Natalia Borges Polesso é escritora e cronista, doutora em Teoria da Literatura pela PUCRS.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho. Ela não tem a ver com a escrita, mas é um preparo para o dia. Levanto muito cedo em geral, dou comida aos gatos, faço um café e um suco, lavo a louça do dia anterior, passo o rodinho na pia, de modo que fique bem sequinha, dou uma olhada na agenda, verifico a lista de afazeres (sou uma pessoa de listas). Depois disso, pego minha xícara e vou para o escritório. Em geral, trabalho em casa pela manhã, às vezes dou aula, às vezes escrevo, às vezes respondo uma montanha de e-mails.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pela manhã. Sou muito matutina. Amo as horas menos barulhentas da manhã. Quanto a rituais, digamos que o que está posto na pergunta anterior é uma espécie de ritual.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo todos os dias. Mas não tenho uma meta. Meu trabalho é ler e escrever. Sou escritora, cronista e faço pós-doutorado em literatura, ou seja, eu preciso escrever todos os dias. Para além disso, gosto muito de escrever. Quando eu tenho um projeto mais longo, dedico um tempo mais intenso a sua feitura. Se não for, vou cumprindo um conto aqui, uma crônica ali, um ensaio acolá. Ainda assim gosto de escrever sem propósito, como exercício mesmo. Acho que me faz muito bem.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não tenho um processo organizado. Não compilo todas as notas. Começar é fácil para mim. Nem sempre eu sigo na direção certa e, não raro, jogo fora muitas páginas escritas. No entanto, não acho que isso seja um desperdício, como eu disse, acho um exercício fascinante escrever a coisa “errada”, escrever à revelia, ao despropósito. Por exemplo, descobri, dois anos e centenas de páginas depois, que não quero escrever um livro sobre o que estou escrevendo, descobri que a narradora está certa, é ela quem eu quero para contar a história, mas só descobri a história agora, depois de escrever descontroladamente sobre outras coisas. Esse é meu processo. Deixo o exercício guiar a escrita. É um processo bem consciente, eu penso muito sobre isso, sobre esses caminhos esquisitos e maravilhosos do texto. Acho que toda escritora reflete de alguma maneira sobre a sua prática, faz parte do trabalho.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não sofro com procrastinação. Em geral, se há prazos para as coisas, os cumpro com considerável antecedência. Sobre as travas, bem, sempre há. Não me preocupam, fazem parte do processo. Não escrever não significa que você não está pensando no seu ofício, a escrita não se dá só na fisicalidade dos dedos tocando lápis, caneta ou tecla, ela se dá no interior também, na imaginação, na contemplação, na vivência. Expectativa é uma merda, preferia ignorar. E ansiedades, bem, eu sou ansiosa. Sofro de ansiedade, mas também aprendi a conviver com ela. Fazer o quê? Deixo meu corpo sentir, às vezes como muito, às vezes pratico muito exercício, às vezes bebo para relaxar, c’est la vie.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu não chamaria de revisão. Acho que nós somos os piores revisores de nossos textos, porém aquela “última” lida, que nunca é a última, antes de mostrar a alguém é sempre uma tarefa difícil. Por vezes mando mesmo sem revisão, sem esta lida, para ter a desculpa de dizer: “ó lê isso aí, mas ainda tá em processo”, como quem diz “pega leve, tô trabalhando muito neste amontoado de ideias aí”.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Depende. Eu gosto muito de canetas, lápis e caderninhos, tenho muitos. Geralmente uso três ao mesmo tempo: um geral, um para algum projeto específico e um para coisas teóricas. Obviamente, essa compartimentação funciona até certo ponto, e quando vejo as notas estão por tudo, inclusive em post its pelas paredes do escritório ou coladas em capas de livros. Mas minha relação com a tecnologia é boa. Gosto de escrever no computador também, há coisas que prefiro fazer no computador diretamente.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
De todos os lugares. Gosto muito de observar, de ouvir, de roubar histórias, acho que isso é comum a algumas escritoras e escritores também, ouvir é premissa para escrever. Meus hábitos são esses, ouvir, ler, conversar, observar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que me sinto mais segura com o processo todo. Uma vez me angustiava o fato de não conseguir escrever nada completo, fosse conto, crônica, artigo. Hoje eu encaro a escrita como um exercício que não precisa ter um propósito específico, isso me deixou mais tranquila com a prática. Isso foi fundamental na minha formação. Se eu pudesse me dizer algo (ainda posso, (risos)) para a Natalia do futuro, diria: calma, escreve aí tudo o que tu quiser, vai escrevendo sem pressa, tem tempo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Acho que meu próximo livro, aquele que não sei ainda sobre o que é, mas que ao descobrir, vou amar. Acho que o próximo livro de alguma escritora latino-americana, aquele que ela não sabe ainda sobre o que é, mas que ao descobrir, escreverá e quando eu ler, vou amar.