Paula Corrêa é escritora, autora de “Tudo o que mãe diz é sagrado” (2013).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo cedo, sou uma pessoa muito diurna. O café é o melhor amigo das manhãs. E notícias, sempre.
- Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Minha atividade profissional não é exatamente escrever. Até passa por isso, porque trabalho com a divulgação de eventos culturais, e prezo muito a escrita mesmo não sendo ela o foco da minha atividade principal. Tenho uma agência de comunicação, a Buriti Comunicação, e atendo clientes na área cultural, educação e bem-estar. Sempre tive como rotina o expediente de trabalho de agência, e mantenho isso com prazer e paixão. A escrita acontece nas bordas desse processo, madrugadas, intervalos e fins de semana.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como disse Milton Hatoum em uma recente coluna no Estadão, “ser poeta não é uma profissão, e sim um destino”. A minha disciplina é voltada ao trabalho e ao meu ganha-pão. Acredito que romancistas, roteiristas, cronistas tenham uma relação mais cotidiana da escrita, e que não é o meu caso, apesar de já ter escrito crônicas e contos. A poesia não entra na métrica comum da vida.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O processo de escrita é contínuo. A “pesquisa” é a vida, os acontecimentos, o dia a dia, as pessoas, as relações. No momento em que sento para escrever, há um caminho já burilado, o que não impede o retorno ao texto sempre para melhorá-lo. Mas prezo muito pelo momento da escrita, pela tensão e pela concisão que ele gera.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A poesia não aceita adiamentos. O momento dela é soberano e devo respeitá-lo. Adiar uma poesia é deixá-la se esvair. Depois entra o olhar crítico, a correção, revisão, releitura, tudo isso. A poesia é também um olhar para o mundo. A poesia te empresta esse olhar para o mundo. Então ela é o projeto mais longo mesmo, porque é infindável e vitalício! rs
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O meu primeiro livro In Vitro, de 2004, demorei 10 anos para sentir que tinha algum material em mãos. O segundo, o As calotas não me protegem do sol, de 2010, imprimi diversas versões, pendurei os textos num varal na minha casa para visualizá-los, espalhei todos eles pela casa, separei em capítulos ocultos. Revisei muito. E o último, Tudo o que mãe diz é sagrado, de 2013, revisei arduamente. Fiz a revisão justamente entre o Natal e o Ano Novo, com a cidade vazia, num momento de extrema reclusão e completa abnegação e entrega ao livro. Revisei ao ponto de gravá-lo inteiro lendo, ouvir diversas vezes, e reler em voz alta até ter certeza de que estava bom. E dou para alguns amigos lerem, sim. Bem poucos. Mas quando releio algumas coisas hoje, ainda acho mudanças para fazer. A última frase do meu primeiro livro é “E enfim, inesgota-se o buscamento”. A poesia, a vida, a busca, são inesgotáveis.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho diversos blocos e cadernos de anotações. Eu gosto de escrever à mão. O desenho da palavra é outro, e ele traz uma corporalidade e até uma ancestralidade da relação motora com a palavra que é diferente.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Elas vêm do mundo. Seja do encantamento por ele, ou da dor. Da tristeza de existir. Mas também da sozinhez, daquilo que é o não-dito, o inaudito, das curvas e frestas, onde se pescam entreolhares, do que é invisível a olho nu. E também da harmonia, da suposta perfeição, do amor, das belezas. E da música, a música me inspira muito.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Por ter estudado jornalismo, acredito que tenha me aproximado mais da prosa ao longo dos anos. Fiquei muito apaixonada pelos escritores do new journalism, e acho que soltei mais a mão nesse processo. Eu não diria nada para mim mesma, daria uma piscadela (rs).
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever sobre a maternidade, mas eu a vivo tão intensamente que não me restam muitas palavras para expressar o que está sendo este momento. Lembro quando li “Fúria”, do Salman Rushdie, e passei o livro inteiro com a mesma sensação do título. E entendi que fúria é criação. Foi uma experiência muito intensa e inesquecível. Queria encontrar novamente um livro que me levasse física e emocionalmente a um estado quase que alterado de consciência. Poderíamos abrir uma conversa nos comentários do post para os leitores indicarem esse tipo de livro. O que você acha?