Paula Autran é escritora, jornalista, doutora e mestre em artes pela ECA/USP.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Normalmente com meu filho Arthur, de oito anos, me acordando. A rotina matinal passa a ser, então, levantar, dar café da manhã para ele, arrumar a casa, cuidar das minhas duas gatas. Aí vem a tarefa da manhã de cada dia com ele: clube, terapia, jogar buraco com ele, ajudar na lição. Ou seja, rotina, rotina mesmo não tem, e escrever passa longe das manhãs, mas idealmente gosto de pensar, ler jornal e tomar café com calma, ouvindo música e depois sentar e escrever um pouco (rotina antes de ter filho…). Mas hoje é assim e curto bastante. As atividades mecânicas do dia a dia me são combustível para pensar. Lavar louça, lavar roupa, passar aspirador na casa, tudo me motiva a pensar e pensar me motiva a escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Mais do que em horas determinadas trabalho melhor em um clima definido, ou seja, em dias frios. O calor me atrapalha terrivelmente. Ando fantasiando morar em algum país nórdico, pena que as línguas por lá são tão complicadas. Mas assim que tiver grana e tempo quero conhecer a Dinamarca e a Noruega. Amo abrir a janela e ver o céu cinza, o vento frio, o céu encoberto. No mais, com filho, a gente espreme a escrita nas horas que dá. E sendo assim, todas as horas são uma maravilha!
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo quando dá, em horários espremidos, em frestas de tempos e de espaços. Se eu parar para pensar não faço ideia de como consegui terminar meu mestrado e meu doutorado. Engravidei no mestrado e tinha um filho pequeno no meu doutorado. Um dia ele chegou para mim e perguntou se eu gostava maia dele ou do doutorado. Passou esses quatro anos tentando entender o que aquilo significava. Então, tem períodos em que concentro tudo, como nas épocas de estudo, em outros fica tudo distendido, como agora. Mas na real, quando escrevo, desembesto, parece que alguém está morrendo. Digito rápido, preencho folhas e folhas em branco. O tempo urge por aqui e a escrita também.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando escrevo parece que vou morrer. É uma dor tão grande que me dá vertigem. Juro. Sem exagero. Não consigo começar. Levanto, como, sento, leio outra coisa, arrumo a casa, pago conta. Procrastino até o limite do desespero. Sempre assim. Fico com torcicolo. Ponho o laptop em todos os móveis da casa (ainda bem que meu apartamento é pequeno). Nunca sei porque faço isso. Dói e me enlouquece, mas a reescrita… ah! Essa é um prazer inenarrável. Recomendo sempre passar por essa tormenta inicial, depois vem o deleite. Amo ver aquele trabalho todo, ainda que confuso, e aí sigo surfando nas letras e nas ideias anteriormente arrancadas com fórceps de mim mesma.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sobre a primeira parte da questão acho que já respondi acima. Quanto às expectativas, acho que depois de um mestrado e de um doutorado, agora é só alegria. Não ligo mais para isso. Depois de nove livros lançados, dez peças encenadas e dois trabalhos acadêmicos, além de um canal no youtube, o que realmente me surpreende é quando alguém comenta algo que escrevi. Sinceramente já não espero nada de ninguém. Muito menos corresponder à alguma expectativa, nem de mim mesma. Agora, projetos longos está difícil para mim. Escrevo rápido, urgente e sigo em frente.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sou a louca da revisão. Mudo títulos, começos, meios e fins de poemas, de tudo. Fico olhando para meus textos e meus vídeos o dia todo. Quando publico uma poesia no facebook e instagram, por exemplo, primeiro escrevo, daí mando para o meu e-mail, porque sempre sinto que pode melhorar, mais tarde reescrevo, aí publico, aí fico lendo mil vezes, mudo mais coisas, penso nisso no trânsito e fico com vergonha de ter publicado, volto para casa e reescrevo. Olho de novo. É assim, um tormento eterno… Quanto a mostrar para alguém, quase nunca. Claro que o editor nos casos dos livros e dos textos jornalísticos e o orientador no caso dos textos acadêmicos olham antes, e acho que até por conta disso, nos demais textos (teatro, poesias, etc.) acabo fazendo sem ter que ter o olhar de mais ninguém. Aí vem o olhar dos leitores, atores, diretores, que são os mais bacanas e inesperados.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
À mão escrevo as aulas e anotações de textos que leio para os trabalhos acadêmicos e de jornalismo. Também tenho sempre à mão um lápis com os quais marco meus livros, mesmos os de ficção. Amo meus cadernos e minhas canetas. Escrevo até doer a mão. Mas os demais escritos, os de ficção, sempre escrevo no computador, mas minha relação com a internet é de mestre e aprendiz. Ela é a mestra e eu uma aluna esforçada, mas medíocre, queria ter mais facilidade para isso. Mas há algo em mim que falta. É a mesma coisa com localização. Não entendo mapas, me perco até em estação de metrô, mesmo como gps ligado. Não gosto de alças de acesso. Acho mesmo que quem se localiza bem no espaço, tem facilidade com tecnologia. Falho nos dois.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não faço ideia e, sinceramente, acho que ninguém faz. Ser criativo é uma espécie de tormento, de maldição mesmo, em uma sociedade produtivista como a nossa. Tudo me distrai e me interessa. Tudo pode ser uma pauta jornalística ou pode ser ideia para um texto, uma poesia, um conto, ou um vídeo. Todas as pessoas são entrevistáveis e todas as histórias podem virar material de pesquisa. Resgato bichos na rua, gosto dos ângulos inusitados que moram em todos os dias. Então, seu eu pudesse ter hábitos que me tornassem mais centrada e menos criativa, era esses que eu adotaria, mas aos 44 anos, já sei que não daria mesmo certo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou uma falta de foco e um desespero crescente. Eu diria: aproveita agora, escreve seus romances de fôlego, para de procrastinar e de ser tão crítica. Se diverte e escreva mais. Mas com toda a empáfia juvenil que tive até depois dos 30, não adiantaria nada, eu não ouviria nem a mim mesma… Não há o que voltar, a vida é sempre em frente.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto que ainda não comecei é meu romance que já tem até titulo: “Nessa cidade meu bairro é você”. Gosto dessa vibe meio brega, de romances cheios de excessos. Queria escrever algo de fôlego, bem contemporâneo sobre amores em São Paulo. Tenho tudo na cabeça, pena que tudo tem que sair de lá.
Dos livros que não existem gostaria de ler os livros novos dos autores que curto: Nick Hornby, Ian MacEwan, da Joyce Carol Oates, os policiais que me prendem e me fazem esquecer de tudo o mais: Tony Bellotto, Garcia Rosa, entre tantos outros. As poesias novas da Mariana Teixeira, da Ana Estaregui, da Lilian Aquino, da Ana Martins Marques. As peças novas do Mário Bortolotto. A minha urgência me leva a ler meus contemporâneos. Só fala que não há literatura boa hoje em dia quem não lê nada do que se escreve.