Otavio Linhares é escritor, autor de O Cão Mentecapto.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
gosto de me exercitar bem cedo com caminhadas e corridas ouvindo música. me ajuda a pensar no que estou escrevendo ao mesmo tempo em que observo e escuto as pessoas. muito do material que utilizo nos meus trabalhos vem da observação do mundo e de como as pessoas interagem com ele. não chega a ser uma rotina. faço isso duas ou três vezes por semana. quando fico em casa tento acordar e já sentar para escrever. algumas ideias vêm dos sonhos que tive e não gosto de perdê-las. então anoto tudo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
de manhã, logo que acordo. é a melhor hora para escrever. sinto um frescor pós-sono que é bom para os textos. gosto de escrever ouvindo música. tenho uma lista de músicas que me ajudam a dar ritmo à escrita. acho que existe uma grande conexão entre as palavras e as músicas. elas embalam e dão ritmo às frases como se fossem puxadas por essas melodias. para o romance que estou preparando tenho ouvido bastante debussy.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
publiquei uma novela e dois livros de contos. todos textos curtos. no processo desses três livros a escrita foi sempre concentrada e feita num tiro só. os textos começando e terminando naquele período que poderia ser de uma até quatro horas. não muito mais do que isso. depois era só lapidação. agora que estou escrevendo um romance tenho sentido a diferença de se trabalhar ideias mais estendidas por períodos de tempo mais longos. a forma narrativa ainda é a mesma mas sinto que a teia estrutural é outra. antes era como correr cem metros rasos e agora me vejo numa maratona. é diferente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
às vezes só sento e escrevo. deixo a coisa fluir naturalmente. pego um tema ou uma ideia que me é interessante e vou atrás dela. o começo às vezes é meio truncado e com o passar das páginas vai embalando. por isso na revisão muitas vezes acabo cortando o começo. ou senão trabalho anotações que vou fazendo durante os dias. tenho sempre à mão uma forma de anotar o que vejo ou o que penso. não jogo nada fora. anoto tudo. na hora de escrever naturalmente as coisas vão se selecionando e só fica no papel o que tem de ficar. existe sim dentro desse processo uma preguiça que tive de aprender a lidar. uma inércia que precisa ser rompida. por isso o começo nem sempre é bom. é o momento de se forçar a fazer a coisa até ela embalar. até ela começar a dar prazer. às vezes deixo as coisas mundanas (trabalho principalmente) tomarem conta e quando vejo passou uma semana e não produzi uma página sequer. aí tenho de sentar a bunda na cadeira e vamos lá! escreva alguma coisa! depois que embala aí vai sozinho.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
pois então. existe isso. e é bem foda. tenho dentro de mim um leão que briga pra que a coisa aconteça mas tenho também um boi que adora ficar sentado no pasto ao sol só observando (engordando). a inércia é minha maior inimiga. é igual carro velho: quando para não anda e quando anda não para. o negócio é aprender a lidar consigo mesmo. saber das suas qualidades e de seus defeitos e não ter medo de ambos. com relação às expectativas não tenho medo do que escrevo nem penso no que as pessoas vão achar. me guio por uma voz interna que lê e discute os textos comigo sem se preocupar com o mundo externo. primeiro tem de ficar perfeito pra mim. se vão gostar é outra história. depois de publicado gostaria que um número maior de pessoas se interessasse pelo que escrevo. mas no ato da escrita não penso nessas pessoas. se você ficar pensando nos outros enquanto escreve muito provavelmente seu cérebro vai fundir.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
bilhões e bilhões de vezes. fico alucinado revisando e lapidando até achar que ficou perfeito. só que nunca fica! (risos) só que tem uma hora que tem de parar, aí digo ok! vá lá! agora você é do mundo. senão a coisa não anda e você vai ficar patinando no texto e esse pode ser o pior erro de todos: ficar fazendo raridade de si mesmo. chega uma hora que tem de largar e partir pro próximo. o próximo é sempre melhor.
depois de pronto mostro pra duas ou três pessoas que vão ler inteiro e debater comigo os pontos fortes e fracos. aconteceu n’O Cão Mentecapto de eu tirar um conto inteiro por argumentação de um amigo. eu já sabia que ele não servia pro livro mas insisti mesmo assim. quando ele leu a primeira coisa que ele disse foi o que esse troço tá fazendo aqui? realmente eu precisava ouvir isso pra ter certeza. (risos)
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
não me importa muito o onde se escreve mas o que se escreve. escrevo em qualquer lugar. gosto mais da praticidade das coisas e do uso que posso fazer delas. agora tenho usado bastante o aplicativo de notas do celular. tô sempre com ele na mão então ficou mais fácil anotar ali mesmo. é mais rápido e eficaz. mas por muito tempo fui o cara do papel. até esses tempos tinha uma pilha de cadernos com anotações. era caderninho pra todo lado. um horror! não gosto de fazer da casa um museu. depois de pronto jogo tudo fora. gosto do livro pronto. não consigo ficar olhando praquele monte de papel que o originou. depois que limpo o escritório tenho uma sensação de frescor que é importante pra que novos trabalhos nasçam. fica tudo mais arejado e mais fácil e claro de ver. a vista fica desanuviada.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
de todo lugar. do mundo. das pessoas. de uma folha caindo. de um carro passando. do fogo queimando na fogueira. das minhas memórias. do que escuto. do que vejo. do que sinto. de tudo. eu também trabalho com teatro e foi o teatro que me ensinou que o melhor hábito do artista enquanto criador é observar o mundo. tá tudo aí. você só vai lá e pega e torna seu. e usa. faz uso das coisas. um uso artístico. bota pra fora. dá o seu ponto de vista sobre o mundo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
amadureci muito a proposta que iniciei quando ainda estava pensando em escrever o PANCRÁCIO (meu primeiro livro). queria colocar no papel algo que fosse original. que nunca tinha visto. dar voz a uma questão estética. queria que as pessoas sentissem ao ler meus textos a mesma ansiedade e melancolia e alegria que eu sentia ao escrevê-los. após a publicação dele a resposta foi bem positiva nesse sentido. eu havia conseguido imprimir uma velocidade frenética aos textos com a subtração das vírgulas e também trabalhando as frases de forma poética. só que o que eu estava escrevendo ainda não me satisfazia. o enredo. as histórias. o primeiro livro é forte poeticamente mas eu queria contar uma história. do meu jeito. com a minha forma e as minhas problematizações mas ainda assim queria contar uma história como outras pessoas haviam contado. não tava afim de recriar a roda. queria ver brilho nos olhos das pessoas quando lessem meus textos. foi aí que nasceu O Esculpidor de Nuvens. um livro de contos. histórias curtas que davam conta disso que estou falando. mas foi n’O Cão Mentecapto que a coisa de fato aconteceu e me permitiu partir pra outras áreas (o romance). n’O Cão acho que consegui dizer o que eu queria. sem dúvida é um trabalho que me deixou muito feliz e satisfeito.
não diria nada. se pudesse flutuar por cima de mim e me ver escrevendo dez anos atrás apenas pensaria “deixa o piá trabalhar! ele sabe o que tá fazendo”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
o próximo. sempre tenho vontade de terminar o que estou fazendo e começar o próximo.
morte e renascimento.
a guerra é a mãe de todas as coisas.
gosto de ler e ver coisas que me tirem do estado existencial presente. que me movimentem. arte é movimento.