Patrícia Francine Farias é jornalista e escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina matinal é dormir. Não acordo antes do meio dia. À tarde eu leio, pesquiso, saio à cata de material, mas também me reservo o direito ao lazer e ao dulce farniente. Sou muito indisciplinada e adio tudo até o deadline. Por mais desgastante que isso seja, e é, acho que eu só consigo trabalhar assim. Até porque sempre que sobra algum tempo eu acabo reescrevendo tudo de novo, sem nunca me dar por satisfeita. Não me adaptei ao ritmo exigido pelas redações, principalmente dos freelancers, que são sempre os que mais trabalham e que têm o menor reconhecimento. Ao mesmo tempo, não consigo ficar muito tempo no mesmo trampo. Quando vejo que a coisa está começando a ficar séria eu logo dou um jeito de arranjar outro projeto. Tudo para dizer que não, não tenho uma rotina, nem matinal, nem vespertina, nem noturna.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor de madrugada. Quando estou inspirada, vou até às cinque de la mattina, como dizia minha avó. Tanto o silêncio e a escuridão dos ermos quanto as luzes artificiais e o zumbido incessante da cidade grande me servem igualmente bem para encaixar as ideias recolhidas durante o dia. Não tenho nenhum ritual, apenas a mania de escrever completamente nua.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando sento para escrever, quero ir até o fim. Por mim, não levantava nem para ir ao banheiro. Esqueço completamente do mundo ao meu redor, absorvida pelo universo do discurso. Passo dias assim, depois posso esquecer do texto por meses, anos. Quanto a metas, depois que aceitei que sempre iria descumpri-las de qualquer forma, simplesmente deixei de estabelecê-las. Quando eu atingir a meta, eu dobro a meta.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Tenho sempre em mente a frase de Lincoln: “se eu tivesse seis horas para derrubar uma árvore, passaria as quatro primeiras afiando o machado”. Passo quase todo o meu tempo de trabalho pesquisando, coletando, organizando, bagunçando e reorganizando. Quando sinto que o tempo está no limite, apenas me sento na frente do computador e o texto flui. O curso de jornalismo me ensinou os macetes de escrever com clareza. O primeiro parágrafo é uma síntese do que vem pela frente. É só dizer quem fez o que, onde, quando, como e por quê. O resto é estilo. E depois do primeiro parágrafo, se o machado está bem afiado, os detalhes vão se encadeando quase que automaticamente.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Simplesmente não lido. Permito-me procrastinar até o último momento, porque já tomei consciência de que isso funciona melhor comigo. Quando me sinto travada, simplesmente deixo o projeto de lado, pelo tempo que for necessário. Quanto aos meus projetos de maior fôlego, dos quais ainda não publiquei nenhum, deixo-os engavetados por longos períodos antes de retomá-los. Porque não adianta insistir em reescrever enquanto eu não tiver amadurecido suficientemente minha técnica. E é por isso que não penso na autopublicação. Quero amadurecer os textos até que uma editora os julgue aptos para transmitir a mensagem ao grande público. Enquanto isso não acontece, prefiro ter a humildade de acreditar que não estão prontos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso quantas vezes der tempo, mas como sempre deixo tudo para a última hora, acabo revisando não mais que uma ou duas vezes. Quanto a mostrar para outras pessoas, bem, eu tenho submetido minhas tentativas literárias a várias editoras, e sei que é raro conseguir acesso por esse meio, mas não pretendo me autopublicar. Quero primeiro conseguir o aval de alguém da área. Enquanto isso não acontecer, prefiro pensar que o problema é comigo, e que tenho de melhorar. E não mostro para mais ninguém, porque já decidi que só vou fazer isso depois que conseguir aquele aval. Para mim, opinião de amigos não contam.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo diretamente no computador. Não vejo a menor razão para fazer anotações que mais tarde vou ter que digitar de qualquer forma. Por isso não me separo do meu laptop.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não sei até que ponto consigo ser suficientemente criativa, mas tento me despersonalizar para chegar na sensibilidade alheia. Einstein dizia que queria conhecer o pensamento de Deus; talvez eu queira a mesma coisa, mas o procure nos pensamentos das pessoas em vez de nas leis da física. Talvez eu tenha um grão de psicopatia, porque tenho enorme dificuldade de entender como as outras pessoas podem ser tão diferentes de mim, e é bem aí nesse gap cognitivo que eu procuro inspiração.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Se eu tivesse encontrado a resposta, eu não estaria tão perdida.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um romance que traduzisse a realidade mais crua que sempre escapa ao discurso, a história de cada frustração, cada raiva, cada angústia e também de cada pequena alegria que existe por trás de cada palavra, ao mesmo tempo em que contivesse a totalidade dos pensamentos e das experiências humanas. Esse é o que eu gostaria de ler, mas se me fosse possível eu gostaria de escrevê-lo também.