Paula Akkari é graduanda de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Perguntas como esta causam saudades de rotinas vividas antes de 2020.
Minhas manhãs são organizadas em função de trabalho ou aulas. Quando não tenho compromissos, começo o dia já em um horário de dois dígitos. Em ordem, como, checo mensagens no celular, leio o jornal, faço alguma atividade física e como novamente. Então escrevo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Quando podia trabalhar fora de casa, o fazia bem a qualquer hora. Era comum ir a bibliotecas/centros culturais e perder a hora de sair.
Hoje, prefiro a noite, as últimas horas da tarde e as primeiras da madrugada. É uma escolha motivada pela liberdade que o escuro e o silêncio propiciam.
Não tenho rituais para nada, como também quase nenhuma exigência. Basta um pouco de desejo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Há uns anos posso dizer que escrevo todos os dias. Mesmo naqueles em que decidi não o fazer, tomei alguma nota ou adicionei um comentário a algum texto.
Intercalam-se os momentos em que a escrita é frutífera com os em que os maiores ganhos estão nos estudos e nas leituras. Nenhum é, a priori, mais ou menos importante do que o outro.
Cumprir combinados e prazos é essencial para mim. Não considero isso uma meta, e sim um compromisso. Se traço algum objetivo outro, é relacionado a tempo ou concentração.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acontece escrever de uma vez; acontece escrever, parar e voltar àquilo meses depois.
Também descartar ideias ou oferecê-las a outras pessoas que poderiam fazer melhor proveito.
Mais fácil do que imaginar um texto é visualizá-lo ao ler notas compiladas. Acho descomplicado partir delas à escrita.
Não escrevo sobre o que não sei e escrever sobre o que domino não dispensa pesquisas. Mover-me delas para as minhas palavras é algo que só acontece quando estou segura e rigorosa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Superego, é você?
As travas e procrastinações não enfrento antes de procurar o que as causa. Já foi desprazer em casos em que não enxergava todos os sentidos do trabalho. Houve também evitação da possibilidade de me deparar com limitações ou produções detestáveis, nunca tão catastróficas como imaginadas.
Expectativas de quem? Não conheço situações em que as expectativas alheias são minha régua. Frustrar outrem não precisa ser muito dolorido.
Das minhas, investigo a função. Se for produzir culpa ou outro afeto estagnante, não me servem. Autocríticas embasadas são mais transformativas.
Costumo dividir trabalhos longos em etapas e traçar um cronograma que suporte imprevistos. Ansiedade não é um termo que descreve bem minha relação nestes casos, apesar de o imediatismo ser um defeito meu que tento minar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não acho que um texto fique pronto; apenas paramos de escrevê-lo. Reviso o quanto der, correndo o risco de fazê-lo menos do que poderia.
Já mostrei prosas quando queria dividir algo que não expressaria melhor outra forma. Menos infrequente é pedir opiniões e conselhos sobre um trabalho. Tenho quatro pessoas queridas a quem recorro nesses casos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Nasci bem depois da internet, pouco depois do primeiro smartphone. Minha relação com a tecnologia não encontra grandes dificuldades.
As primeiras ideias escrevo quando aparecem, seja em um caderno, um papel avulso, uma nota fiscal ou no grupo de WhatsApp só comigo. Quando não posso tomar notas, gravo um áudio ou falo para alguém, pedindo que me lembre depois.
Faço os rascunhos com mais forma no computador. Uso o Word. A maior vantagem de teclar é otimizar tempo, ganho que se sobrepõe aos de colecionar manuscritos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Ideias vêm do que encontro, converso, lembro, leio… Se o resultado de viver é “ser criativa”, é porque sou curiosa e atenta. O que cultivo é minha abertura a possibilidades inspirativas diversas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou a relação, o propósito, o sentimento, tudo… Lembro de uma Paula criança que escrevia poemas e contos. Se a encontrasse, sorriria, creio que até teceria um elogio. Se foi pertinente crescer quando aconteceu, por que não ser gentil comigo?
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O que ainda não existem são os próximos projetos que gostarei de fazer. Tudo em que penso está a caminho, ainda que em um rascunho que aguarda seu desenvolvimento.
Estou ocupada com os livros que também estão aqui. Há muito mais deles que os que poderei ler na vida. Nunca faltará o que fazer.