Nina Maria natural é poeta, escritora, lésbica, feminista e geminiana.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa por volta das 8/9 horas da manhã, costumo a ficar um bom tempo na cama refletindo sobre o que fazer ao decorrer do dia, antes e depois de dormir, eu meio que programo minha mente em relação às coisas que preciso fazer. Antes da quarentena minhas manhãs eram voltadas em arrumar a cama, fazer yoga, revisar alguma disciplina da minha graduação e, por fim, ir à universidade, onde eu passava a maioria do tempo voltando sempre à noite. Atualmente, na pandemia, eu não tenho uma rotina, apesar de que sempre estar buscando organizar minhas atividades, principalmente, a escrita e os estudos, depois de arrumar a casa, tento sempre reservar o horário das 10 ás 11 horas para ler e/ou escrever algo, a tarde concentro-me em leituras acadêmicas ou literárias, depende muito do meu humor, visto que tomo medicamentos ao longo do dia que ora deixa-me positivamente agitada para o lado da escrita, ora fragilizada, no sentido do corpo querer cama o dia todo, pois sou paciente de doença crônica e, para além disso, possuo depressão e, um transtorno ainda não identificado. Ainda assim, sobre a escrita, eu não possuo uma rotina, não que eu não pratique todos os dias, é que a escrita está para além de um simples e/ou esforço diário. É que quando eu escrevo, eu encaro mil e uma versões de um eu totalmente multifacetado e tento reunir palavras que possam resumir, exemplificar e dizer o que está preso aqui no meu íntimo. E mesmo a escrita, no meu caso, a poesia, também sendo um ato político, mesmo assim o meu íntimo se mistura com o externo e lá estão as palavras buscando sua própria voz.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu não sei se tenho um horário exato, como manhã, tarde ou noite, talvez eu seja um camaleão, gosto de me adaptar, tenho meus períodos de escrita cega e intensa, onde sento num dia só e escrevo 5 a 10 poemas e/ou poesias, e também tenho meus momentos de uma “escrita aqui e acolá” com poesias curtas e diretas. Às vezes passo a manhã com algo na mente para escrever e só coloco no papel pela tarde ou pela noite, ou o contrário acontece, não é que tudo seja aleatório ou confuso, eu deixo minha escrita livre, eu preciso dessa liberdade, trabalhar dentro de moldes me tortura, me sinto presa numa caixa de sapato, mas ainda assim, as vezes eu tento criar uma rotina leve só para não perder o rumo. Sobre rituais, confesso que me sinto uma bruxa, gosto de escrever em folhas de ofício ou em fundos de cadernos da folha de trás para frente, sempre acompanhada de lápis grandes com a ponta bem afiada, detesto usar canetas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Um pouco dos dois. Tanto um pouco todos os dias como em períodos concentrados eu me desafio a escrever sobre qualquer coisa e/ou sobre mim mesma. No dia a dia geralmente eu escrevo poesias curtas e precisas, onde mais tarde sempre tento dar um retoque ou deixar como está, tudo sempre depende do meu humor e de como aquilo que escrevo me afeta. Em períodos concentrados, geralmente, eu escrevo textos sobre o que sinto, o que está ao meu redor e/ou o que acontece no mundo, é uma forma mais politizada da minha parte. Sobre metas, eu tento não provocar minha ansiedade, cada pessoa tem seu tempo, uma capacidade, quando eu estabeleço metas, não que elas sejam sinônimos de quantidade e afins, sinto como se eu tivesse que produzir uma x quantidade de escritos para que seja considerada escritora e, para mim, a escrita não é isso e, caso seja, prefiro não ser chamada de escritora, deixe-me sem definição.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu ainda não sei definir como é meu processo de escrita, eu apenas sei que escrevo. No entanto, sei muito bem que preciso definir, determinar, e delinear meus caminhos e nortes. Eu vou escrevendo sobre diferentes coisas e guardando tudo, quando vejo, já tenho uma quantidade razoavelmente boa para um livro com temática múltipla. É que minha escrita é mais sobre como tudo me afeta e, geralmente, as coisas do dia a dia, do mundo a fora, as injustiças, lutas e movimentos estão interligados. E por falar em interligado, minhas leituras estão sempre conectadas com o que escrevo, principalmente quando leio livros acadêmicos do movimento negro, feminista e lésbico.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As vezes eu sinto que a procrastinação toma muita parte do meu tempo e transforma minha vida em tons cinzas, pálida e sem vida. Eu ainda tenho muito medo de não corresponder às expectativas em redes sociais, principalmente, o instagram, tenho vontade de organizar meu feed, transformar em um ig literário com dicas e informações sobre o mundo da leitura e da escrita, postar mais dos meus escritos, porém ainda tenho medo, não é um medo exatamente do que podem falar, mas é sobre não gostar, minha infância e adolescência foi permeada de muito bullying e racismo, e ainda é muito difícil para mim me desfazer de certos comentários, mesmo fazendo terapia e lutando contra isso. É porque a minha escrita, obviamente, está interligada com minha vida pessoal, sexualidade, nas coisas que acredito e luto, virtualmente é até mais fácil me colocar como escritora, mas fisicamente, no dia a dia, quando alguém me chama de escritora é bem assustador, porque um escritor é sempre aquela pessoa muito famosa – posso estar enganada – que já leu X quantidade de livros, sabe editar, fazer e falar isso e aquilo e eu sou muito simples, escrevo porque meu interior agoniza e porque o que eu vejo a minha volta ou me perturba ou me faz querer lutar, talvez seja por isso que eu não me considero tanto assim escritora profissional, talvez isso nem seja tão importante, é só um rótulo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Costumo a dizer que minha escrita é totalmente cega, pois eu escrevo e deixo lá, de canto, de molho por alguns dias até decidi fazer algo, seja modificar e/ou publicar. Eu leio, releio, deixando as palavras dançarem em minha cabeça, gosto muito de saborear a sonoridade delas e o impacto que as mesmas causam, até que por último sinto-nas prontas para voarem e tomar o mundo, as redes sociais. Mas é totalmente engraçado, pois antes de publicar ao mesmo tempo em que gosto de mostrar o que escrevi para outras pessoas, também sinto medo de não ser compreendida, ainda que eu tenha receio de mostrar, no fim, eu sei e compreendo que poesia nunca foi feita para ficar guardada, ao momento em que ela toca o papel, é totalmente livre.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
É um meio termo, um pouco dos dois. Ainda que eu seja uma poeta da geração 2000 meus primeiros rascunhos foram feitos à mão, especificamente, nas últimas folhas dos meus cadernos de escola, quando minha irmã adquiriu um notebook eu me arrisquei a escrever histórias, ainda sou muito resistente em escrever poesia no notebook, preciso sentir o papel, tocar o lápis, observar minhas letras dando vida às palavras, a poesia. No entanto, quando se trata de preservar, conservar e proteger meus escritos eu gosto de ter uma cópia tanto no notebook, como uma escrita.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Gosto de me inspirar em minha própria vivência, não é uma escrita egoísta onde só escrevo sobre mim, mas é como se ao escrever sobre mim, sobre minha perspectiva eu consigo, de certo modo, expandir os horizontes ao tal ponto que sempre acabo escrevendo sobre o outro. A observação e o sentir são primordiais para iniciar minha escrita, geralmente, eu gosto de encarar o papel por alguns minutos, fechar os olhos e deixar que as palavras cheguem em minha mente, é tudo muito intuitivo, quando leio vejo que escrevi ou sobre mim, ou sobre o outro, ou sobre os dois, tudo anda junto, não consigo dissociar. E para dar prosseguimento sempre com a minha escrita gosto de manter meus sentimentos sempre claros, assim como também, procuro estar informada sobre o que acontece no mundo, são dois hábitos que caminham juntos, pois eu sei que seja lá qual for o momento em que eu sente para escrever algo, qualquer coisa que seja, eu sempre vou conseguir dizer algo sobre o momento atual.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito muito que houve um amadurecimento, o que antes eram anseios e confissões de uma menina, hoje se perpetua como um grito de liberdade, empoderamento e resiliência, ainda que haja lamentações. Eu iniciei a escrita muito cedo, tanto que alguns escritos se perderam, olhando para o passado eu diria para a Nina de 10 e 15 anos para nunca desistir, persistir sempre em escrever o que seu coração, mente e guia desejam e que ela não está sozinha, pelo contrário, seu eu do futuro a espera para mostrar uma vida e uma escrita de mais maturidade e com muito amor, e que todos seus anseios e perguntas, serão respondidos e esclarecidos no seu devido tempo, paciência e sabedoria é a chave, pois tem um mundo de descobertas te esperando.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de escrever um romance autobiográfico, na verdade, eu já estou escrevendo, é sobre duas garotas que se conhecem pela internet e a partir disso acontece uma série de coisas até que elas se encontrem, isto é, se elas realmente irão se encontrar, eu gosto de deixar esse ar misterioso nas coisas que escrevo, sem enrolar muito, mas confesso que é bem estranho sair do campo poético e adentrar nos mares da prosa. Também quero escrever uma série de contos poéticos-filosóficos, eu só preciso conciliar meu tempo de faculdade, vencer a depressão, pois ela me faz ficar horas na cama, e por fim, vencer meu eu que possui medo de se mostrar, acredito que a partir disso consquistarei muita coisa.