Pat Lau é poeta, autora de “Poema sem nome” (2011), “No ritmo das Agulhas” (2015) e “Poemas Bebes” (2016).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sempre em completo deslumbramento. Algo que se renova mesmo quando vou dormir muito cansada. E desanimada com tudo. As manhãs sempre me salvam. Adoro a manhã. Sei que tudo será possível de novo. Já escrevi muito sobre essas primeiras horas. Pra mim é sagrado. Meu café, meu pão que eu mesma preparo, minha rádio com pessoas inteligentes rasgando o mundo falando de literatura. Ouço uma rádio onde 90 por cento da programação fala sobre literatura. Esse silêncio de pessoas físicas me prepara. Me sento então, eu meu pão quente meu café pronto minha gata como termômetro do que se anuncia, nunca muito longe e começo a anotar tudo que penso sonhei e ouço. Fico assim ali quase uma hora, a casa ainda dormindo. No fim dessa hora tô pronta e antenada pra acolher o que se encarna.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Todas as horas. O lápis, e o papel nunca estão longe. Pode vir a qualquer momento. Ou se é um poema que estou trabalhando ou um livro, de manhã é a hora q prefiro. Me instalo na minha mesa. Minhas coisas por perto e me lanço por algumas horas. Ou não. Se a conexão não se faz, preparo esse ambiente de novo um outro momento. Eu trabalho em casa, então tudo é possível a toda a hora. O ritual se encaixa à respiração da casa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias. Já tive metas e penso q vou voltar a essa disciplina. Sou uma desorganizada organizada. Tenho já na cabeça: o começo o meio e fim. Vou anotando em horas diferentes de repente me sento e reúno tudo dando os cortes e a forma final. Posso fazer isso com o rádio ligado, enquanto falam comigo ou trabalhando. Esse desconforto e incomodo é quase um motor.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Já respondi um pouco na pergunta anterior. Não é difícil começar, não. Sempre deixo uma parte de inesperado no que eu já sei de cor ou se já está bem avançado, tudo pode recomeçar e de novo e de novo. O duro é colocar justamente um ponto final.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nenhum problema. Faço jardinagem e fotografo. E leio. Sem angústia nem tempo. Muito pra viver descobrir pensar escrever. sem fim. Nem ansiedade mais pra trabalhar em projetos longos, acho tudo uma grande sorte e privilégio, então não reclamo. Pelo contrário sou do tipo que absorve. O que aparentemente é uma procrastinação na verdade é armazenamento. E tempo muito rico. Às vezes, hoje reconheço melhor, quando esse tempo se prolonga e pinta a angústia é porque o que foi armazenado, que estava se preparando por dentro tá pronto e me avisa que tá na hora de sair. De esvaziar. De morrer um pouco, no papel, o que foi tempo de gestação e “vida”.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Trilhões e nunca acho que estão prontos. Tenho absoluta certeza estou convencida mesmo que existe um período onde depois de escritas as palavras as frases, o texto, enfim, precisam de um “tempo” pra essa chegada de lá de onde elas vieram até o papel. Esse tempo é só delas e dessa energia em volta delas. Se interferimos nesse processo, se abrimos a tampa antes da hora, se mostramos pra alguém, elas sofrem muito. E feridas perdem a força. O mistério. E se tornam apenas palavras umas ao lado das outras e não mais uma voz. Um grito. um canto ou uma arma. Tenho muito respeito por isso e desse jeito e nessa hora. A experiência e o tempo passado com elas me ensinou. Depois q eles “chegam” mostro sim, acho muito saudável a crítica mas só pra quem confio e respeito.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
O computador na época da invenção do blogue liberou muito a minha escrita. Tinha umas três caixas de papel com meus escritos e a tecnologia ajudou muito a dar ordem. Dali saiu meu primeiro livro. Hoje já virou uma segunda pele. Mas tenho meus caderninhos sagrados comigo, lotados de frases notas pensamentos e esboços. Só depois vão pro computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Da vida. Da indignação. Da necessidade de trazer a tona o q só poderá ser compreendido uma vez escrito. O que até eu só entenderei uma vez lido. O q permanecera. Dai a importância de escolher cada palavra, o corte e o silêncio que deverá se sentir também, na leitura.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O corte a concisão a precisão. A compreensão e a união. O que antes era uma paquera e um namoro se transformou em casamento. Eu diria para aquela menina q nunca deixou de escrever pra não se dispersar tanto, pra acreditar mais e profundamente no que ela sentia. Pra ler muito e mais. Pra não se preocupar com o peso ou a imagem das palavras mas somente em amar o corpo delas. Diria que tantas mortes era pra poder dar a vida na escrita. E que ela sabia. Eu diria. Diria sim.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um livro sobre as crianças baseado no que sei sobre elas através do olhar da pedagogia de Maria Montessori essa grande mulher italiana (1870/1952). Um livro sobre a força desses “pequenos homens”. como ela dizia, eu diria grandes “pessoas”, sobre a seriedade deles, a força deles, e a liberdade deles. E um romance sobre como podemos ser quem quisermos como quisermos onde quisermos. Uma mulher que da porta pra fora é apenas quem ela representa socialmente, mas q da porta pra dentro é livre como uma inocência reconquistada uma resistência; transformar o pequeno em maior. Ali onde tudo deveria ser de um tédio terrível o “cotidiano” as vezes imposto não escolhido, num espaço como no teatro onde a criança interior com a consciência do adulto é mestra! Onde nos reinventamos e nos criamos cada vez que abrimos os olhos cada vez que o dia nasce! de novo e de novo o novo! contar como lá fora onde tudo deveria ser liberdade e espaço e troca, e viagens e encontros, um monótono repetitivo de soldados saídos da escola formatados pra irem direto ao muro. círculo infernal de repetição bárbara e perversa da vaidade e da medíocre ambição de poder dos homens, num mundo onde as estruturas são patriarcais e onde ainda quando uma mulher ou uma criança gritam suas bocas são tapadas pela pesada mão de um homem.
Enfim escrever sobre a mulher. A mulher Os velhos e as crianças até meu último suspiro.