Otto Leopoldo Winck é escritor, poeta, doutor e mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho. Até gostaria de ter, como Flaubert ou Thomas Mann, dois escritores que admiro. Acontece que sou indisciplinado e, num país periférico e numa época de emoções líquidas, raríssimos podem se dar ao luxo de ser escritor em tempo integral. Então, escrevo quando dá, nas janelas de meu horário (sou professor), nas férias, aos finais de semana… Mas, quando estou em processo de criação, escrevo muito, às vezes bem mais de 10 horas por dia. Já houve dia que escrevi ao longo de 20 horas. Também posso ficar meses, mais de ano, sem escrever nada. Ser escritor não significa escrever sempre (um jornalista, um blogueiro fazem isso). Ser escritor significa viver para a escrita, alimentar-se para a escrita, guardar-se para a escrita, ainda que o tempo dela demore ou seja escasso. Paul Valéry ficou 20 anos sem escrever. Wittgenstein (filósofo com alma de escritor) também. Cony também. Rimbaud calou-se aos 20. Só pra citar alguns exemplos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Creio que já respondi a essa questão. Mas, embora não goste, rendo mais à noite, madrugada adentro. (Não gosto porque escrever à noite te tira o sono, te deixa perturbado na hora em que, moído, você precisa repousar porque o sol já está dando as caras lá fora.) Não, não tenho ritual nenhum. Às vezes ponho música de fundo, jazz, música clássica. Só.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando escrevo prosa, escrevo todos os dias (salvo raras exceções). Poesia é diferente. Poesia vem, prosa você tem que buscar. Ou seja, quando estou escrevendo prosa (refiro-me à romances), preciso, na minha indisciplina, de toda disciplina do mundo. Poesia, não. De repente surge uma, quando estou caminhando ou num café. Aí anoto e trabalho em cima mais tarde.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Romance, no meu caso, exige pesquisa, às vezes muita. Posso passar meses ou até anos só na pesquisa. Isso, para mim, já é escrever, faz parte do processo, é quase tão importante quanto à escrita em si. Pro meu último romance, ainda inédito, li mais de 50 livros.
Começo, quando me sinto “maduro”, com a história quase pronta dentro de mim. É como uma gestação. Livros prematuros muitas vezes não vingam. É preciso deixar a história crescer dentro de você.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
É fogo. Procrastinação é o maior obstáculo do escritor. É uma luta diária contra ela, você perde muitas batalhas mas tem que vencer a guerra. Quanto à ansiedade, você tem que conviver com ela. Escrever um romance (e publicá-lo depois) é coisa pra anos. Vivemos num tempo de interação imediata, de cliques e curtidas imediatas. Mas literatura ainda está no tempo da longa duração. Se há literatura pós-moderna, sua produção ainda está na pré-modernidade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não há um número exato. Mas reviso muito. Primeiro, já escrevo reescrevendo. Cada página, cada capítulo, cada seção são reescritos inúmeras vezes. Depois, quando o livro está “pronto”, ainda o reescrevo algumas vezes. Em si, um livro nunca está pronto. Mas tem um ponto, que se você passar dele, o texto desgringola. Você tem que saber qual é este ponto e parar aí, ainda que sinta comichão para continuar reescrevendo.
Sim, é bom mostrar para uma pessoa ou outra. Mas sem ficar preso ao ponto de vista alheio. O melhor crítico é você mesmo. Você tem que confiar no seu taco.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Antes escrevia à mão. Jaboc foi todo escrito à mão. Seis vezes. Só a última versão, a sétima, foi no computador. Agora é tudo direto no computador, salvo um poema ou outro, que rascunho num bloquinho suas primeiras versões.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Vem das vivências, da memória, das leituras, dos teus demônios interiores… Caminhar é bom. Flanar. Sobretudo sem rumo fixo ou horário determinado. Nietzsche dizia que não confiava em nenhuma ideia que lhe vinha quando estava sentado.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com o tempo você ganha mais confiança em sua técnica, em sua escrita. Mas autoconfiança demais pode ser perigosa. Escrever é como viver: é saber correr riscos. É procurar riscos. Se eu pudesse dar um conselho para aquilo que eu fui aos 18 anos eu diria: cara, cai fora, vai fazer outra coisa da vida.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sempre quero escrever uma obra prima. Um livro definitivo. Aquele livro que, ao terminá-lo, um leitor sensível (ou leitora, as mulheres são melhores leitoras que os homens) diga: puta que o pariu, que petardo. Como não consigo, ou não consigo plenamente, tento de novo. Como Sísifo.