Como eu escrevo

  • Arquivo

Como escreve Paola Santi Kremer

by

Paola Santi Kremer é poeta e mestranda em literatura na Universidad Nacional de Rosario (Argentina).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Não, no momento vivo de bicos então me é difícil estabelecer uma rotina.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Depende. Para a escrita acadêmica gosto de trabalhar sobre uma mesa limpa, em um espaço organizado. Para a escritura poética gero um espaço de ócio no tempo, leio poemas jogada no sofá ou em qualquer lugar. Sem falar de quando a poesia me pega por aí, a qualquer hora ou lugar.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

No momento não, prefiro a palavra ritmo à palavra disciplina e a busca do meu próprio ritmo é constante, seja para construir meus dias ou os meus poemas.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Tento primeiro organizar a informação coletada, estabeleço capítulos. Por enquanto minha única certeza é que ler é o melhor gatilho para a escritura, em qualquer um dos casos. Quando me travo volto à leitura. Adoro quando a pesquisa e a poesia se beijam, como em Luce Irigaray e tantxs outrxs autorxs.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

É a luta constante, contra o medo. Como não tenho bolsa de pesquisa, por um lado posso me relacionar com a investigação sem tanta pressão por prazos, por outro é muito mais difícil estabelecer um ritmo e marcar tempos de trabalho de investigação. Tento ter uma relação de disfrute com o estudo, não como algo urgente e temporário, mas vinculada ao desejo sempre que possível. Essa perspectiva tem seus problemas, demoro muito para finalizar trabalhos, mas tornou a minha vida mais prazerosa.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Reviso várias vezes. Mostro à pelo menos uma colega antes de enviá-lo. Igual sempre fico com a sensação de que não está finalizado, de que preciso de uma distância no tempo pra realmente ler com olhos frescos, sem estar imersa no processo, sem sentir que a leitura é como se olhar num espelho torto.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Graças a tecnologia chego a poetas e autoras maravilhosas. Primeiro escrevo à mão, geralmente. Depois de um tempo passo pro computador e é quando faço a primeira edição.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

Gosto de pensar no criar as condições do Waly Salomão e que o Hélio Oiticica conta em uma Héliotape. Criar as condições vai além do material, vai além do tempo e do espaço do quarto próprio (sem diminuir sua importância e muito dos privilégios que implicam todas essas condições). Tem a ver com criar uma condição existencial, uma forma de viver a vida, o mundo, de se vincular com todas as coisas.Os hábitos que eu cultivo para me manter criativa são os hábitos que eu cultivo pra estar viva, pra ser parte desse organismo vivo que é o universo, pra engolir matéria fecal de dor e cuspir potência de cometa e seguir o baile com cada vez mais malemolência e sabedoria.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Nada, abençoo meu caminho porque sei que sempre foi guiado por um desejo genuíno de ir buscando meus próprios centros e desenhar um mundo novo, justo e bonito. Depois da qualidade dos meus escritos é aquela coisa, às vezes a gente se sente vinculada à coisa, às vezes parece que não me pertence e que é uma feiura só, mas me vejo num começo, num começo divertido, assim que eu gosto de me ver, dá mais vontade de viver a vida e continuar brincando.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Tenho uma novela gráfica no freezer, agora estou armando um espetáculo com uma baixista e um marionetista e aí a ideia é experimentar com vozes, sons. A voz é uma coisa que me interessa muito na poesia escrita e falada, a voz é uma coisa muito louca. Tenho várias ideias nesse sentido, armar um festival intergalático de experimentação com voz e poesia. Uma das minhas maiores ambições é um dia escrever um poema muito longo que tenha um ritmo que te coma, que te faça dançar e tudo mais. Os livros que eu quero ler são os de todas as pessoas que foram silenciadas, tô louca pra ver a cara do mundo quando acabar esse capitalismo branco patriarcal, se o oceano não virar limonada, outras coisas enormes e mágicas vão acontecer.

* Entrevista publicada originalmente em 25 de janeiro de 2019, no comoeuescrevo.com (@comoeuescrevo).

Arquivado em: Entrevistas

Sobre o editor

José Nunes é editor da Colenda.

    Inscreva-se na newsletter para receber novidades por e-mail:

    caixa postal 2371 • cep 70842-970

    Como eu escrevo

    O como eu escrevo promove uma conversa compartilhada sobre o processo criativo de escritores e pesquisadores brasileiros.