A prosa já estava dentro de mim, só que ainda não havia se pronunciado.
O que eu diria?
Não pare. Leia muito. Não se desvie do caminho (a gente se desvia muito). E… Estude.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de ler tudo o que existe e sei que não há uma vida suficiente para isso. Sinto-me defasada em muitos aspectos, embora sempre tenha lido muito, desde pequena. Minha formação é praticamente autodidata e quero ler todos os clássicos, os contemporâneos, os brasileiros, sobretudo os brasileiros.
Sobre projetos, quero terminar meu romance, recém iniciado, publicar meu novo livro de contos (Como a vida – contos que se mesclam a receitas culinárias), escrever mais para crianças e… O que ainda não fiz, mas quero muito, levar um livro meu, de contos, para o palco.
Sobre sonhos… Gostaria de ver um texto meu para o teatro na boca de outros atores, outras companhias, e, ter um de meus roteiros filmado e exibido. O ser humano é assim, nunca está satisfeito, sempre quer mais. Sempre.