Nathalie Lourenço é publicitária e autora do livro Morri por Educação.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha manhã consiste principalmente em cumprir os pontos básicos de higiene e alimentação para não ser mal vista pela sociedade. Negocio alguns minutos a mais com o despertador. Depois me levanto, tomo banho, levo o cachorro para passear, como alguma coisa e saio para trabalhar. No fim de semana, durmo um pouco mais até o cachorro vir cobrar o que lhe é de direito…
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu dificilmente escrevo pela manhã por um motivo muito simples: gosto de empurrar as coisas com a barriga. Por isso, a maior parte da minha escrita acontece no fim do dia, ou em momentos durante a tarde se o trabalho estiver um pouco mais parado. Antigamente gostava de me fechar em um quarto, colocar um pouco de música, mas tenho aprendido a escrever em todo tipo de condição, como no celular com pessoas em torno, por exemplo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Adoraria ser do tipo de pessoa regrada que segue metas e escreve diariamente, mas ainda não consegui me disciplinar a esse ponto. Geralmente eu escrevo um conto em algumas poucas sentadas, mas que podem ter um intervalo grande de tempo entre elas. Às vezes passo semanas sem produzir uma linha. Acho que são fases, especialmente quando não estou gostando do rumo que um conto está tomando, acabo me afastando do texto por um tempo. Alguns eu acabo retomando, outros não…
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É engraçado, sinto que tenho mais de um processo. Na maior parte das vezes parto de uma ideia. Tenho um arquivo de notas no celular onde vou anotando as ideias que vou tendo. Às vezes tenho dificuldade de escolher uma para focar, e acabo com vários arquivos pela metade ao mesmo tempo… Estou tentando ficar mais regrada e ir até o fim nas ideias que escolho. Bom, uma vez que elegi uma ideia para trabalhar, eu abro um arquivo onde anoto a sinopse do que irá acontecer e uma bio de três ou quatro linhas dos principais personagens. Quando estou empolgada com a ideia geralmente já tenho as primeiras frases e alguns pontos que quero incluir na narrativa, então começar costuma ser fácil e acabo ficando emperrada mais para frente, do meio para o fim. Outras vezes, o processo é inverso. Começo a partir de uma frase que me ocorre, um sentimento e construo o resto da história a partir daí.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido mal. (risos) Muitas vezes eu fico em dúvida sobre um texto, não tenho certeza se está bom ou não. Acabo guardando muita coisa. O que ajuda nesse processo é ter pessoas de confiança para mostrar e discutir os textos e que dão mais segurança sobre se um texto está funcionando ou não. Sobre trabalhar em projetos longos, ainda estou juntando coragem… Acho que justamente porque o projeto longo exige uma certeza maior no que se está fazendo, não é tão simples mudar de ideia no meio ou corrigir a rota como no caso de um conto de algumas páginas… Outra coisa que me salva é a ansiedade de ter algo para mostrar. De alguma forma isso dá a coragem de dar a cara a tapa, publicar, mesmo que seja apenas no meu próprio medium. Se for ficar esperando a segurança total, um texto 100% irrepreensível, ninguém publicaria nada nunca.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Acho que a resposta anterior acabou antecipando essa aqui um pouco. Sobre revisar depende muito do texto. Alguns parecem que nascem mais “prontos”, ganham só uma mexida ali e aqui. Outros já reescrevi completamente, de jogar fora tudo e levar só a ideia para frente… Estou me acostumando ainda a fazer essas mudanças maiores, tenho medo de alterar um texto demais, de perder a essência dele, de mexer tanto nele a ponto de piorar em vez de melhorar.
Daí, quando acho que está finalizado, envio para um ou outro amigo que também escreve. Gosto muito dessa fase de discutir o texto com outras pessoas porque como autora, acho que existem “pontos-cegos” que a gente tem em relação aos nossos próprios textos. A gente sabe o que quis expressar ou sugerir em cada linha, mas não sabe como aquilo vai ser compreendido pelo outro. Tinha um grupo de amigos que se reunia para discutir textos e após a leitura, cada pessoa tinha que resumir aquele conto ou trecho em apenas uma frase. Era um exercício maravilhoso, porque ali você entendia rapidamente que tema cada um enxergava no texto ou até se a pessoa não havia entendido um ponto chave do texto. Participo também de um coletivo chamado Discórdia, em que além de leituras detalhadas nos encontros, fazemos projetos coletivos em que todos podem deixar suas marcações e comentários nos textos dos demais. Enfim, acho uma troca muito rica e acabo ajustando mais alguns pontos depois de receber esse feedback.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Uso mais o computador por uma questão de praticidade. Tenho todos os textos e rascunhos online, assim posso mexer neles em casa ou no trabalho, sem precisar salvar arquivos ou ficar carregando cadernos. No computador também é mais simples para mexer na estrutura, testar coisas, voltar para como estava e assim por diante. Quando estou no computador, costumo ter também algum papel por perto, mais para fazer rabiscos, pequenas anotações ou esquemas como relação entre personagens no caso de contos com mais personagens…
Como mencionei, também tenho usado o celular para escrever de vez em quando. Acabo precisando de mais atenção para revisar, já que é fácil errar com o tecladinho pequeno da tela, mas como é uma ferramenta que está sempre à mão ele derruba qualquer desculpa para não escrever. Acaba ajudando na questão da produtividade.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Algumas ideias vêm de uma frase, de um sentimento, que já aparecem praticamente escritas na cabeça e daí eu tomo para mim a missão de dar corpo a elas. Outras nascem a partir da colagem de várias ideias que foram se acumulando na minha cabeça, e quando acho duas ou mais que se conectam, esse encontro de inspirações acaba gerando um conto. Assuntos atuais, memórias, sonhos, notícias e histórias estranhas, tudo isso já entrou na argamassa que uso pra construir minhas histórias. Busco muita inspiração na relação entre pessoas, amigos, família.
Além disso, demoro mais para escrever do que para ter ideias, de forma que se eu preciso ou quero entregar algo novo, tenho sempre uma lista de anotações e sinopses que eu posso escolher para trabalhar.
Acho que quando a gente fica estagnado, ler é sempre uma boa solução, nada enche a cabeça da gente de ideias como um livro que nos empolga – tentar entender as engrenagens que fazem aquela história funcionar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Certamente uma coisa que mudou é o quanto eu me preparo antes de escrever um texto. Já fui do tipo que abria o Word sem saber o que ia colocar na página. Ainda acho libertador esse exercício de “ver o que sai”, e inclusive, muitas das ideias que mais gosto nos textos surgem no ato de escrever, mas hoje tenho pelo menos um mapa traçado de onde aquele texto vai levar antes de começar. Existe muito mais construção por trás do que escrevo hoje em relação a alguns anos atrás.
O que eu diria pra Nathalie lá do começo é:
“Larga mão de ser besta. Não esconde os textos, publica, compartilha, mostra pras pessoas. Vai te fazer bem”.
“Tudo bem demorar um pouco mais com o texto. Deixar ele amadurecer um pouco, voltar pra ele, mexer nele”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Formatos que exigem muito fôlego e tempo para executar, como um romance, ainda me assustam um pouco. Estou com duas ideias nesse sentido, mas acredito que vou esperar me sentir mais segura como escritora antes de tentar.
Sobre o livro que ainda não existe, só vou saber que quero lê-lo loucamente quando topar com ele na internet ou na livraria…