Neusa Demartini é jornalista, escritora e professora aposentada da UFRGS e PUCRS.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Durmo tarde e acordo cedo. Tomo uma xícara de café puro e leio os jornais online. Sou de formação Jornalista, aposentada como Professora de Comunicação da UFRGS e da PUCRS. Tenho uma vida muito ativa. Viajo, escrevo livros e artigos científicos sobre Comunicação Política, área em que me doutorei, em Madrid. Cansei do texto acadêmico e parti para a narrativa longa de ficção. Lancei meu primeiro livro para adultos (tenho dois infantis) ano passado, na Feira do Livro de Porto Alegre: Vozes da Ancestralidade. Já tive duas indicações para o Prêmio Açorianos, no RS.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto de escrever do fim da tarde para a noite. É meu período fértil, criativo. Pela manhã fico mais nas pesquisas necessárias para ambientar a história, a época, os aspectos culturais (agora estou escrevendo uma novela onde um dos personagens é parecido com uma cantora de ópera wagneriana). Escuto Wagner, bem alto, leio libretos de suas óperas, me envolvo no clima, pesquiso nomes de personagens etc.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu sou totalmente anárquica. Depende do dia escrevo muito, pouco ou nada. Passo dias e até meses sem escrever. Meu processo criativo demora muito na fase da incubação, aquela puramente mental.
Nunca consegui ter uma meta. Precisaria me disciplinar, mas aos 72 anos, se isto não aconteceu, não acontecerá mais!
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar?
Começa quando me dou conta que tenho um fato quase real que me provoca a fazer alguma coisa com ele. Sabe, sou jornalista, e nós trabalhamos com um fato, aquilo que é notícia, como por exemplo, um estupro que aconteceu em Madrid. Aconteceu. Li no jornal ou vi na TV. Mas aquilo é só um recorte. Tem uma história antes e uma história depois. E aí, eu embarco na minha imaginação, procurando criar personagens que convivem em um determinado espaço e tempo. Sem me preocupar com a verossimilhança.
Gosto de literatura latina americana, que usa muito o realismo fantástico. São histórias paralelas, umas coerentes e outras imaginárias e fantásticas. No Brasil lidamos com várias realidades paralelas: somos católicos e frequentamos o candomblé; assumimos que somos negros, mas também somos brancos, índios. Levamos isso num mesmo corpo, numa mesma alma, despudoramente, entregando-nos à nossa essência.
Escrevo em tudo o que encontro pela frente, sou desorganizada. Faço inúmeras cópias e depois me desespero porque não acho a última! Agora estou um pouco mais concentrada. Não sou disciplinada, não faço esquemas nem descrevo, antecipadamente, onde a história vai se passar. Vou escrevendo tudo junto, personagens mandando em mim. Me desviando, muitas vezes do que havia pensado.
Não escrevo linearmente. Escrevo cenas. Diálogos. No final, depois de ler muitas vezes, recorto no texto e remonto. Pode começar pelo fim, se eu achar que vai ficar mais interessante. Embaralho e misturo tudo, diversas vezes.
Como você se move da pesquisa para a escrita?
Aí sim, eu me concentro no foco. Vou direto. Preciso desta parte como suporte para dar enriquecimento à narrativa. Eruditizar , valorizar o texto e a história com complementos mais sofisticados. Pesquiso no google, em livros, em bibliotecas. Tiro fotos de textos, ilustrações e jogo tudo no grande original. Nunca sei em quantas páginas realmente estou, pois enquanto preciso das pesquisas, elas vão ficando lá. Eu não deleto. Depois, vou usando, parafraseando, me inspirando em alguma ilustração. Mudo o rumo diversas vezes.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
É meu ponto fraco. Se não estou me sentindo bem a fim de descrever, fica difícil me concentrar. Estou deste projeto longo há dois meses. Gosto mais de escrever narrativas longas, apesar de escrever contos curtos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos?
Sempre que me sento na minha mesa de trabalho, dou uma olhada em todo o material que tenho. Texto meu e pesquisa. Sinto que está pronto quando estou com outro tema na cabeça.
Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sim. Na vida acadêmica aprendi a receber críticas de colegas. Na Literatura de ficção mostrei o meu Vozes da Ancestralidade para dois leitores Alfa: um psicanalista e uma escritora. Foi muito bom!
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A mão, no computador, no smart, no tablet… Depois fico doida procurando tudo e tentando juntar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Escrevo desde adolescente. Escrevia e fazia teatro infantil. Leio muito, agora estou lendo Leonardo Padura, Mia Couto e Agualusa. Para tirar o ranço de algumas regrinhas que te ensinam nos cursinhos de escrita criativa. Vou ao cinema, teatro, concertos, show de musica popular…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos? Escrita é processo, e processo muda com o tempo, a maturidade, a premência de terminar e começar outro… Diria a mim mesma: Guerreira, seguiste tua vocação desde o início dos tempos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou?
Tenho um que me deixa tensa: uma promessa que eu fiz para a bisneta de um imigrante italiano, o primeiro professor em uma cidadezinha do RS. Tenho o diário dele. Eu propus à família que publicasse na íntegra. Mas a bisneta queria que eu trouxesse para a contemporaneidade, mesmo ele tendo morrido. Está complicado. Todos os antigos da família estão morrendo e eu ainda não comecei.
Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O que estou escrevendo agora.