Pablo Amaral Rebello é jornalista, roteirista e escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Particularmente, não sou ninguém antes de um bom banho, para afastar as teias do sono e começar a pensar como será o meu dia. Gosto de conferir e-mails e notícias pela manhã. Também considero um bom horário para pesquisar, estudar ou escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Tudo depende do tempo que tenho disponível, mas sinto que, para escrever, as primeiras horas da manhã ou tarde da noite são as mais propícias. Talvez por conta do silêncio, visto que, de noite, o mundo dorme enquanto pela manhã, todos ainda estão acordando.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não costumo estabelecer metas diárias nem escrevo todos os dias, mas acredito que tenho um método mais ou menos estabelecido. Gosto, por exemplo, de não parar de escrever antes da conclusão de uma determinada cena, tenha ela duas ou dez páginas. Muitas vezes, passo uma semana inteira para escrever um capítulo, retocando detalhes e reestruturando falas de personagens. Aprendi a ter paciência na hora de contar uma história, o que pode ser um desafio para quem quer chegar direto nas partes mais suculentas da trama, mas que melhora a fluência dos eventos e a credibilidade dos personagens.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu diria que meu processo é caótico. Normalmente, trabalho com vários projetos em desenvolvimento e dou atenção para aqueles que me parecem mais interessantes no momento. Gosto de deixar algumas ideias fermentarem no inconsciente, como foi o caso de Peixeira & Macumba, um faroeste sertanejo pós-apocalíptico que teve início como uma ideia que tive em 2015 de abrasileirar as histórias de espada e feitiçaria, mas que só coloquei no papel em 2018. Ao mesmo tempo, tem outras histórias que se desenvolvem de uma vez só. Foi o caso de Deserto dos Desejos, que começou como um conto, mas logo cresceu para se tornar uma novela, visto que apenas o primeiro terço da história deixava perguntas demais no ar e precisava de respostas mais concretas para chegar a uma conclusão palatável. Dizem que uma história só acaba quando o autor se cansa ou decide colocar um ponto final na trama. Acredito na veracidade dessas palavras. No entanto, o importante não é só saber onde parar. É preciso saber onde começar também. E como.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com paciência. Depois de publicar o primeiro livro e compreender as regras do jogo no mercado editorial, perdi a pressa de alcançar algum tipo fama e passei a me dedicar mais às histórias que desejo contar. O bom contador de histórias não apressa os personagens para que façam o que ele quer. O bom contador de histórias segue os passos de cada um deles, ao mesmo tempo em que presta atenção na paisagem e no rico universo que pretende apresentar aos seus leitores. Ao escrever um livro, faço que nem os pedreiros, assentando uma palavra por vez na branquidão da página vazia, formando parágrafos, diálogos, descrições e capítulos, dando forma para a história que tenho em mente. Sem pressa, sem atropelo. Um passo de cada vez.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Impossível dizer. Ao escrever, busco lapidar o meu texto o máximo possível. Posso passar dias burilando um único capítulo ou mesmo uma única cena. E sempre existe a chance de voltar atrás para melhorar alguma coisa ou introduzir alguma pista, que não me veio numa primeira passagem. Além disso, tem vezes em que é necessário reescrever a história inteira, de cabo a rabo, para fazer justiça à mesma.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não me prendo a um nem ao outro. Gosto de começar a escrever a mão, que exige uma concentração maior, uma vez que apagar as palavras colocadas no papel dá mais trabalho do que as digitadas no computador. Isso me ajuda a planejar melhor a estrutura das frases e perceber se a história me empolga ao ponto de querer embarcar na jornada daqueles personagens em particular. Afinal, é preciso comprometimento por parte do autor. Não consigo escrever se não me sinto conectado com os personagens e eventos apresentados.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A pergunta que não quer calar. Já pensei em escrever algumas histórias com esse tema. Os Lugares do Meio, meu primeiro livro impresso, nasceu numa noite insone da ideia de criar um personagem conectado com todas as linhas possíveis de histórias de terror, de lobisomens e vampiros a fazendeiros psicopatas e casas mal assombradas. Eis que surgiu o Guardião das Estradas, que me ajudou a cruzar estradas escuras e assustadoras nos quase oito anos que levei para contar sua história. Desafios também disparam minha imaginação. O buraco dos malditos, por exemplo, foi um conto que escrevi para a coletânea Dragões(Editora Draco/2013) em cima da imagem duma enorme serpente nadando nas águas cristalinas num lago subterrâneo que iluminou minha mente como um farol. Deserto dos Desejossurgiu de duas perguntas interconectadas: qual seria o desejo do homem que tem tudo e quais seriam as consequências de tal desejo? Peixeira & Macumbacomeçou como uma tradução bem brasileira do gênero Espada & Magia. E assim por diante. O negócio é deixar a imaginação correr solta. Ela trabalha de forma curiosa e, quanto menos amarras, melhor.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito que venho refinando o meu estilo. Antigamente, ficava muito preocupado em contar a história em seus mínimos detalhes e por vezes me perdia no labirinto criado com as palavras. Aos poucos, aprendi a focar minha atenção nos personagens e seus dramas, procurando apresentar o máximo de informações com a menor quantidade possível de palavras. Se pudesse aconselhar meu eu mais novo, diria para ele não ser tão afoito, embora provavelmente isso não fosse adiantar de nada. Eu era bem cabeça dura quando entrei para a literatura.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O próximo projeto sempre parecerá mais interessante do que aquele que desenvolvemos no momento. Ele terá a vez dele. No momento, estudo a possibilidade de escrever outra aventura de Peixeira & Macumba, concluir uma coletânea de contos de suspense e terror ambientados em capitais brasileiras ou trabalhar numa trilogia de fantasia urbana para lá de complexa. Para responder à sua segunda pergunta, gostaria de ler meus próximos livros, para descobrir até onde minha imaginação pode me levar.