Nei Duclós é escritor, historiador, jornalista, poeta, autor de Outubro.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim. Trabalho o dia todo no meu escritório em casa, mas dedico as manhãs às prioridades e urgências. Quando não há demanda profissional, de jornalismo, divulgo meus poemas e outros trabalhos literários nas redes sociais e produzo algo inédito: poemas, crônicas, artigos, ensaios, trechos de romances. De manhã costumo também reunir a produção em futuros ebooks, pois essa é a forma mais rápida e eficiente de manter a obra organizada e acessível. Quando há demanda, atendo os prazos de entrega, pois presto serviços de edição de texto e pesquisa (junto com minha equipe) para livros sobre variados assuntos, como cultura, esportes, História etc.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
As manhãs são bem intensas em trabalho, por ser a melhor hora do dia para se concentrar e produzir. Dedico as tardes às leituras, normalmente livros de História e à produção literária de autores contemporâneos, pois cada livro lido gera uma resenha, um ensaio, uma nota, um prefácio para quem me solicita. Escrevo direto sempre que posso, tanto diante do micro quanto da tela do celular. Meu ritual é a leitura e a meditação. Um poema nasce de um verso que gera os outros, a partir de um pensamento, uma observação, algo que vi ou li.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo muito todos os dias, pois navego num espectro bastante amplo da palavra. Há períodos em que me dedico mais ao romance que estou escrevendo ou ao ebook que organizo e edito. Não tenho meta de escrita diária, mas ocupo todo o meu tempo para exercer o ofício de escritor.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Há vários métodos. No meu romance Universo Baldio, que é de memórias, o foco são cenas que lembro e procuro transformar em trabalho literário. Já em Tudo o que pisa deixa rastro, a pesquisa fornece vasto material para ficção, e ela é incorporada na narrativa. Esse romance tem bibliografia, para informar a lista de livros mais importantes que precisei ler para escrever as histórias nele contidas. Cruzo a pesquisa com a criatividade das situações, cenas e personagens.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Perdi esses medos com a longevidade. Como sou aposentado, trabalho o dia inteiro e não temo mais a crítica destrutiva nem tenho ansiedades, pois tudo flui naturalmente depois de uma vida toda de esforços. Os projetos longos, onde entro como colaborador, é o que gera mais expectativa, mas como aprendi a metodologia da História na minha formação acadêmica na USP, e aplico também na literatura, confio no resultado que apresento. Muitas vezes a rejeição ao que faço vem de escalões intermediários e não da fonte do projeto, que tem visão mais ampla do que é feito. Driblo assim os medos de quem não quer arriscar na inovação e proponho algo que transcenda os limites conhecidos de obras contratadas. Mas há casos em que um livro inédito meu precisa ser lido por outras pessoas, pois tenho dúvidas, especialmente nos romances. Na poesia, o melhor exemplo é a edição em equipe, como é o caso do meu livro de estreia Outubro, que se mantém vivo há quarenta anos, pois foi muito debatido, selecionado e lido inúmeras vezes antes de ser publicado. Essa experiência da estreia me deu bagagem para editar os livros seguintes.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Como coloco tudo no ar nas redes sociais, meu trabalho é lido e avaliado por muitos leitores. A publicação no universo virtual é uma prévia do que os livros serão mais tarde. Coloco poesia e textos em blog, site, Facebook, e Twitter e recebo um retorno amplo e muitas vezes generoso do que faço. Isso me dá parâmetros na hora de organizar o ebook ou o livro impresso. Corto, seleciono, reescrevo ou mantenho como está.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre no computador, raramente escrevo à mão para não esquecer. É quando estou na rua ou não há máquina disponível no escritório, que é repartido entre outras pessoas. Mas a tecnologia eliminou a gaveta e o rascunho pode ser refeito inúmeras vezes.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Ler e meditar no quarto ou na rede da varanda são um incentivo à produção literária. Há também a interação online, onde as conversas, os contatos e o acesso ao que é oferecido no universo virtual me incentiva a intervir com uma nota, um artigo, um poema. As ideias vêm das palavras, elas dominam o processo, são meus guias. Em torno de algumas palavras, e sua sonoridade, é que escrevo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu escrevia caminhando. Foi assim nos primeiros livros. Hoje fico concentrado no lugar onde moro. Eu diria: obrigado, caminhante, andarilho, trovador, saltimbanco, pelo acervo que me deste nesta vida complicada e que vale a pena pelo que podemos criar todos os dias.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu projeto seria imprimir todos meus ebooks numa coleção dividida entre ficção, poesia e ensaios. E reeditar os meus livros impressos e poder distribuí-los nas livrarias, o que parece impossível pela quantidade de obstáculos que existem. Por enquanto fica assim, disperso em várias plataformas, mas o impresso é fundamental. Outro projeto seria a tradução dos meus livros para que a obra atinja um público bem maior. Já publiquei poemas em inglês e italiano, mas pretendo transpor essa barreira, fazer meu trabalho cruzar o mar. A maioria dos meus livros impressos fazem parte do catálogo da NYPL e da Biblioteca do Congresso americano. Livros que não enviei nem solicitei que fossem colocados lá. Foi iniciativa dos americanos, que são muito atentos ao que se produz no mundo todo.
Tenho tanto livro para ler em minha biblioteca que não atino num que ainda não exista. Normalmente existem e a meta é achá-los para me manter à tona nesta vida sóbria e prazerosa.