Paolo Ricci é professor do Departamento de Ciência Política da USP.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Costumo começar a trabalhar por volta das 8h, sempre em casa. Quando vou à universidade, normalmente é para fazer outras coisas, mas nunca para escrever. Ficar em casa, no escritório bagunçado (sine qua non de uma boa escrita) é para mim fundamental. Geralmente fico até 12h, quando a fome aperta, e de tarde volto a escrever por volta das 14h.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sempre de dia, nunca de noite. Escrevo até 18 ou 19h, no máximo. Depois disso não consigo mais! (risos) Ritual de preparação? Nenhum. Apenas alguns livros ao meu redor, muitos papéis para rascunhar e uma caneta preta. Sim, tem que ser preta senão não vai.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende muito do que estou escrevendo. Em geral tendo a escrever todos os dias, mas sobre temas e tópicos diferentes. Quando me concentro sobre algo é por estar terminando um trabalho e quero enviá-lo para publicação. Em geral, não me concentro sobre um artigo apenas, mas pego vários artigos em que estou trabalhando e mando bala. Isso é viável quando tenho temas correlatos que acho que podem render mais de um artigo. Isso me ajuda bastante, considerando que nem todos os artigos estão no mesmo estágio. Assim, tendo a intercalar artigos quase terminados com outros em estágio inicial ou, ainda, no mesmo dia trabalho no artigo para submeter à revista e em outro para uma conferência. Costumo não me impor uma meta diária, mas semanal.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Só começo a escrever o artigo depois de ter cumprido duas exigências. A primeira é uma revisão da bibliografia aprofundada. Saber o que os outros dizem é fundamental. Inclusive para não repetir coisas já escritas. Alias, se perceber que meu tema e minha abordagem ao problema já foi amplamente veiculada e o que quero dizer em nada acrescenta em termos de conhecimento eu nem escrevo o artigo. Desisto! (risos) Vivemos num ambiente acadêmico pressionados para publicar. Entretanto, muitos livros e artigos são de baixa qualidade e outros apenas afirmam o que já sabíamos. Falta maior ênfase e dedicação sobre tópicos e temas emergentes, com uso de métodos novos e abordagens inovadoras. A segunda exigência é ter elaborado um esquema de como será o artigo. Por esquema entendo uma estrutura lógica com começo meio e fim. Isso me ajuda a não me perder durante a escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
De forma tranquila, acho. Como disse, eu não escrevo o artigo em uma tacada só. Começo pelo meio, isto é, pela construção do argumento. Depois vem a parte empírica. Nunca começo pela introdução. Aliás, a introdução e as conclusões são escritas ao mesmo tempo e as deixo para o final. Creio que é dessa forma que o artigo fica mais redondo. Depois de ter um esboço do artigo esqueço dele por um tempinho. Pode ser duas semanas ou meses. Isso me ajuda me posicionar criticamente quando o retomar. Aprendi isso na graduação com um professor que dizia: “Deixe o artigo na gaveta por algum tempo e você verá coisas não percebidas quando o retomar em mãos”. Ele tinha razão!
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas vezes. Mas para além de engavetá-los eu os envio a meus colegas quando acho que estão decentes. A leitura de um colega ou alguém que lide com o tema da pesquisa é uma forma de avançar melhor na escrita. Alias, para mim esta é a melhor forma de receber sugestões e críticas. Melhor ainda do que participar de congressos cuja função, na verdade, é mais fazer network do que expor algum conteúdo substantivo da pesquisa.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Antes, à mão. Mas é um rascunho do argumento. Depois, sempre no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Ler, ler e ler. Não tem segredo. Um bom artigo parte do pressuposto de que conhecemos o que se escreve sobre o tema. Mas também assistir a conferências, palestras (inclusive na internet) me ajudam a entender melhor como outros pesquisadores abordaram o mesmo assunto.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Seguramente fiquei mais rápido na escrita. De certo isso se deve à segurança adquirida com o tempo. Agora, segurança não é fingir que outros autores não existem e por isso escrever sem citar ninguém. Se o argumento principal já foi esboçado me sinto no dever de citar o autor principal. Infelizmente não me parece que isso seja comum entre muitos acadêmicos, sobretudo no Brasil.
Voltar à escrita da tese? Diria assim: “demore menos e seja mais pragmático: escreva artigos”! Naquela época não se aprendia a escrever artigos e o discurso recaía sempre sobre a estrutura da tese. Quantos capítulos e o tal capítulo de revisão… ufa!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho inúmeros projetos em mente. O que está na mesa é uma análise comparativa das dinâmicas eleitorais antes da democracia. Quem sabe em um ou dois anos comece a escrever algo…
O livro que quero ler e ainda não existe é o meu! Faz cerca de três anos que está em elaboração. Está na hora de tirá-lo da gaveta e finalizá-lo!