Natália Nodari escreve O segundo cu.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A única coisa que eu faço toda manhã é cagar. O resto eu faço de forma aleatória, seja escrever um capítulo da minha tese, responder e-mails ou tirar o pijama. Cagar, não. Sinto uma urgência horrível, sou acordada pelo meu intestino antes do despertador tocar. Depois que puxo a descarga, aí sim, vejo o que preciso fazer naquele dia e faço sem uma ordem específica. Adoraria dizer que ao acordar tomo um café sem açúcar, que acendo um Marlboro Red, mas estaria mentindo. Só fumo quando quero impressionar alguém, e café me dá diarréia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor quando estou desesperada e a sorte é que me desespero por tudo, principalmente quando acordo. Abro computador, faço uma lista do que tenho que resolver naquele momento e torço para que Deus ou o Diabo me ajudem. Odeio escrever fora de casa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Toda santa vez que começo algo, fixo metas. Me convenço de que que vou escrever dois contos por dia, ou vinte páginas, ou um capítulo. Desde o primeiro dia, começo a negociar comigo mesma. Brigo com meus prazos como se não tivesse sido eu a criá-los, invento ótimas desculpas para escrever menos em um determinado dia e compensar minhas faltas na manhã seguinte. Tem dias que escrevo, escrevo, escrevo, depois percebo que aquelas páginas não prestam nem para limpar a bunda. Nesses momentos, sinto que cumpri a meta, mas fracassei na vida.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando tenho uma ideia, anoto no bloco de notas do celular. Em geral penso em uma frase incial, do tipo: “Flávio gostava quando eu estourava espinhas na boca dele”. Assim que chego em casa, começo a escrever a partir do que pensei naquele dia. Não acho difícil começar, mas acabar, nossa, quanta dificuldade. Meu problema não é ser prolixa, mas sim nunca encontrar final que me deixe completamente satisfeita. Não sei se algum escritor encontra, na verdade.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tem dias que eu deito, choro e me sinto uma coitada. Outros eu fico pensando “sou adulta, sou adulta, sou adulta”, como se ser adulto significasse nunca chorar, nunca duvidar de si mesmo. A verdade é que nunca acho que vou conseguir terminar alguma coisa, até quando almoço acho que não vou conseguir dar conta da comida que servi no prato.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso quantas vezes os prazos me permitirem. Às vezes me organizo direito e tenho tempo de enviar o texto para alguém que eu confie, ficar frustrada com a opinião desse alguém, acordar no dia seguinte e trabalhar nas sugestões, seja lá quais forem. Outras vezes, não.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Como mencionei anteriormente, as primeiras frases coloco no bloco de notas de celular. Depois escrevo em cadernos grandes, desses que a gente usava quando estava na escola mesmo. Se forem muito bonitinhos, tipo Moleskine, me acovardo. Acho que pega mal usar artigo de papelaria caro, penso que quem me ver na rua vai dizer “olha lá a Natália, até parece que sabe escrever quando carrega esse caderninho de couro debaixo do braço”.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
O único hábito que tenho é não parar de ler. As ideias vinham do Programa do Ratinho, depois vieram de Casos de Família e atualmente vêm do Programa da Márcia, que ando assistindo pelo Youtube desde que me mudei para Portugal. Estou falando sério.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito que a grande mudança tenha sido deixar de destruir o que não me agrada. Hoje em dia não arranco páginas do caderno nem deleto os arquivos do computador, mesmo que tenha vergonha do que produzi. Ah, e se pudesse voltar no tempo, diria para Natália do passado escrever mais. Acrescentaria que podemos escrever mal, mas que resto fazemos pior.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tem tanto livro que eu ainda não li que corro risco de falar que quero que inventem algo que já existe. Para evitar passar essa vergonha, vou me abster. Assim pareço mais inteligente. Quanto ao projeto, não faço a mínima ideia.