Oscar Nestarez é autor de Poe & Lovecraft: um ensaio sobre o medo na literatura (Livrus, 2013), Sexorcista e outros relatos insólitos (Livrus, 2014), Horror adentro (Kazuá, 2016) e Bile negra (Empíreo, 2017).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim, tenho uma rotina, e preciso ser muito disciplinado para conseguir realizar os compromissos que incluo nela. Porque costumam ser vários: aulas no doutorado, produção literária, escrita de artigos, preparação de palestras e tarefas da empresa (tenho um pequeno negócio de marketing de conteúdo). Se eu não organizar tudo com cuidado, perco o controle num instante.
Por isso, durante a semana, costumo acordar cedo, por volta das sete da manhã. A minha sorte é que trabalho de casa – ou do escritório, que fica a quatro quarteirões dela. Então, invariavelmente, às sete e meia já estou trabalhando. A partir daí, escoltado por baldes de café, procuro “compartimentar” as tarefas diárias: trabalho cerca de uma ou duas horas em narrativas ou artigos literários, depois alterno para a escrita de textos para clientes (geralmente artigos para blogs, e-books etc). Vou virando esta chave ao longo do dia, tentando dar conta de todas as tarefas. Sigo assim até umas 18h ou 19h, geralmente. Às vezes, avanço noite adentro.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Meus melhores horários são a manhãzinha, antes de o expediente começar, e à tarde, logo após o almoço. Pela manhã, são muito bem-vindos o silêncio do WhatsApp e a quietude da caixa de e-mails: é quando consigo produzir mais intensamente, por uma ou duas horas ininterruptas. Após o almoço, a explicação é a endorfina que recebo ao treinar (faço exercícios neste horário), e sempre volto me sentindo um pouco heroico ao trabalho. Às vezes, as noites também são propícias – principalmente quando preciso aperfeiçoar alguma narrativa. É um momento em que, cumpridas as tarefas do dia, sinto-me livre para olhar com cuidado textos já escritos.
Quanto a rituais de preparação para a escrita: acho que não tenho nenhum, pelo menos nenhum consciente. A não ser passar garrafas térmicas de café – sempre uma pela manhã, e às vezes outra pela tarde. Isso conta como ritual?
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Por conta da minha empresa, passo, literalmente, os dias escrevendo. Às vezes, esse trabalho é mais volumoso e, por isso, há períodos em que me dedico menos à ficção literária – porque a prática da escrita, seja qual for seu destino, pode ser bastante cansativa.
Mas esses períodos costumam ser breves. Não duram mais do que um mês, após os quais já começo a escrever algo – seja um conto, uma novela ou um artigo crítico. Não estabeleci uma meta clara: mas, se fizesse um balanço dos últimos anos, diria que, dessa forma meio atabalhoada, venho produzindo cerca de 100 a 120 laudas anuais (de ficção que considero potencialmente publicável, seja no formato de contos ou de narrativas maiores – não considero aí textos de não-ficção).
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Ao contrário da minha rotina, meu processo de escrita é desorganizado. Uma aula magna do que “não se fazer”, eu diria. Não sigo método algum de estruturação – costumo escrever uma sinopse e deixá-la dormir por um bom tempo, no papel e na memória, para ver como se desenvolve, e só.
Explico essa bagunça: o meu processo é intensamente mental. O trabalho começa quando uma experiência me marca, quando sinto uma ideia despertando. E continua na apreciação íntima das possibilidades, na elaboração do enredo, na construção de personagens, na criação de cenas e até na formulação do texto. Tudo aqui dentro. Então, quando me sento para escrever, a ideia já se encontra em um estágio de desenvolvimento que considero satisfatório. E a escrita acaba fluindo com certa facilidade.
Mas isso não significa que tudo não possa mudar: como meu método inexiste, a pesquisa continua ocorrendo a todo momento, inclusive ao longo da redação de uma história. Estou sempre atento ao redor, então é perfeitamente possível que, comovido por algo que tenha testemunhado e que relacione a uma narrativa que esteja escrevendo, eu resolva mudar a rota durante o voo. Só espero que Edgar Allan Poe não esteja nos ouvindo!
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Aprendi a respeitar meu cérebro, a não forçá-lo além do que ele é capaz. Então, se coloco-o diante de um paredão que ele não consegue transpor em um dado momento, levo-o para fazer outra coisa.
Para mim, funciona bem escrever algo totalmente diferente daquilo que causou o bloqueio. Por exemplo, se emperro em um conto de horror, meto-me a escrever um artigo sobre metodologia de gestão ou sobre retenção de novos talentos (felizmente o trabalho de minha empresa me permite isso). Distraído por essa mudança, o cérebro, ao retomar a tarefa inicial, parece mais disposto a encontrar uma saída. Quanto à procrastinação, é uma negociação interna que faço: posso procrastinar nos trabalhos da empresa, mas jamais nos literários.
Já em relação ao medo de não corresponder às expectativas, costumo sofrer disso por antecipação. Quando recebo um convite para escrever algo, a adrenalina já sobe, a ansiedade vai junto. No entanto, minha sugestão é trabalhar, simplesmente. Quando me dedico a escrever, acesso aquele lugar da minha mente em que a história está se desenvolvendo já há algum tempo. E, uma vez lá, todo o resto – medo, ansiedade – fica de lado ou para trás. Acho que o segredo é acreditar na história. É ouvi-la, antes de ouvir o mundo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Costumo revisá-los inúmeras vezes, não sei ao certo quantas. Creio que boa parte dos escritores e das escritoras dirão que só terminam de editar quando o prazo que assumiram os obriga a isso. Comigo também é assim. Toda vez que abro o arquivo de um texto que considerei “pronto”, mexo em algo, nem que seja uma vírgula.
Nós estamos sempre mudando, e nossa percepção a respeito dos textos que escrevemos também. Por isso, nunca os considero definitivamente prontos. Meus dois primeiros livros, por exemplo (Poe & Lovecraft: um ensaio sobre o medo na literatura e Sexorcista e outros relatos insólitos): hoje, com relação ao enunciado, à forma, vejo-os como dolorosamente inacabados.
Para atenuar essa sensação, mostro, sim, os textos para outras pessoas. Os chamados “leitores beta“. Considero-me tremendamente sortudo por ter gente altamente qualificada disposta a ler as minhas narrativas. Elas são indispensáveis no meu processo de edição final.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Adoro a praticidade da tecnologia. Acho que, fora cartas e bilhetes (que às vezes ainda escrevo), nunca redigi à mão. Eu tinha uns onze anos quando escrevi uma primeira história longa, acho que uma novela, chamada Mondo Malditto (assim mesmo, num italiano tosco), e já o fiz no computador.
Hoje, uso e abuso da “nuvem”. Só trabalho no Google Drive, uma vez que o Docs facilita demais o acesso e a edição dos textos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Com o tempo, convenci-me de que as ideias vêm de todo lugar. Pode parecer uma resposta chavão, mas para mim é isso aí. O hábito que procuro cultivar é manter-me atento, sensível.
Para isso, precisei passar por uma desautomatização – a palavra não é bonita, eu sei, mas o processo até que foi. Aconteceu meio sem querer, quando fui demitido da agência de publicidade em que eu trabalhava, há cerca de cinco anos. No mesmo dia, vendi meu carro, e a partir de então passei a circular por São Paulo de bicicleta, ônibus, táxi etc. Foram duas rupturas: na rotina e na circulação pela cidade, que, até então, eram mecanizadas, repetitivas, previsíveis.
Na época, eu não tinha tanta consciência disso, mas foi como se eu despertasse. E minha percepção – minha relação – com a cidade e com as pessoas mudou profundamente. As ideias passaram a vir de todo lugar – do ônibus, da academia, de um show a que eu ia. Resultado: em um ano e meio, escrevi os contos de Horror adentro e o romance Bile negra.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Creio que, hoje, eu encare a escrita como trabalho, de fato. Antes, era, para mim, uma fuga, um refúgio, um desabafo. Ainda sinto isso ao escrever, mas encaro a tarefa com mais seriedade. Diria que, antes, julgava escrever só para mim mesmo – ainda que o cuidado que dedicasse aos textos indicasse que já pretendia mostrá-los ao mundo.
Hoje, percebendo que há gente interessada no que tenho para contar, fui me tornando consciente da responsabilidade que resulta disso. Assim, passei a encarar a escrita com o devido respeito – que, no fundo, é o respeito ao outro.
Sobre o que diria a mim mesmo… algo como “não precisa emular tanto o Lovecraft, o Poe ou o Barker! Você tem suas próprias palavras aí dentro, procure-as com mais cuidado para dizer o que pretende. Dê mais tempo aos seus textos; não seja tão afoito para publicá-los!”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho alguns projetos nesse sentido, mas acho que nenhum ainda está sólido o bastante para ser mencionado. Fiz um pacto comigo mesmo: neste e no próximo ano, dedicar-me ao doutorado. Então, dificilmente conseguirei me envolver na escrita de algo mais extenso. Mas tenho escrito diversos contos, o que me sossega (ainda que só um pouco).