Ney Anderson é jornalista, editor do projeto angústia criadora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Quase sempre eu retomo a leitura que estava fazendo no dia anterior. Fazendo observações no próprio texto. Detalhes que passaram despercebidos. Mas não existe, necessariamente, uma rotina matinal.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Quando vou escrever resenhas, prefiro no horário da manhã. Ficção, no horário noturno. Mantenho essa rotina para não misturar ideias e objetivos. As resenhas são textos jornalísticos que têm uma forma totalmente diferente da ficção. Os dois trabalhos, no entanto, têm algo em comum, que é a leitura atenta e constante de variados livros e autores, nacionais e estrangeiros.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo um pouco todos os dias, mas não tenho meta de escrita diária. Mas também tem períodos que eu fico mais focado no trabalho, atravessando longas horas. Sobretudo, quando tem alguma questão mal resolvida no texto e que não pode ficar para depois. Uma cena que não deu certo, um diálogo que soou superficial ou a ideia geral do conto que ficou confusa. Nesses casos o meu esforço é concentrado até atingir o ponto, digamos, quase ideal.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu não faço pesquisas para escrever. Sempre parto de uma ideia, que vai crescendo e tomando forma. As anotações são feitas à exaustão, porque muitos detalhes surgem no dia-a-dia, no caminho do trabalho, nas conversas com amigos. Enfim, as ideias aparecem a qualquer momento.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Essa é uma pergunta interessante. Eu lido com as possíveis travas lendo bastante. Na maioria das vezes a dúvida (a trava) é de como prosseguir determinada história. Mas não dura muito tempo. Já a procrastinação é uma realidade constante, principalmente com a rotina das outras coisas que precisam ser feitas diariamente. Tudo parece conspirar contra a literatura. Raimundo Carrero já disse uma vez que escritor não tem tempo. Ele faz o tempo. Ou seja, mesmo quando parece que não sobra tempo para escrever, é aí que entra a determinação para continuar produzindo. Tenho alguns contos publicados em antologias, mas dezenas de outros que estão apenas no computador, que exigiram o mesmo esforço. Eu não sei se um dia eles serão publicados. Muitos deles, inclusive, têm o caráter de exercícios. O fato é que escrever ficção pede empenho, dedicação e, acima de tudo, abnegação. Além do amor pela arte. Nesse exato momento estou na fase final do meu primeiro livro, que ainda vai levar uns dois meses para a conclusão. Não está sendo fácil terminar, porque existe uma linha que une todos os contos. Por conta disso estou tomando bastante cuidado para não ficar confuso. Embora os contos sejam independentes, um pequeno fio dramático passa por todos eles.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Releio e reviso muitas e muitas vezes. Essa é a parte mais cansativa da escrita. Como estou concluindo o meu primeiro livro, a atenção está sendo redobrada. Envio o meu trabalho para algumas pessoas. Tanto para amigos escritores, quanto para leitores comuns, que estão preocupados somente em ler um bom texto de ficção. O retorno é sempre positivo, de ambas as partes. É importante testar o trabalho antes da publicação. Esses primeiros leitores são essenciais. É incrível como eles percebem coisas que não percebo, mesmo depois de tantas releituras. É curioso observar as variadas visões que os leitores têm sobre o mesmo trabalho já numa fase inicial, no processo de conclusão.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A tecnologia é bastante útil para mim. Mas eu utilizo tudo o que posso para não perder uma ideia que surge de repente. Além de andar sempre com um pequeno caderninho e uma caneta, tenho um aplicativo de anotações no celular e também faço gravações em áudios quando não posso anotar. Mando tudo por e-mail para não correr o risco de perder nada. Depois, no computador, tento dar forma às anotações e coloco em pastas específicas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Como estou na fase de conclusão do livro (ainda não posso dizer o título) todas as ideias estão convergindo para esse trabalho. Elas (as ideias) vêm de qualquer lugar. Seja ouvindo uma música, na conversa com alguém, assistindo a um filme, andando pela cidade, através de uma foto etc. Eu noto que a minha visão quase sempre é voltada para as cenas comuns do cotidiano, aparentemente triviais, mas carregadas de significados, que podem servir de base para a minha ficção. Uma vez eu vi um padre caminhando vagarosamente até a igreja onde ele talvez realizasse as missas. Pouco tempo depois li numa matéria uma investigação da igreja católica de sacerdotes que estavam frequentando boates gays. Juntei as duas coisas e escrevi um conto, que foi até selecionado num concurso nacional. O maior hábito que um escritor pode ter é a capacidade de visão do pequeno-grande mundo ao seu redor. É importante ressaltar o seguinte. Muita gente acredita na chamada “inspiração”. Isso é conversa fiada de escritor que quer se passar por especial e diferente do resto da população. Eu substituo simplesmente inspiração por ideia, como você citou. As ideias surgem, mas só se tornam ficção depois de um longo trabalho.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Eu ainda estou na fase de amadurecimento. No entanto, antes eu fazia qualquer coisa para não ficar sem escrever, num impulso meio louco. Isso foi importantíssimo bem lá no início da minha vida, claro. Hoje não é assim. Anoto bastante para poder chegar no texto com um desenho claro do que eu quero fazer. Agora, uma coisa no processo é bastante curiosa. Os textos, na maioria das vezes, vão por outro lugar completamente diferente da proposta inicial. Como eu disse logo acima, procuro sempre fazer anotações de ideias, frases soltas, diálogos curiosos que escuto por aí. Quer dizer, esse é um ponto central do meu processo criativo. O meu olhar está muito mais aguçado hoje em dia. Se eu pudesse voltar no tempo diria para mim mesmo algo assim: faça da maneira que você quiser. Continue no seu ritmo, lendo, estudando e escrevendo, escrevendo, escrevendo. Testando e tentando novas possibilidades. Ou seja, eu não queria mudar absolutamente nada, porque literatura leva tempo. Tenho certeza que vou entregar um bom livro aos leitores em potencial da minha ficção.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Penso em escrever também para crianças. Quero um dia poder trabalhar com os extremos. Ficção para crianças e adultos. Pretendo realizar esse desejo antes da minha filha Valentina crescer. Quero que ela seja a minha primeira leitora infantil. O foco agora é tentar produzir bons contos (que é uma arte por si só) para só depois tentar ficção infantil. O livro que eu gostaria de ler e ele ainda não existe? Estou tentando concluí-lo nesse momento. (risos)