Patrícia Vasconcellos é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedinho, tomo café coado na hora, medito um pouco, jogo Tarot, escrevo, leio. Vou para o quintal, para o jardim. E só depois desse tempo/espaço de quietude é que me conecto com o mundo lá de fora, seja através da internet ou de forma real, resolvendo as questões do cotidiano. Alimento-me, primeiro, nessa bolha energética que crio.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Crio melhor pela manhã. Sento-me numa cadeira, coloco o material sobre a mesa. Não sem antes reverenciar os Quatro Elementos, ao acender velas, incensos no altar que tenho em casa. Escrevo, uso caderninho e caneta, a partir das coisas que observo, sinto, lembro. Às vezes só faço registros do que aconteceu ou reflito sobre algo que mexeu comigo, sobre uma leitura que me provocou. Em alguns momentos, escrevo a história. Quando canso, fecho tudo e volto ao mundo ordinário.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo quase todos os dias, em alguns sou Terapeuta, e não tenho uma meta de escrita diária. Vivo em ebulição e com uma necessidade imensa de criar, de livros a mesas postas cheias de detalhes que convocam à beleza – aprendi assim com Neruda. Meus textos são curtos. Não tenho paciência para ficar mergulhada por muito tempo em uma única história. Algumas das que já escrevi viraram livros para a infância. Mas não penso nisso no instante da criação. Há um tempo, durante um voo de avião, surgiram-me umas cinco histórias. Acontece assim comigo. Sem muitas amarras.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acredito que minha alma gesta a história. Junto uma sensação, uma lembrança, um sentimento e lá vai a mão escrevendo. Deixo fluir. Depois retomo, pesquiso mais sobre o que escrevi, aprofundo, retomo. Mas isso não é sempre. Não tenho uma metodologia, uma técnica. Escrevo para existir. Não sou uma escritora profissional. Li numa postagem do Facebook de uma amiga um texto e adorei. Compartilhei-o encantada. Recebi uma mensagem dessa amiga, bem assustada, dizendo “Esse texto é seu!!!!!!!!!!”. Morri de rir e comentei “Bem que achei a minha cara”. Depois que escrevo, desapego. Já parto para um novo ciclo de criação.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acolho sempre meu ritmo de criação. Permito-me inspirar-me ou recolher-me. Não tenho a intenção de atender às expectativas de outrem no que se refere ao que escrevo. Coloco no papel o que sou. Compartilho-me. Algumas pessoas irão se identificar e outras discordarão do que comunico. Simples assim. Caso não escreva, morro. Não é para as outras pessoas. É por mim. Nos meus momentos de dor imensa, socorreu-me a Literatura, a Arte. Então sigo Pessoa e Jung. Mergulho e ressurjo contando o que vivi.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso algumas vezes e mostro para algumas pessoas – as primeiras são meus filhos e meu marido. Quando sinto que uma história pode ter acolhida entre as crianças procuro os meus sobrinhos e escuto com muita seriedade as observações que fazem. Aprendo muito nesse processo. Há a parceria com ilustradores e diagramadores que provoca a coautoria da obra. Vivi uma experiência inusitada ao mostrar nosso primeiro livro ilustrado para Odilon. Adorou o livro mas sugeriu que eu retirasse a última frase. Quase surtei. Passei o curso inteiro brigando com ele. Concordei com a modificação ao compreender que aquela era a minha conclusão e que a pessoa que estaria lendo o livro poderia ter outra completamente diferente. Foi um parto lindo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no caderno com caneta. Só depois construo o texto no computador. Gosto da sensação da caneta deslizando na folha em branco, gosto de passar minha mão pela folha de papel e sentir sua textura, gosto do cheiro de caderno novo. Talvez a experiência me remeta à infância. E o louco disso é que tenho graduação em Ciência da Computação!!! Quando comecei a mexer com tecnologia não existiam microcomputadores e a internet ainda era um projeto nas universidades do mundo. Acompanhei a revolução tecnológica de dentro da história. Acelerei-me com ela. Hoje escolho o devagar e tento vibrar minha energia em conexão com os ciclos da Natureza.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias surgem do viver. Leio um livro, encontro alguém, tenho um experiência, contemplo a natureza, converso com crianças, tomo café com amigos, rodas em família. Às vezes vêm de sonhos ou da meditação. O engraçado é que há muitas ideias guardadas que ainda censuro para a transformação em palavras. Mantenho-me criativa em tudo que faço. Gosto de observar as pessoas, os animais, as pedras, as árvores, o mar, os rios e açudes – bato papos longos com todos eles. Adoro conversar com pessoas que vivem em contextos diferentes do meu. Vou a livrarias, lojas de disco, sebos, parques, praças, lojas de utensílios domésticos, lojas de tecidos, feiras livres – em todos esses locais vou passeando, observando e deixando que as coisas me toquem e me convoquem ao encontro. Cinema, teatro, museus, exposições, menos do que gostaria. O mágico de viver literatura é que você encontra pessoas incríveis e é uma delícia essa convivência. Uma tarde na cozinha de Valéria, com café e bolo, é algo da ordem do impagável e vale muito mais que qualquer curso de Doutorado em Escrita Criativa. Visitar livrarias infantis, vasculhar o acervo, conversar com livreiras também é uma fonte inesgotável de criatividade. Fiz isso na última viagem a Portugal e fiquei louca para abrir uma aqui, exatamente nos moldes das que encontrei por lá (Faz de Conto, Gatafunho, Baobá, O Bichinho do Conto – esta é no alto de uma montanha, com ovelhas pastando no quintal!!). Também me engajo em movimentos e atividades de promoção da leitura e da escrita e acredito que a força da união de todo mundo junto é bastante inspiradora. Participo do Mulherio das Letras, promovo a Festa da Palavra, edito livros pela Caleidoscópio e pela Maracajá Cartonera. Estimulo saraus, Sopa de Letras, Chá de Poesia. Participo de clubes literários. Onde tiver cheirinho de livro, faço-me presença.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Desde criança adoro ler e escrever. Livrarias e bibliotecas sempre foram meus locais preferidos. À época não compreendi que poderia ser artista da palavra. Enveredei por caminhos da matrix e fui fazer faculdade – Computação e Psicologia. Fiz mestrado, especializações. Enriqueci-me na racionalidade mas não alimentei a artista que me habitava. Só na maturidade resolvi tirar minha criança artista das grades e a libertei. Ainda tenho um longo caminho a percorrer para que possa ser quem sou de verdade. O que diria para minha criança? Comprometa-se.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Oxe! Tantos e tantos e tantos. Uma tuia. Comecei e parei um sobre o que sentem/pensam as mulheres aqui no chão que chamo de meu. Tenho um que está quase passando para o papel: Há tanto não dito em meu coração. Quem sabe?