Omar Ribeiro Thomaz é professor dos programas de Antropologia Social, de História e de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo, mas minhas manhãs são lentas. Aprecio umas quantas xícaras de café preto e longas conversas com o papagaio, enquanto fico a par das notícias do dia. No passado, assinava jornais; na atualidade, leio imprensa internacional porque, francamente, acho nossa imprensa um lixo. Nos dias não muito quentes, saio pela manhã para dar uma volta com meus companheiros caninos. Volto, tomo uma ducha e, por volta das 9h, não sem antes telefonar para minha mãe, começo a trabalhar. Leio mais do que escrevo e com muita frequência me vejo engolido por atividades que retardam a escrita cuidadosa que exige um texto… refiro-me aos mil e um relatórios, pareceres e formulários que perpetuam nossa eterna sensação de devedores.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho ao longo de todo o dia, dedico muitas horas à leitura, que costuma ser uma escapatória para atividades que considero enfadonhas, como os eterno relatórios. Dedico-me muito à leitura de textos de meus alunos, o que exige estar antenado com suas pesquisas e uma atividade eterna de intervenção em seus textos. Iniciar ou seguir num texto exige boas doses de café e de aparente inatividade.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Nunca fui capaz de estipular metas e, quando as estipulava, não cumpria. Não escrevo todos os dias, mas há períodos, que podem ser longos, entre meses e anos, nos quais me debruço sobre o mesmo texto. Sou muito lento na escrita, e posso estar dias em apenas uma página. No mais, interrompo a escrita inúmeras vezes para consultar anotações, cadernos de campo, artigos e livros. Gosto de escrever em minha casa, onde tenho minha biblioteca pessoal, mas adoro escrever em uma boa biblioteca e, neste sentido, os períodos de afastamento de atividades didáticas ou de campo são cruciais para a escrita. Lembro-me com saudades de períodos em que me perdi em bibliotecas na Europa ou nos Estados Unidos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O início costuma ser bastante penoso e, geralmente, escrevo uma síntese – entre parágrafos e itens – que dão uma primeira “cara” ao texto. Minhas atividades de escrita estão intimamente relacionadas com as da pesquisa, o que significa dizer que escrevo muito pouco ou quase nada nas redes sociais. Ou seja, raramente escrevo sobre questões imediatas, mas aprecio a leitura de textos de colegas que têm a façanha da inteligência imediata e são capazes de refletir sobre a conjuntura. O movimento da pesquisa à escrita se dá sobretudo num exercício sistemático de leitura de livros não necessariamente conectados diretamente com meu universo de pesquisa empírica. A leitura da bibliografia dos cursos combina-se com romances, monografias, memórias e depoimentos, sem os quais sou incapaz de dar início à tarefa criativa. Da mesma forma, a tentativa, paradoxalmente cada vez mais difícil, de realização de “estados da arte”, constitui um passo prévio fundamental à transformação do caderno de campo num texto mais encorpado.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Só vejo duas formas de lidar com as travas, com a ansiedade e com o medo: em minhas sessões de análise e expondo textos preliminares ao público especializado. Não vejo forma, assim, de superar as travas da escrita, que ressurgem constantemente. A escrita está associada com uma forma de exposição, o que implica em medo e ansiedade. A leitura, da qual é indissociável, é muito mais tranquilizadora. Certamente por isso leio infinitamente mais do que escrevo…
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Meus textos são revisados ad infinitum, e geralmente tem alguém de fora que grita um basta e me obriga a por um ponto final. Mostrar o texto para amigos e colegas é, para mim, crucial. Da mesma forma, leio muito artigos preliminares de amigos e colegas, algo que, a meu ver, está se perdendo como consequência das inúmeras obrigações a que todos somos submetidos. Alunos de mestrado e doutorado são excelentes leitores e, sempre que posso, submeto meu trabalho a sua avaliação.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é elementar. Uso o computador como uma máquina de escrever sofisticada e as anotações em cadernos são insubstituíveis ao longo da pesquisa. O caderno de campo combina textos escritos à mão no computador. A tecnologia auxilia a escrita sobretudo no que diz respeito ao acesso mais rápido à informação – dados, artigos em revistas especializadas etc.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não creio que tenha muitas ideias, creio que persigo umas poucas desde sempre. E elas estão diretamente associadas à leitura e à pesquisa de campo. Vejo as ideias mais como obsessões, e meus hábitos criativos estão ligados diretamente ao ato de ler e reler.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
O que mudou foi sobretudo o acesso à informação. Quando escrevi minha tese, não havia internet, e acumulávamos estantes de fotocópias de artigos e livros. Muitas vezes atormentávamos amigos que estavam longe para ter acesso ao xerox precioso de uma tese não publicada. Os cadernos com fichamentos escritos à mão também eram cruciais, algo que não temos na atualidade e que certamente mudou meu processo de escrita.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Fico satisfeito dando continuidade à leitura dos livros que já estão escritos. Há tantos que ainda não li! E tantos por reler! Sobre projetos, tenho uns quantos iniciados e que gostaria de concluir. Minha ambição é a de apoiar efetivamente as pesquisas de meus alunos que certamente farão trabalhos melhores do que os meus.