Nuno Ferreira Gonçalves é músico, teósofo, investigador e escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim, geralmente aproveito a manhã, desde bem cedo, para pesquisar, reflectir e escrever. Faço-o em jejum até determinada hora, a partir da qual ingiro apenas fruta. O almoço vem mais tarde, e a partir daí início as minhas actividades profissionais.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã, definitivamente! O jejum a que me referi na resposta anterior, acompanhado de prática meditativa, ajuda-me imenso a pensar e, subsequentemente, a escrever de forma clara e fluída.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo aproveitando dois factores: o tempo disponível e a inspiração. Se ambos se combinarem num só dia, passo esse mesmo dia a escrever. Todavia, não sou um romancista, pelo que o meu discurso literário vê-se inúmeras vezes interrompido por momentos de leitura e permanente consulta de documentos. Tento não escrever sob pressão e não me imponho metas de escrita diária, deixando o trabalho decorrer de forma natural e no seu devido tempo. Não me importo com a quantidade produtiva, mas sim com a qualidade e com o rigor.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não inicio um texto sem antes abrir uma série de documentos no computador e sobre a secretária, dependendo de se é digital ou física a natureza do material de consulta. Essa documentação já terá sido alvo de diversas leituras, acompanhadas das respectivas notas. Feito isso, é hora de começar a redacção. Por vezes é difícil passar do raciocínio para a escrita, ainda que fundamentalmente pelo meu perfeccionismo literário, por vezes um pouco obsessivo, e que tenho procurado contrariar nos últimos tempos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Procuro evitar a todo o custo esse tipo de tensões, antecipando-me ao problema. Faço-o declinando convites literários em fases de agenda sobrecarregada, ou iniciando as minhas redacções bastante tempo antes dos limites de entrega. O facto de não ser escritor profissional permite-me essa liberdade, mas, sinceramente, aplico o mais possível esse princípio às minhas actividades profissionais. Problemas com o sistema nervoso no passado ensinaram-me que a vida não é um constante sprint desenfreado rumo à meta, pois não é propriamente a meta que importa, mas sim a forma sábia como percorremos o caminho.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A minha obsessão pela perfeição conduz-me à releitura exaustiva dos textos que escrevo. Mas já foi pior. Quando se trata de redacções a publicar em livro, peço à minha esposa para ler as obras e ajudar-me a detectar gralhas literárias.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sinceramente, desabituei-me de manuscrever. Na esmagadora maioria das vezes, recorro desde início ao computador para rascunhar as ideias iniciais. Quando o faço à mão, é de forma muito sucinta e, geralmente, quando não tenho o computador por perto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Escrevo fundamentalmente ensaios e artigos na área da filosofia esotérica. As fontes a que recorro, sendo credenciadas nessa área de conhecimento, constituem o grande manancial de ideias que intento transpor para a minha escrita. Obviamente, faço as minhas próprias interpretações das teses em análise, sendo aí que surge o elemento criativo. A criatividade, nesta área literária em particular, é o produto de alguma intuição e clarividência. Ela é fruto da dedução, mas também da indução. Para que esses mecanismos se mantenham vivos na psique, há que recorrer a exercícios meditativos muito específicos, sem os quais o tipo de criatividade referida tende a obstruir-se.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou fundamentalmente, parece-me que para melhor, a coerência do discurso. Hoje valorizo mais a clareza, em detrimento da erudição estética do texto. Penso que nas minhas redacções iniciais tendi a sobrevalorizar o ritmo do discurso, quiçá por ser músico e compositor de formação. Hoje entendo melhor a utilidade da narrativa prosaica, e sou menos alvo de crítica por parte dos leitores, que imputavam ao meu estilo de escrita a total responsabilidade pela obscuridade de algumas passagens dos meus textos. Todavia, tendo a pensar que, voltando atrás, faria tudo da mesma maneira, pois penso que todas as experiências são válidas para o nosso crescimento.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Assalta-me a ideia de desenvolver um texto extenso em torno de cosmovisões comparadas. Seria uma obra de cosmogénese pormenorizada, não deixando escapar os mais relevantes pormenores teológicos, cosmológicos, mitológicos e filosóficos patentes nas diversas culturas da civilização, desde tempos imemoriais até aos dias de hoje. Seria obra! Quanto ao livro que gostaria de ler e que ainda não existe, seria aquele que não pode ser escrito em folhas de papel, mas cujas linhas subtis irradiam algures num não-espaço intemporal onde ecoa o Verbo da omnisapiência, em que Amor e Sabedoria se enlaçam como arquétipos de tudo o que de melhor se revela na criatividade humana.