Noélia Ribeiro é poeta.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Embora eu esteja aposentada, meu dia começa cedo. Levo minha filha de 17 anos ao colégio, vou à hidroginástica e passo aos afazeres de casa. Só produzo algo ou leio algum livro no final da manhã, pouco antes de buscá-la, caso não haja empecilho. À tarde, resolvo pendências bancárias, tomo café com algum amigo ou saio com minha filha. Início da noite, sobra um tempinho para voltar a ler, arquivar ideias que surgiram durante o dia ou terminar algum poema.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Ao anoitecer fico mais tranquila para trabalhar. Se me encontro sozinha em casa, posso começar a produzir a qualquer hora. Não sou rígida com meu trabalho literário, em razão das demandas diárias com filhos e casa. Falando em casa, há dois lugares que elegi para escrever: o escritório e a sala. Gosto do escritório para arquivar no computador poemas que considero prontos e escrever outros novos. Quando escolho a sala para trabalhar, digito meus poemas no Ipad. Aliás, prefiro guardar os poemas no Ipad até considerá-los concluídos. Gosto de preparar um café, sentar-me no sofá da sala e criar. Embora eu não tenha uma rotina, esforço-me por manter esse ritual de tomar café e anotar ideias novas. Se nada vier à mente, leio um bom livro ou pesquiso vocábulos interessantes no dicionário.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não estabeleço metas. Escrevo em períodos concentrados. Percebo que há uma relação próxima entre ler e escrever. Quanto mais leio mais escrevo. A rigor, se meu ritmo de leitura cair, meu ritmo de escrita também cairá. Não me desespero com os períodos de escassez, porque os considero pausas necessárias ao processo de criação. Nesses momentos, vale a pena dar uma olhada naqueles poemas incompletos que estão guardados. Poemas esquecidos surpreendem.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando começo a compor um poema, fico meio obsessiva. Há poemas que me arrebatam. No afã de concluí-los, abro mão até mesmo de compromissos importantes. No entanto, de nada adianta a pressa, porque o poema tem um tempo próprio, requer idas e vindas. Enquanto um poema amadurece, não raro, começo a escrever outro. Procuro palavras novas, versos sonoros, rimas interessantes. Lanço mão de dicionários, especialmente o de sinônimos e antônimos do Houaiss e o de rimas do Costa Lima. Pesquisar é essencial. Depois de pronto, passo o poema para o arquivo “próximo livro” no computador. Havendo um número razoável de poemas, começo a pensar no livro.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido bem com travas na escrita desde que não sejam muito longas. Um mês sem escrever nada me causa desconforto. Acho que todo escritor sente medo de não conseguir mais escrever. Ainda bem que não tenho ninguém me cobrando produção. Eu decido quando quero lançar um livro novo e negocio os prazos com a editora. Com a venda dos livros, recupero boa parte do que investi. Aconteceu assim com o Atarantada (Verbis, 2009), o Escalafobética (Vidráguas, 2015) e o Espevitada (Penalux, 2017). É comum sentir medo de não corresponder às expectativas ao concluir um livro, porém, no dia do lançamento, a ansiedade e o regozijo sobrepõem-se ao medo. Meus lançamentos são belos encontros entre amigos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso e mudo meus poemas inúmeras vezes. Pesquiso palavras mais sonoras, corrijo possíveis erros, leio os versos em voz alta e, vez por outra, mostro a um amigo. Ainda assim, depois de publicados, tenho vontade de proceder a pequenas mudanças. São poucos os poemas com os quais me considero plenamente satisfeita.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Gosto de escrever no Ipad. Se estou no carro, gravo no celular para passar para o Ipad depois. No escritório, costumo escrever à mão. Minha relação com a tecnologia é bem limitada. Sei o básico, e isso me basta. Caso haja necessidade de usar alguma ferramenta que desconheço, chamo meu filho para me ajudar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de muitos lugares, inclusive de lugares desconhecidos. Meus poemas partem de uma expressão, de uma palavra, de imagens, de sentimentos, de reflexões, de lembranças, de poemas que li, de meu contato com as pessoas. É algo misterioso. Para me manter criativa, alimento-me primordialmente de livros e da rua, onde encontro gente e arte: cinema, teatro, exposições, shows. Aliás, a música foi a primeira manifestação artística com a qual tive contato. Minha primeira criação, aos nove anos, foi uma canção, com letra e música. Há quem aponte forte influência da música em minha poesia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Tudo mudou. Minha poesia está mais encorpada, menos egocêntrica, mais madura; adquiriu um novo olhar, uma nova roupagem, sem afastar-se do humor e da melancolia próprios dela. Creio que todo poeta, ao longo do tempo, percebe essa mudança. Há poetas que se declaram envergonhados de suas primeiras publicações. Eu não tenho vergonha de meus primeiros versos, embora tenha absoluta convicção de que hoje minha poesia mudou para melhor. Reconheço falhas em meu primeiro livro, mas não me recusaria a editá-lo novamente. Apenas destacaria o ano em que os poemas foram escritos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de produzir um sarau aqui em Brasília, em que, além de recitar poemas autorais, escolheria um poeta conhecido para ser o homenageado da noite. Tenho muitos amigos que organizam saraus, mas eu nunca tomei a iniciativa de realizar o meu. Com relação à sua última pergunta, adoraria ler um livro inédito de poemas de Paulo Henriques Britto ou Ronaldo Costa Fernandes, por exemplo.