Odilon José Roble é filósofo e professor do Departamento de Educação Física e Humanidades da Faculdade de Educação Física da Unicamp.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha agenda é um tanto inconstante, com compromissos variados ao longo da semana, o que me impõe uma rotina heterogênea. Contudo, quando começo a trabalhar, tenho um certo protocolo de ações, quais sejam, examino quais são minhas tarefas para o período e verifico quanto tempo tenho. Feito isso, calculo frações de tempo para cada ação, pois percebi no passado que eu acabava imergindo na primeira tarefa e postergando as demais. Por este procedimento reservo tempo para minhas ações triviais (como responder e-mails ou questões administrativas da universidade), para escrever meus textos e, também, para estudar. Todos os dias eu estudo. Estou chamando de “estudar” o hábito de ler assuntos do meu núcleo de pesquisa e interesse, o que me gera notas a serem posteriormente utilizadas nos meus escritos. Por vezes, cada fração de tempo se mostra diminuta, mas acredito que ainda assim é melhor fracionar e caminhar com todas as demandas concomitantemente do que me sentir frequentemente defasado em alguma delas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Quando fiz doutorado eu trabalhava durante parte do dia e fazia as disciplinas em outra parte, o que me obrigou a escrever a tese à noite. Até hoje noto que sou mais criativo noite adentro, talvez uma memória deste tempo. Contudo, aprendi a trazer minha rotina para a jornada mais trivial, pois muitas vezes precisamos estar presentes no local de trabalho, dialogar com colegas, enfim, a solidão de nossa casa é produtiva, mas a realidade de quem escreve por profissão tem, por vezes, que levar em conta também estes contornos do chamado “contrato social” que estabelecemos na vida coletiva.
Quanto à preparação para a escrita eu tenho sim. A primeira coisa que faço é ler o material que separei para subsidiar minha escrita (de preferência tomando um café). Ele sempre me aquece para começar a escrever. Em seguida recorro às minhas notas e às “constelações” que organizo, recurso que explicarei melhor adiante.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como adiantei na primeira questão, prefiro escrever rotineiramente do que em períodos concentrados, ainda que, por vezes, alguma entrega de texto me obrigue a um esforço extra. Já com relação às metas, acho importante estabelecê-las e, como minha escrita se direciona, na maioria das vezes, para artigos de revistas ou capítulos de livro, há um número predefinido de palavras ou caracteres; é preciso organizar o conteúdo de modo a respeitar essas predefinições sem comprometer o argumento intencionado.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu me organizo bem em torno de alguns aplicativos, como falarei mais detalhadamente adiante. Não tenho dificuldades em começar ou de migrar minhas notas para o texto. Tenho a impressão que o texto vai se formando em minha cabeça, de modo que quando chega a hora de passá-lo para o papel é um processo natural. O texto é o corpo da ideia.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho exatamente estes problemas, ou eles me afetam pouco. Minha maior angústia é conciliar projetos distintos em uma mesma agenda. Há semanas em que tudo flui e o resultado é positivo, mas há outras em que o malabarismo entre as ações me traz a impressão de que não concretizei tudo o que queria. Reclamar do tempo, ou da falta dele, já é um clichê contemporâneo, então é melhor olhar para o que consigo e investir numa agenda positiva.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tudo isso depende muito do texto em questão e o seu propósito. Cada vez mais escrevemos coletivamente no ambiente universitário, expondo o texto a vários olhares e sucessivas revisões. Isso é bom! Compartilhar ideias e argumentos quase sempre resulta num texto mais bem elaborado.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho uma relação bem amigável. Não como uma espécie de fetiche pelo mundo tecnológico, mas como um suporte essencial para meu fluxo de trabalho. Reúno todo tipo de nota, artigos correlatos, reportagens e afins em um programa chamado Evernote. O ícone de elefante (aquele que nunca esquece) do aplicativo é ao mesmo tempo uma orientação para meu trabalho: “não esquecer as experiências que tive sobre o assunto”. Quando reúno material suficiente, eu faço uma constelação de conceitos, algo que, visualmente, se assemelha a um mind map. Para isso faço uso de um aplicativo versátil chamado Mind Node. Ele me permite ver a ideia do texto como um todo. Trabalho na perspectiva global, não linear, ou seja, em vez de focar meu esforço no primeiro setor do texto e só partir para o seguinte depois de esgotá-lo, prefiro escrever, de partida, o que penso sobre cada setor desde logo e ir “engordando” o texto a cada passo. Para isso, após a realização do Mind Map, eu migro o material para um programa de escrita chamado Scrivener. Nele estão todos os meus escritos separados por pastas que se comunicam, de modo que posso sempre intercambiar dados. Percebe-se assim que o Word é, para mim, apenas a etapa final, quando o texto já está conceitualmente pronto, apenas para formatação e compartilhamento. Esse fluxo de programas Evernote > Mind Note > Scrivener > Word permite um processamento e armazenamento dos meus escritos, ideias e anotações. Antes dessa opção me sentia em um trabalho de Sísifo, aquele personagem da mitologia grega condenado a rolar uma pedra até o alto de uma montanha, pedra esta que sempre caía, voltando ao pé do morro e exigindo de Sísifo o recomeço do esforço. Sem um armazenamento eficiente das minhas informações e um processamento sinérgico dos meus textos eu me sentia, sempre que iniciava um novo texto, como Sísifo, recomeçando todo o esforço e sem a herança dos trabalhos passados.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Sou da opinião que uma ideia é formada a partir de inúmeros e variados aportes, ou seja, quanto mais estímulos eu tiver, maior a chance de uma boa ideia nascer. Sendo assim, acho um erro ficar preso a leituras somente técnicas ou da minha área específica de pesquisa. Literatura, cinema, espetáculos, viagens ou mesmo um bom papo com uma pessoa inteligente, tudo isso é substrato para um texto interessante.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Como já comentei, acho que fiquei mais organizado. Eu tinha um certo preconceito com a organização, parecia, para mim, coisa de quem não tem talento. De fato, tem gente que se preocupa tanto com métodos e gerenciamentos que se esquece da necessidade básica de se ter criatividade e inteligência. Mas confiar demais no espontâneo também é um erro. A organização é um meio, não um fim. Mas hoje admito que é um meio importante, que dá melhores condições para a expressão das ideias.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever um livro inteiro em outra língua. O desafio não é só do idioma, mas de um raciocínio que não se limite à língua na qual fui alfabetizado. Gosto de pensar que isso amplia as fronteiras da inteligência. Não há livro que eu gostaria de ler que ainda não tenha sido escrito, ou melhor, há tantos já escritos que eu gostaria de ler que deixam essa ideia em segundo plano.