Nélida Capela é mestra em Teoria Literária na PUC-Rio, autora de “Dez Entrevistas Peregrinas” (Telha, 2021).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo, antes das 7h, e faço 1h de caminhada ou corrida. Tomo café da manhã com calma, estar à mesa para mim é sagrado. Em geral, às 9h já estou no computador. E arrumada, principalmente no home office, faço questão de estar elegante: roupa escolhida em função do espírito do dia, perfume, brinco, pulseira. Tal como era ir à feira ou supermercado: a gente nunca sabe quem vai encontrar, não é mesmo? Costumo marcar reuniões na parte da tarde, pois pela manhã rendo mais em leituras, criações e escrita de projetos e textos outros.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor pela manhã ou de madrugada, momentos em que a cidade está mais calma, com menos barulho. Meu ritual é manter a mente organizada e focada. Quando inicio processos, leio, pesquiso, estudo, descubro coisas. Aí eu decanto. Vou decantando e escrevendo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias, a todo momento. Trabalho com ideias e projetos, portanto, para torná-los realidade, para que eu possa ficar satisfeita e ser remunerada por isso, é imprescindível colocar tudo em texto, seja no papel ou no documento virtual. Escrevo o máximo possível, mas não exagero para não ficar esgotada. Trabalhar com criatividade, com ideias cansa também. Portanto, tomo muito cuidado com as horas. Em 2020, trabalhei muito online, aliás, não somente eu, mas muita gente. Isso me rendeu no final do ano de 2020 um problema sério no manguito rotador, o que me causa ainda muita dor e desconforto. Portanto, aumentei intervalos e não abuso das horas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Gosto de fazer pesquisas e trazer informações interessantes para o leitor ou ouvinte. Seres humanos gostam de histórias, gostamos de contar histórias, ouvi-las e nos entreter com isso. Seja em texto, seja montando uma vitrine, uma mesa de livros, seja montando uma livraria, um curso, um evento, estou contando uma história. Seja por prazer, seja nos negócios, faz parte da nossa natureza. Esse deslocamento é constante e só chega ao destino quando encerro o texto/projeto. Mas mesmo assim, sempre há o risco de mudar algo, portanto, há um trânsito constante entre o conceitual e a realização/materialização dele.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sobre os bloqueios, comigo acontecem pela coleta demasiada de informações, ou tédio. Aí preciso largar tudo e sair para andar, ir a um museu, à praia, cinema. Com a quarentena, ficou difícil, mas resolvi isso com a NetFlix e o Amazon Prime. Assisto algo e a mente volta a ficar atenta, aguçada. Na época de faculdade, eu estudava na PUC, dava bloqueio ou ansiedade, eu parava tudo e tomava o ônibus para o Centro do Rio de Janeiro, entrava no Museu Nacional de Belas Artes, no MAM ou na Biblioteca Nacional – eu precisava me deslocar de um ambiente a outro, fazer uma mudança, um corte, olhar para outra coisa.
Sobre expectativa e ansiedade em projetos longos. Não tenho problema. Meu desafio é sempre não ficar entediada. Projetos de longa duração têm esse risco: deixar a gente entediada. Eu preciso sempre ser alimentada com a curiosidade. E crio mecanismos e estratégias para evitar o tédio a todo custo.
Na faculdade sempre procrastinava a feitura de um texto, era fatal. Com o tempo, percebo que há ocasiões de escrita que precisam ser procrastinadas, outras não. A gente vai aprendendo a equilibrar os pratos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso os textos até o momento mais próximo de entregar. Peço sempre a outra pessoa para ler, mais de uma pessoa. Isso já é um hábito das pessoas de Letras. Estamos sempre escrevendo e precisamos que outros leiam para no distanciamento as ideias e estilística ficarem mais evidentes. Até para corrigir erros ortográficos e contextuais, de repetição também.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Em geral, rascunho ideias na cabeça e depois no papel. Na hora de construir o texto, vou para o computador. Tenho muitos cadernos e cadernetas, vou anotando tudo: diferentes formas de abrir um texto, mapas mentais, ensaios de desenvolvimento, conclusões, estratégias de conclusão. A tecnologia é a ferramenta universal que utilizamos, mas poder rascunhas as ideias no papel é um exercício lúdico e fisiológico necessário. Preciso segurar a caneta, ou lápis, escrever no papel, desenhar as letras, desenhar símbolos que aparecem no meu imaginário. Se vou para a rua, levo um caderno e uma caneta para rascunhar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu tenho curiosidade por tudo. Adoro pesquisar, adoro ver as coisas, as pessoas. Adoro os enigmas, os becos sem saída. A imaginação e a curiosidade são hábitos que tenho para me manter criativa. Alberto Manguel descreve bem esses processos no livro Uma História Natural da Curiosidade, recomendo a leitura. Estou sempre me mantendo informada. Adoro ler, livros, revistas, catálogos. Adoro viajar, conhecer lugares diferentes, adoro experimentar comidas novas, ir à praia e ver o mar, aquele barulho das ondas ajudam a decantar pensamentos e ideias. Adoro me perder e me encontrar. Sabe a serendipity? Então, adoro o acaso. Bem, nem tudo é acaso, mas acontece também. Vivo coletando informações, sentimentos, o tempo todo. Gosto de conhecer gente diferente, de todas as idades. Adoro conversar. Mas detesto gente com papo arrogante. Gosto de gente com quem desenrolo um novelo de histórias. A gente junta saberes. Constrói pontes. Por isso adoro as livrarias, os livros. São lugares espetaculares para encontrar as ideias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Se eu pudesse voltar, escreveria mais, teria feito ficção e livros teóricos mais cedo. Teria feito uma carreira mesmo. Teria aprimorado os textos, forjado melhor as ideias. Mas, só poderia fazer isso com o conhecimento de vida que tenho hoje. Já sofri pensando nisso, mas não sofro mais.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto de publicação da minha dissertação de mestrado demorou, mas vai ficar pronto no momento certo, em 2021 já visando o Centenário da Semana de 2022. Estou iniciando pesquisa e levantamentos para um livro de ficção. Até então, meus textos são todos de apresentação sobre autores, obras, pesquisas, projetos para articulação da leitura e do livro.
Que livro eu gostaria de ler: gosto de ler livros que falam do mundo da fantasia e da realidade, da ficção e da não ficção. A realidade como a conhecemos está mudando, ainda bem. Ainda há muito para ler, mas há muito mais ainda a se escrever. O momento literário está se renovando. Muitos autores e editoras de periferia com temas e estéticas muito interessantes e ricas. Há autores de periferia da nova geração fazendo experimentos muto criativos e fazendo da literatura um movimento mais integrado ao leitor, a todos os leitores sem exceção. O grande público, acostumado com mainstream somente, ainda não conhece essa literatura pois ainda não acessou. Não acessou porque não quis, porque o mercado não deixa. Mas há um movimento em andamento para esse encontro. E posso te dizer, será surpreendente. Deixo já a dica: acessem o catálogo das editoras periféricas de São Paulo, um levantamento primoroso da Ação Educativa.
Esse documento apresenta a pesquisa e um panorama sobre o segmento. Este outro documento, é o catálogo das editoras em si – acho importantíssimo divulgar.