Otavio Linhares é escritor, autor de “O Cão Mentecapto”.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
tenho uma torrefação de cafés especiais e trabalho efetivamente nela de segunda a sexta. minha rotina basicamente consiste em torrar cafés, vender cafés, fazer entregas e voltar pra casa. no meio disso vou encaixando o resto. teatro, cinema, literatura, e a nossa mais nova aquisição: a maria luíza que nasceu em agosto. meio que não sobra muito tempo mas a gente se organiza pra que todo mundo possa respirar e fazer o que gosta. tenho lido e escrito mais à noite agora, e nos intervalos durante o dia. vou fazendo anotações e escrevendo quando dá e aí nos fins de semana sento e arrumo tudo. tem funcionado. estou conseguindo trabalhar num romance desse jeito. talvez demore mais que o normal pra ser lançado, mas, no momento, é o único jeito. não sei se gosto de tudo acontecendo ao mesmo tempo, mas tudo sempre aconteceu assim na minha vida.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
não faço planos. vou fazendo e acontecendo. as coisas acontecem. quando tenho vontade de escrever, escrevo. se não tenho, não. tenho ideias o dia inteiro. uma atrás da outra. se fosse dar atenção a todas elas, não terminaria nenhum livro. mas às vezes tem umas que são boas, que eu penso, opa! acho que temos algo aqui! aí anoto e depois trabalho em cima pra ver se vira alguma coisa. às vezes vira. às vezes não e aí abandono. e nessa filtragem de ideias lá no fim tem-se um livro. acho que o mais difícil é sempre começar. depois que engrena e eu começo a sentir tesão no negócio, aí vai embora e no fim é só gozo, festa e alegria. terminar um livro é a coisa mais tesão do mundo. começar é foda. róla uma inércia fudida.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
mais ou menos. quando sobra um tempinho eu prego o pé e escrevo. porque assim, quando tô no processo de um livro novo, muito provavelmente eu vou estar com muito tesão naquele troço, então vou querer ficar mexendo nele até acabar, mas não tenho todo o tempo do mundo pra isso e aí é foda. queria ter mais tempo pra escrever mais e melhor, pra trabalhar mais a escrita. e aí tem sempre a maldita inércia pairando sobre minha cabeça. gosto de escrever no silêncio porque aí eu coloco alguma música, ou gosto da bagunça, da cacofonia. o que não dá é tentar se concentrar pra escrever quando tem um barulho apenas. aí não tem como. sentar num café com bastante gente conversando é gostoso, não vejo problemas. já escrevi muita coisa nesse ambiente. ou até em bares, cantinas de faculdade, enfim… mas ultimamente tenho preferido escrever no meu escritório, no computador, tomando um cafezinho, ouvindo a música que embala o livro. tem funcionado melhor.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
tem que escrever. o único jeito de destravar é escrevendo. é começar um negócio que dê tesão e pregar fogo nele. achar o tom, a cor, a musicalidade do texto, e acelerar. acho que pra tudo tem que ter tesão. se fizer meia bomba não adianta, vai ficar uma merda. e aí é melhor nem fazer. então, acho que tem que fazer pra destravar, mas, ao mesmo tempo, tem que fazer com tesão, pra não ficar paia. eu tenho uns lugares existenciais que me ajudam a retomar o prazer pelo fazimento da coisa. reler um livro, ouvir determinadas músicas, caminhar por certos lugares, encontrar e conversar com pessoas interessantes. por exemplo, tem um livro que eu sempre recorro a ele quando preciso acelerar a cabeça: trilogia suja de havana, do pedro juan gutiérrez. adoro o livro inteiro, mas o último capítulo tem uma energia que me puxa pra cima de novo. quando tô meio down com a escrita recorro a essas droguinhas.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
o último. o último é sempre o mais difícil e sempre o melhor. porque vai ficando sempre mais difícil se superar. a gente se gasta. e se gastando perdemos o interesse. quando eu sacar que tô deixando de ser interessante vou parar, fazer outra coisa. acho que trabalhar com plantas. esse ano vou lançar meu primeiro romance, cavalo de terra, pela editora moinhos. sem dúvida é meu melhor texto. tenho muito orgulho dele. mas vai passar porque eu já tô trabalhando num lance novo e daqui a pouco o novo é que vai ser melhor. e por aí vai até acabar.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
nunca escolhi tema. sempre fui fazendo o que dava na telha meio que por intuição. o cavalo de terra ainda tá nesse lugar intuitivo, histórico-emocional, biográfico, flertando com o imagético infanto-juvenil, que permeia todos os meus textos. nesse novo trabalho, não. começou com intuição mas tô tendo de trabalhar mais racionalmente determinadas coisas, por exemplo, uma questão que pra mim é muito cara no brasil: a propriedade privada. por enquanto é muito difícil falar sobre e nem sei como vai ficar, mas já venho sentindo isso. parece que algumas coisas amadureceram. acho que o frescor, o senso de humor irônico, sarcástico, isso vai perdurar, mas acho que as questões nos meus trabalhos estão levantando a cabeça e tirando os olhos do próprio umbigo.
sim. existe um povinho que fica na minha cabeça lendo enquanto eu escrevo e dizendo como as frases ficam melhor escritas e me mandando mudar determinadas partes do texto. eles têm a mania de ficar falando as palavras seguintes que eu vou escrever. eu escolho A e eles ficam, B é melhor, B é melhor, B é melhor. aí eu coloco B e realmente fica melhor, aí eles ficam não te disse! não te disse! não te disse!
é ruim mas é bom.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
quando tá pronto. nunca mostro antes. a olívia ♥ é sempre a primeira pessoa. depois tem meus amigos mais próximos que dão uns palpites antes da coisa ir pra adiante: leprê, francinha, diego, bia. geralmente pessoas que são muito íntimas e que manjam meu jeito e conhecem minha história e aí não precisa ficar explicando o porque das coisas. já vai direto no que importa.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
devia ter uns 15, 16 anos. escrevia umas letras de música, uns poemas. gostava deles. achava que podiam ir pra frente. o que faltou na época foi diálogo com pessoas que pensassem parecido pra que isso virasse estímulo. então meio que a coisa esfriou. quando conheci essa piazada que citei acima o sentimento de escrever voltou. a pior coisa pra alguém que tá começando é a vergonha. depois é a alta baixa-estima. se juntar essas duas coisas a pessoa não avança, não evolui. tem que ter diálogo, estímulo.
porra piá! que tesão! cê manda bem! isso aí já ajuda qualquer pessoa a querer mais. crianças e jovens precisam ser estimulados. adoro falar sobre literatura pra esse público. falar sobre escrita, sobre leitura, sobre processos textuais. eles se sentem mais valorizados, mais capazes de fazer as coisas. e não necessariamente na literatura. a gente precisa estimular as pessoas pra que elas se sintam mais capazes de fazer qualquer coisa. tem que mexer com a estima de cada um. jogar pra cima. confiar. depois a vida sabe mais. a vida é o melhor filtro. ninguém precisa de alguém dizendo que você não serve pro bagulho. é paia dizer isso. tá cheio de gente frustrada por aí querendo puxar teu tapete. então se possível estimule os mais jovens pra eles não se sentirem perdidos quando um mané chegar pra eles e dizer que eles não sabem o que tão fazendo.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
ser fiel ao seu daemon. ouvir a voz íntima que sussurra em nossas cabeças e aceita-la. o mais difícil é não fugir de si próprio, da exposição da sua intimidade. uma questão estética é sempre uma questão existencial. ser original significa encontrar a origem, mas a origem do que? eu acho que é a sua própria origem. a estética dos textos diz muito mais sobre quem escreveu do que propriamente o que a pessoa poderia dizer sobre ela mesma, mas desde que ela seja fiel à voz daemoníaca que sussurra na cabecinha dela.
acho que a grande influência da minha vida foi nietzsche.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
vai muito do momento, das leituras que eu tô fazendo e do que elas representam no momento presente. recentemente dei pra minha mãe o torto arado, do itamar vieira jr, e o cem anos de solidão, do garcía marquez.