Nivaldo Tenório é escritor, autor de Dias de febre na cabeça.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo e, depois das coisas de praxe, um bom banho é essencial, preparo uma enorme xícara de café. O café não me faz bem, mas eu tento ignorar essa indisposição gástrica. Preciso de sua energia ou da rotina de prepará-lo, é algo como uma concentração antes do que me espera diante do computador. Não é sempre que ocupo a manhã inteira escrevendo, isso só acontece quando estou muito envolvido no processo de escrita do livro. Normalmente gasto as primeiras duas horas com leitura, não necessariamente material de pesquisa (do livro) mas leitura prazerosa. É sempre algum livro desses que ao longo da vida elegemos para nossa biblioteca pessoal.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã. Às vezes acontece de escrever em outros horários, mas gosto da manhã e do ritual (já descrito acima) que o antecede.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta de escrita diária. Deveria ter. Sempre há um intervalo entre um livro e outro. É quando mais me dedico à leitura, algo que continua me dando prazer. Conheço amigos (escritores) para quem a experiência da leitura, depois de muitos e muitos anos, perdera o encanto, o sabor. Sinto pena deles, deve ser muito triste perder algo tão alentador. Então, entre um livro e outro, me comprometo só com a leitura. O intervalo pode durar seis meses, às vezes mais, até de novo me sentir invadido por certa urgência em sentar e escrever. São idiossincrasias de um diletante que nunca precisou escrever para viver. Não recomendo o intervalo. Voltar é sempre doloroso, parece que de novo precisamos aprender, o esforço é tal que o suponho além das forças.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não escrevo aleatoriamente. Quando penso num conto, penso no conjunto de histórias e, portanto, num livro. Aprecio num livro de contos, entre outras coisas, sua unidade. Então anoto em algum lugar aquilo que quero para esse livro, os tipos de personagens, atmosferas, ambientes e tudo que fará do livro aquilo que ele necessita para existir. A ação narrativa que deve acontecer numa determinada hora do dia, se prevalece o claro ou escuro, se algum tipo de barulho, música ou ruído é recorrente etc, e de tais detalhes, cores e outras nuances vou construindo mais ou menos o mundo onde acontecerão as histórias. Foi assim com meu último livro, Ninguém detém a noite (confraria do vento, 2017) o universo onde situei as personagens nasceu primeiro e só depois as personagens e as histórias. Um livro de contos precisa ter corpo, o leitor precisa respirar sua atmosfera, ficar impregnado com seu cheiro e engendrar esse universo é de fato muito difícil no começo, mas depois prevalece o prazer de escrever.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Às vezes acho que fui eu que inventou a procrastinação. Oblómov sou eu, mas minha experiência de escritor é diferente de muita gente, como os jornalistas, por exemplo, que tiveram de escrever uma página por dia em nome da sobrevivência. Cada conto – como já percebeu Garcia Marques – exige o mesmo esforço de se começar um romance, quando o mais difícil – porque o resto é só o prazer de escrever – é pensar em tudo: estrutura, personagens, atmosferas etc. Um livro de contos – com o nível de exigências que me agrada – é um projeto de fôlego longo como qualquer romance. Passei cinco anos escrevendo o meu Dias de febre na cabeça (confraria do vento, 2015) e, é claro que tanto tempo gasto num livro, significa que o reescrevi várias vezes, que contos saíram e outros foram escritos, então é assim que lido com a procrastinação, metendo a cara e trabalhando obstinado. Durante o processo não encontro tempo para pensar em medo de não corresponder às expectativas. Se o fizesse, creio, os fantasmas sabotadores venceriam.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não só revisar, mas reescrever. Muitas e muitas vezes, sempre sofrendo a ideia de que não está pronto. Talvez nunca estarão. Mostrar para leitores, amigos fiéis e ao mesmo tempo pessoas a quem se confia e de quem se espera a opinião mais honesta é um privilégio e uma necessidade. Tais leituras se fazem essenciais durante o processo da escrita. Também é importante o desapego, acho patético escritores que amam contos ou poemas que escreveram quando eram muito jovens e se ligam a tais escritos – quase sempre péssimos – por atribuírem a eles algum valor sentimental. Quanto a mim, jogo fora páginas inteiras sem nenhum pudor.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevi meus primeiros trabalhos numa máquina de escrever, presente de minha mãe. Lamento que tenha perdido a máquina. Gostaria de tê-la guardado como lembrança daqueles primeiros passos. Não pelo saudosismo dos primeiros trabalhos, todos muito ruins, mas por minha mãe. Mas faz tanto tempo que escrevo no computador que domino o necessário para escrever.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Sinto-me angustiado com certas coisas inexoráveis como a morte, por exemplo. A angústia produz as ideias. Prefiro a literatura à filosofia quando o assunto é a sondagem do humano. Não sei se há um conjunto de hábitos que me mantém criativo, provavelmente há, sei sim que me encantam os livros. O mais é o espanto e a inquietação, o inconformismo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sempre me impressionaram os escritores que produziram suas melhores obras na juventude. Rimbaud me parece um milagre assim como Mozart, eles riem do meu esforço quixotesco. Eu precisei do tempo e a garantia da experiência que se ganha com ele. Aos 19 anos o poeta deixou de escrever. Já havia feito o suficiente para garantir-lhe a posteridade. Aos 48 eu acho que só acertei o passo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Olha, há tanta coisa ainda para se ler – e o que dizer dos livros que sinto necessidade de reler? – que nem penso no que ainda não foi escrito. Sobre isso, o melhor que posso fazer é tentar escrever o livro que ainda não foi escrito.