Paula Fábrio é escritora, autora de Um dia toparei comigo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou uma pessoa que gosta de rotina. Acordo cedo, quanto mais cedo melhor. Após o café, vou me informar do mundo por meio de sites alternativos e redes sociais. Logo depois, coloco a correspondência em ordem.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrevo melhor pela manhã. Depois do café e das notícias, começo a escrever, sempre no computador. As primeiras duas horas são as mais importantes do dia, quando estou com o cérebro mais limpo e a coluna ainda não começou a doer.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou escrevendo um livro, a minha meta mínima é de três horas de escrita, e são horas seguidas. Se estou numa fase boa, com tempo livre, escrevo oito horas, com intervalos, é claro. Mas sempre de dia. Depois das cinco da tarde não rendo nada. Como pode ver, minha meta não é de espaço, ou seja, número de páginas, mas sim de tempo, tempo de escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não compilo notas. Não pesquiso nada antes de começar um livro. Como não trabalho com romances históricos, a necessidade da pesquisa surge com a trama que estou tecendo. Assim, quando surge uma dúvida, vou atrás de uma leitura ou de uma informação na internet. Às vezes a pesquisa vai longe, por curiosidade ou porque traz informações que expandem meu texto. Aí acontece de eu passar dias lendo, sem escrever nada. Outras vezes a pesquisa pode encetar mudanças radicais no meu texto, porque o foco de interesse pode mudar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não conheço a procrastinação, trabalho todos os dias. O medo de não corresponder às expectativas, sobretudo as minhas próprias, é inerente ao escritor, então é algo que você molda ao longo da vida, mas na verdade esse medo ajuda a melhorar a qualidade da escrita; eu sempre quero fazer melhor, se não estiver melhor que o livro anterior, eu jogo fora simplesmente. Não tenho ansiedade na hora de escrever ou de começar a escrever, é justamente quando mais tenho prazer; fico ansiosa em outros momentos, como na espera pela resposta da editora ou do retorno do público sobre o que escrevi. E com isso ainda não sei lidar direito, tenho torcicolo, como muito chocolate, compro roupas, livros, fico doente.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso centenas de vezes. Reviso todos os dias. Reviso também após as provas de gaveta que duram entre três e seis meses. Reviso antes de ir para a gráfica. Costumava mostrar meus trabalhos para minha companheira, mas hoje ela não aguenta mais. (risos) Então incomodo um amigo por vez.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no computador (Word) e hoje estou testando a tecnologia do Google Docs por comando de voz, o que diminui a tendinite. Escrevo com abas abertas de dicionários (etimologia, sinônimos, analogias), e sites de buscas. Comecei na máquina de escrever, nunca escrevi à mão, então foi fácil migrar para o microcomputador. No entanto, corrijo muito à mão, pois nas cópias finais imprimo o trabalho todo para dominá-lo com as mãos, literalmente.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm da experiência de vida, das histórias que me contaram, da observação no dia a dia e, principalmente, das coisas que me incomodam. Meu hábito é a leitura. Não sei se me mantenho criativa. Penso que precisamos nos manter como seres inventariantes. Quem estuda a etimologia do inventário se depara com o escrever.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Estou escrevendo uma tese neste momento (risos) e não sei o que diria a mim mesma. O que mudou no meu processo de escrita ficcional: cada vez é mais difícil o embate com a linguagem e com a língua; cada vez é mais difícil escrever, pois percebo as banalidades que saltam no meu texto. Em suma, mais apago do que escrevo. Sinto a necessidade de ler cada vez mais e melhor.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever um livro por gênero, passear entre os gêneros, isto é, escrever um romance policial, uma ficção científica. Acabo de realizar uma parte desse projeto, terminei meu primeiro livro juvenil. Quanto à segunda parte da pergunta, não sei responder, pois há tantos livros que eu quero ler e eles existem e estão forrando as minhas prateleiras.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Costumo ter dois ou três projetos ao mesmo tempo. Um infanto-juvenil, outro de ficção adulta e, às vezes, um terceiro, voltado à não-ficção. Para este último, costumo reservar dois dias do mês. Para os outros, depende: às vezes, passo uma temporada mais dedicada a um, descanso, depois passo um tempo debruçada sobre o outro. É um jeito de não me saturar demais do que escrevo. Com relação à semana de trabalho, busco um equilíbrio para trabalhar de segunda à sexta; mas se há uma ocasião favorável, ou seja, me encontro sozinha, em silêncio, e com bom ânimo para a escrita, aproveito a oportunidade, seja qual for o dia da semana.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Misturo planejamento e fluição, é preciso um pouco dos dois. Quanto ao que é mais difícil, acho que o problema se dá no meio da coisa, quando qualquer passo errado conduz o livro para um lugar sem saída.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Sou uma pessoa rotineira e disciplinada por natureza. Agora que estou ficando mais velha, bate certa urgência, então sempre estou a escrever algum livro; em outras palavras, escrevo a maior parte do tempo. Durante a pandemia, ficou mais fácil, pois sem compromissos sociais, pude manter o foco na escrita. Sobre o espaço, posso me gabar de ter a minha escrivaninha num cômodo só meu. De modo geral, preciso de silêncio e porta fechada, seja para ler ou escrever. Também já escrevi em quartos de hotéis e bibliotecas. Escrevi muito nas bibliotecas da Usp.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Não sofro com procrastinação, não sei o que é isso. Como sou bastante ansiosa, faço o que for preciso imediatamente, mesmo que o resultado não seja bom. Depois, é fácil, basta reescrever. Quando me sinto travada, eu escrevo: assim como uma pessoa enrijecida pela dor faz fisioterapia.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Sendo sincera, me orgulho de tudo o que escrevi, não pela crítica, mas por mim mesma, pois em cada texto dei o meu melhor. Tenho três livros de ficção publicados: Desnorteio, Um dia toparei comigo e o juvenil No corredor dos cobogós, além de trabalhos acadêmicos. Em todos eles me dediquei muito, quase todos levaram cerca de três anos para serem escritos. Em suma, não houve diferenças significativas para dizer que um foi mais fácil que o outro. Todo novo livro a gente começa do zero. E cada obra traz uma angústia diferente.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Sempre respondo que escrevo sobre as coisas que me incomodam. E eu preciso saber por que elas me incomodam, tanto externa como internamente. Nesse jogo, talvez o leitor se identifique. Então a leitora ideal, eu creio, sou eu mesma.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
A vítima é sempre a minha esposa, a Viviane. Agora ela está meio cansada dessa função e terei de encontrar outra pessoa. De certa maneira, precisa ser alguém em quem eu confie, isto é, um leitor que não vai me elogiar ou depreciar levianamente. Vejo muitas pessoas elogiando livros que estão na moda mas são horríveis, com certeza, não lhes pedirei uma leitura. Mas fora isso, já passei da fase de ter vergonha, tenho mais de cinquenta anos.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Em algumas entrevistas comentei que essa decisão aconteceu muito cedo, ainda na adolescência, e naquela época ouvi os conselhos do gigante Marcos Rey. Ele foi muito generoso. Mas a decisão final mesmo foi tomada por volta dos quarenta anos, quando vi o tempo se estreitar como um funil. E quando chegou esse momento, eu já tinha vivido muita coisa e conhecia grande parte do que enfrentaria no mundo literário. Mas é claro, a gente sempre se surpreende.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Eu gostaria de ter sido influenciada por Clarice Lispector. Quando digo isso, talvez esteja querendo dizer que gostaria de escrever tão bem como ela. Também seria gostoso escrever como Paul Bowles, Patti Smith, Natália Ginzburg ou Proust, ou ainda, Flaubert. Mas voltando à realidade, não sei se desenvolvi um estilo próprio. Taí uma pergunta que eu deveria fazer a você, José Nunes, eu tenho estilo próprio? Com quem me pareço?
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
São vários, mas ficarei com O anjo silencioso, do Heinrich Boll, Em busca do tempo perdido, do Proust e todos, absolutamente todos da Alice Munro.