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Como escreve Paula Fábrio

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Paula Fábrio é escritora, autora de “Um dia toparei comigo”.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?

Costumo ter dois ou três projetos ao mesmo tempo. Um infanto-juvenil, outro de ficção adulta e, às vezes, um terceiro, voltado à não-ficção. Para este último, costumo reservar dois dias do mês. Para os outros, depende: às vezes, passo uma temporada mais dedicada a um, descanso, depois passo um tempo debruçada sobre o outro. É um jeito de não me saturar demais do que escrevo. Com relação à semana de trabalho, busco um equilíbrio para trabalhar de segunda à sexta; mas se há uma ocasião favorável, ou seja, me encontro sozinha, em silêncio, e com bom ânimo para a escrita, aproveito a oportunidade, seja qual for o dia da semana.

Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?

Misturo planejamento e fluição, é preciso um pouco dos dois. Quanto ao que é mais difícil, acho que o problema se dá no meio da coisa, quando qualquer passo errado conduz o livro para um lugar sem saída.

Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?

Sou uma pessoa rotineira e disciplinada por natureza. Agora que estou ficando mais velha, bate certa urgência, então sempre estou a escrever algum livro; em outras palavras, escrevo a maior parte do tempo. Durante a pandemia, ficou mais fácil, pois sem compromissos sociais, pude manter o foco na escrita. Sobre o espaço, posso me gabar de ter a minha escrivaninha num cômodo só meu. De modo geral, preciso de silêncio e porta fechada, seja para ler ou escrever. Também já escrevi em quartos de hotéis e bibliotecas. Escrevi muito nas bibliotecas da Usp.

Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?

Não sofro com procrastinação, não sei o que é isso. Como sou bastante ansiosa, faço o que for preciso imediatamente, mesmo que o resultado não seja bom. Depois, é fácil, basta reescrever. Quando me sinto travada, eu escrevo: assim como uma pessoa enrijecida pela dor faz fisioterapia.

Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?

Sendo sincera, me orgulho de tudo o que escrevi, não pela crítica, mas por mim mesma, pois em cada texto dei o meu melhor. Tenho três livros de ficção publicados: Desnorteio, Um dia toparei comigo e o juvenil No corredor dos cobogós, além de trabalhos acadêmicos. Em todos eles me dediquei muito, quase todos levaram cerca de três anos para serem escritos. Em suma, não houve diferenças significativas para dizer que um foi mais fácil que o outro. Todo novo livro a gente começa do zero. E cada obra traz uma angústia diferente.

Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?

Sempre respondo que escrevo sobre as coisas que me incomodam. E eu preciso saber por que elas me incomodam, tanto externa como internamente. Nesse jogo, talvez o leitor se identifique. Então a leitora ideal, eu creio, sou eu mesma.

Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?

A vítima é sempre a minha esposa, a Viviane. Agora ela está meio cansada dessa função e terei de encontrar outra pessoa. De certa maneira, precisa ser alguém em quem eu confie, isto é, um leitor que não vai me elogiar ou depreciar levianamente. Vejo muitas pessoas elogiando livros que estão na moda mas são horríveis, com certeza, não lhes pedirei uma leitura. Mas fora isso, já passei da fase de ter vergonha, tenho mais de cinquenta anos.

Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?

Em algumas entrevistas comentei que essa decisão aconteceu muito cedo, ainda na adolescência, e naquela época ouvi os conselhos do gigante Marcos Rey. Ele foi muito generoso. Mas a decisão final mesmo foi tomada por volta dos quarenta anos, quando vi o tempo se estreitar como um funil. E quando chegou esse momento, eu já tinha vivido muita coisa e conhecia grande parte do que enfrentaria no mundo literário. Mas é claro, a gente sempre se surpreende.

Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?

Eu gostaria de ter sido influenciada por Clarice Lispector. Quando digo isso, talvez esteja querendo dizer que gostaria de escrever tão bem como ela. Também seria gostoso escrever como Paul Bowles, Patti Smith, Natália Ginzburg ou Proust, ou ainda, Flaubert. Mas voltando à realidade, não sei se desenvolvi um estilo próprio. Taí uma pergunta que eu deveria fazer a você, José Nunes, eu tenho estilo próprio? Com quem me pareço?

Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?

São vários, mas ficarei com O anjo silencioso, do Heinrich Boll, Em busca do tempo perdido, do Proust e todos, absolutamente todos da Alice Munro.

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    Sobre o editor

    José Nunes é editor da Colenda.

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