Patrícia Montês é escritora e artista plástica, autora de “Felipo, o gato violinista”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina matinal é sempre corrida. Acordo bem cedo, levo o Sr. Duke para o passeio matinal, como uma fruta e saio para o trabalho corporativo. Durante o caminho, ouço música, leio notícias diversas, envio e respondo e-mails sobre os projetos literários, faço postagens no Instagram e Facebook, comento outras postagens e assisto a vídeos sobre literatura e educação, e leio alguns livros.
São algumas horas bem dinâmicas e no intervalo do almoço procuro aproveitar o tempo da mesma forma.
Durante os finais de semana a rotina muda um pouco. O passeio com o Sr. Duke é mais longo e o café da manhã menos corrido e entre um trabalho e outro, sempre pratico algum esporte. Meus preferidos são a patinação, bicicleta, windsurfe, stand up paddle e o paraquedismo.
Costumo dizer que para uma boa história acontecer não pode faltar emoção.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para fazer as primeiras anotações qualquer hora do dia é boa, até de madrugada. Sempre mantenho um bloco de notas na cabeceira da cama, porque de vez em quando tenho um insight na madrugada e preciso anotar para não perdê-lo e alguns insights são preciosos.
Para escrever, porém, o melhor horário é à noite. Tudo está mais calmo, eu mesma inclusive, e posso mergulhar nos textos, sem pressa, como se as horas ficassem suspensas por um tempo, enquanto mergulho na história e seus personagens.
Acredito que cada escritor tenha o seu ritual e isso é bem interessante. Para começar a escrever gosto da minha mesa organizada do meu jeito, alguns livros e dicionários à mão para consultas e um copo de água na mesinha ao lado, isso quando já vou digitar o texto no meu notebook. Mas se vou começar as primeiras anotações, sento-me confortavelmente à cama e mantenho um copo d´água na cabeceira. A cama tem que estar arrumada e utilizo um livro que gosto como apoio. E me entrego ao texto.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Ainda não escrevo todos os dias, pois me divido entre os projetos literários e um trabalho corporativo. Por isso, escrevo em períodos concentrados. Normalmente, faço as anotações durante o dia, no meu bloco de notas ou até mesmo no Whatsapp. E vou guardando aquelas anotações. À noite é o período mais produtivo para eu escrever, é mais silencioso e posso me dedicar por mais horas, sem interrupções. O prazer de escrever é tanto que muitas vezes atravesso a madrugada.
Minha meta atual é escrever toda semana, um pouco por noite. Para manter a prática e o exercício da escrita e também para saciar a vontade de escrever.
Pensar que somente a inspiração faz uma boa história é ledo engano. É preciso escrever e muito. Escrever, reescrever, ler, revisar. Um texto dificilmente está pronto de primeira, então é preciso muito papel e caneta e praticar a escrita para aperfeiçoá-la.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Normalmente meu processo começa com o “namoro”. Passo alguns dias pensando no texto que desejo escrever e me permito às mais diversas emoções até começar as primeiras anotações. Se o texto não requer muita pesquisa, das primeiras anotações já começo a desenvolvê-lo. Esse processo pode levar dias, semanas ou até meses, tudo depende do texto que estou escrevendo.
Durante o período em que estou trabalhando no texto, me envolvo completamente. E com os personagens, me divirto, choro, me alegro, me emociono muito. Ao passo que vou dando vida a eles também vou transferindo todas as minhas emoções conforme cada história. Converso com a história e com os personagens, porque depois que eles estiverem prontos para os leitores, precisam tocar seus corações. É como dizia Cora Coralina: “nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas”.
Às vezes é difícil começar um novo trabalho e quando isso acontece é angustiante. As ideias estão lá na minha cabeça e os sentimentos pulsando meu coração, mas estão travados, não fluem e isso é a pior coisa para um escritor ávido por escrever uma nova história. Então, é preciso dar um tempo, controlar a ansiedade até a coisa fluir.
Para qualquer texto que vou escrever, normalmente pesquiso bastante. Pesquisa a linguagem, as palavras, os personagens, leio artigos, matérias e outros livros. E dependendo do texto faço pesquisas mais específicas para me sentir confortável para escrever sobre aquele tema ou personagem. Após, vem o complemento deste processo que é filtrar e compilar as informações, e então começar o texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com o passar dos anos esses fantasmas foram desaparecendo. Tenho tanta vontade de escrever e tantos projetos a realizar que não há espaço pra nada disso.
Minha cabeça não pára e minha mão também não. Estou sempre criando um projeto novo, planejando algo para o futuro e faço diversas anotações nas minhas agendas. Talvez, o que me deixa mais ansiosa é que o dia tem apenas 24 horas. Por mim, poderia ter cinquenta, assim poderia produzir muito mais. Definitivamente não há espaço para o medo ou procrastinação. Mas se uma pontinha de insegurança surgir vou assim mesmo. O mais importante pra mim é o processo e o realizar.
Sou muito criteriosa, então o livro que chegar ao público terá qualidade. Isso me deixa tranquila, pois sei o que vou oferecer aos leitores.
E entendo que cada projeto tem seu tempo de maturação e momento para acontecer, então não “forço a barra”, deixo as coisas fluírem naturalmente. Faço um planejamento e se for o momento, vai acontecer.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso meus textos muitas vezes e este processo se torna bem cansativo, mas é necessário. Leio e reviso até eu sentir que o texto está mesmo pronto. Com alguns textos a coisa flui mais naturalmente, algumas revisões e voilà! Mas com outros, às vezes é preciso um certo distanciamento, para depois retornar ao texto para mais algumas revisões até que fique pronto.
Sempre mostro meus textos para algumas pessoas. Gosto de ouvir as sugestões, os comentários críticas e dúvidas. Afinal, eu escrevo para outras pessoas lerem e é muito importante ouvir a impressão que elas estão tendo daquele novo texto. Muitas vezes uma simples dica, pode mudar tudo e criar a conexão que faltava na história.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é muito boa. Ao longo dos anos aprendi que a tecnologia é verdadeira aliada dos profissionais. Ter um Ipad ou um notebook ajuda muito no processo da escrita, além de proporcionar acesso rápido às pesquisas de gramática, dicionários, livros etc., aos quais recorro habitualmente enquanto estou escrevendo, além é claro, dos livros e dicionários impressos que sempre estão na prateleira para meus estudos e consultas.
Sempre escrevo meus rascunhos à mão. Faço apontamentos, rabiscos, ligo uma linha à outra, é o início de tudo. Adoro sentir o papel, trocar as canetas e me permitir àquela explosão de ideias e sentimentos os quais lanço ao papel sem filtro. Depois da primeira catarse, abro meu notebook e começo a digitar o texto e aos poucos começo a lapidá-lo.
Mas sempre mantenho um bloco de notas na bolsa porque a inspiração e uma ideia podem surgir a qualquer momento e nos lugares mais inusitados. E quando o bloco de notas acaba, um guardanapo é tudo que preciso pra registrar aquela ideia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de várias fontes. Das memórias da infância e da juventude, as quais são muitas, pois foram períodos muito felizes e bem vividos. Da observação de pessoas e da natureza, que muitas vezes se transformam em personagens ricos de inspiração para uma boa história, dos livros e personagens que me tocam tão profundamente que me despertam a ideia para um novo texto. Além dos acontecimentos do cotidiano, que por mais simples que sejam, trazem tanta riqueza e me dão muitas ideias para novas histórias.
Sim, acredito que a criatividade pode ser estimulada, então, eu cultivo a boa relação com as pessoas, o velho e bom bate-papo, olhando nos olhos e tomando uma xícara de chocolate e ouvindo boa música. Pra mim, esta é uma das melhores formas de deixar fluir as ideias.
Faço a leitura de diversos autores para ampliar o conhecimento e ter boas referências, isso também ajuda bastante. Sempre estão na minha cabeceira Maria José Dupré, Monteiro Lobato, Cora Coralina, Clarice Lispector, Miriam Leitão, Milan Kundera, Irmãos Grimm, H. C. Andersen, E. Allan Poe e tantos outros clássicos e contemporâneos.
Habitualmente também participo de feiras e salões de livros para saber o que está acontecendo no meio literário, conhecer outros autores, conversar e trocar ideias. Outra coisa que aguça minha criatividade é enxergar a beleza que há por trás da simples aparência. Muitas vezes, só eu enxergo algo tão corriqueiro mas incrivelmente belo, e que se transforma em história.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muita coisa mudou ao longo dos anos e esse amadurecimento no meu processo de escrita foi incrível. Lá no início, há mais de vinte anos, era pura emoção. Tudo o que eu pensava e sentia eram lançados nos cadernos e blocos de forma intensa, sem filtro ou revisão, e muitas vezes eu considerava os textos finalizados.
Com o tempo, fui aprendendo a voltar ao texto, a revisar, reescrever, lapidar e até mesmo a jogar fora, o que é uma das coisas mais difíceis, porque às vezes nos apegamos tanto a um texto que não queremos descartá-lo, mas é preciso pra poder escrever algo bem melhor.
Hoje, me sinto muito bem quando começo um novo trabalho. Primeiro eu sinto a história, os personagens, o cenário, fico alguns dias namorando aquilo que quero escrever, e só então começo o texto. Mas se precisar jogar fora e começar tudo de novo, o faço sem dramas. Eu simplesmente recomeço.
Eu diria a mim mesma: faça tudo de novo, pois foi um excelente aprendizado!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tem vários projetos que eu quero fazer já para o próximo ano, dentre eles, um mestrado em literatura e publicar no Canadá. Tenho um texto pronto, escrito em francês e planejo encaixá-lo nos projetos de 2020. Outro projeto que desejo fazer é publicar uma coletânea de poemas da série Lembranças do Meu Quintal, que é muito representativo pra mim, pois relata diversas lembranças da minha infância na casa dos meus avós. No meu site publiquei cinco poemas, mas tenho vários outros para a coletânea. Penso em fazer este livro com gravuras coloridas para remeter à ideia dos contos de fadas.
É difícil pensar em um livro que eu gostaria de ler e que não existe. Gosto de tantos livros e de autores tão diferentes. Mas acredito que sejam os meus, aqueles textos que estão na gaveta e ainda não tomaram forma.
É um prazer imenso ver o trabalho pronto, completo. Texto, imagem, diagramação, formato. Tudo finalizado e lindo, com a qualidade que eu esperava. Sem dúvidas, são os meus livros que gostaria de ler, um a um, pensado como único e produzido com a mesma vontade e dedicação do primeiro.