Nanna Ajzental é escritora, cantora e compositora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo por volta das oito e meia com o despertador felino. Bom dia pros gatos, brincadeira, carinho na barriga, lavo louça, dou comida pros bichanos, limpo caixinha, tomo chá, como algo. Então leio, ouço podcast, áudio de terapia, escrevo, estudo, preparo almoço. Às vezes ouço podcast lavando louça, escrevo comendo, leio cozinhando, procuro uma rima enquanto balanço a tira do roupão pro gato parar de miar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pela manhã é sempre melhor, a cabeça está mais limpa e clara, estou sozinha, entro num estado meditativo mais fácil. Às vezes faço exercícios de auto-hipnose, mas brincar com os gatos ajuda tanto quanto. Fiquei receosa quando adotei os bichanos, pensando que poderia perder tempo de concentração me ocupando com as “artes” deles (nesse momento a Aretha está tentando escalar a chapeleira e olhando com aquela cara “não vai me impedir?”), mas esse mundo não-verbal deles estimula a criatividade. Fora que brincar de pega-pega com a gata deve oxigenar muito o cérebro.
Quando ainda estou começando um texto, procuro notícias, vejo feed do Facebook, dicionário de rimas, alguma palavra ou imagem que inspire. Quando estou trabalhando um texto específico, começo relendo o que escrevi. Visualizo cenas, ouço frases sendo pronunciadas, fico imaginando uma representação do que estou escrevendo. Entro nesse mundo com a maior quantidade de detalhes.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Se estou empolgada com um projeto, quase todos os dias. Tento reservar pelo menos três manhãs na semana para escrever nem que seja um pouquinho, anotar ideias, revisar textos, produzir conteúdo sobre saúde. Se estou com muita preguiça ou desmotivada, ler um pouco já me deixa satisfeita. Às vezes passo meses sem escrever, mas nunca fico longe da criatividade e dos livros.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Mais do que compilar notas, gosto de pegar uma ideia e ficar pensando sobre ela durante o dia-a-dia. Imagino as personagens em diversas situações cotidianas pelas quais passo, carrego a ficção por todos lugares. Uma amiga tinha daquelas pulseiras de borracha WWJD “What would Jesus do?”. E eu fico o dia todo: o que a minha personagem faria nessa situação? Aí, quando sento para escrever, os personagens têm vida própria, falam na minha cabeça.
Gosto de anotar palavras e rimas. Escrevo muito a partir dos sons. Tanto nos contos rimados quanto nas letras de música, é comum desenrolar a ideia e descobrir a história por causa de palavras que soaram bem, encontradas no dicionário de rimas. Dicionário analógico também ajuda muito.
Entendo que antes do texto ficar como eu gostaria existem muitas reescritas. Não descarto ideias ruins nem trechos mal escritos. Acredito e incentivo as palavras e tenho paciência com elas. Isso faz com que seja mais leve iniciar processos e me mover adiante.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Comemoro pequenas conquistas, dou valor a todo reconhecimento que recebo, e tenho uma rede de amigos escritores-leitores que me faz acreditar na literatura e na minha capacidade. Escrevo sobre assuntos importantes para mim: a expectativa principal é conseguir colocar para fora da forma mais sincera que posso.
Minha forma de preferência é o conto, então acabo dividindo projetos longos em partes menores e pouco amedrontadoras. Cumprir uma etapa por vez ajuda a estar presente no agora.
Costumo trabalhar vários textos ao mesmo tempo, isso certamente ajuda a não me sentir tão pressionada por um projeto específico.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso infinitas vezes, leio em voz alta até quase decorar, imagino como uma cena de teatro. Nunca acho que está pronto, mas mostrar para alguém ajuda a passar a régua. Sou envolta pela Membrana Literária, uma grupa de escrita justamente com essa proposta de trocas. Temos encontros para conversar sobre nossos processos de escrita, discutir as produções, dar suporte, e também para publicar. É um pessoal foda que me abre a cabeça e me ensina demais. Quero aproveitar e indicar todos para serem lidos e entrevistados (Chico e Mari já responderam aqui): Anna Carolina Azevedo, Brenda Sodré, Cali Ossani, Caetano Gisi, Daniele Cristyne, Francisco Mallmann, Ísis Odara, Izadora Figueiredo, Jessica Stori, Julia Raiz, Luciano Faccini, Mariana Marino, Natasha Tinet, Ricardo Nolasco, Semy Monastier, Thalita Sejanes e Yasmin Pschera. E antes disso havia outro grupo, a EMA – Escritores Muito Anônimos, que tinha site e publicou duas revistas. Acabou, provavelmente, porque ficamos conhecidos hahaha.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Faço lembretes no celular com ideias para histórias, rascunho papeizinhos no trabalho, saio do banho e corro anotar uma palavra que me pareceu importante. No fim sempre vou pro computador: digitar acompanha melhor a velocidade do pensamento. Tentei os cadernos de escrita automática da Angélica Freitas e fiquei com dor na mão, mas também funciona pra mim.
Por medo de perder o processo, vou salvando cada etapa num arquivo diferente. Tenho centenas de rascunhos no e-mail.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Fecho com a Dorothy Parker “A cura para o tédio é a curiosidade. Não há cura para a curiosidade.” Sou curiosa, amo aprender, amo tudo que é arte, estou sempre fazendo aulas e inventando algo diferente. Vivo cercada de pessoas criativas e interessantes. É o que dá sentido à vida.
Amo atividade física, estou sempre me mexendo. O pole dance, que pratico há oito anos, tem a ver com quebrar paradigmas, acreditar, ter paciência, descobrir, superar. Ensina a ter e cumprir objetivos, me diverte, me dá amigas maravilhosas.
Estou há dezesseis anos estudando o ser humano. Há dez anos trabalho em unidade de saúde. Ser médica é uma oportunidade incrível de ter gente de todo tipo sentada na sua frente contando as coisas mais íntimas, certamente dá repertório.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que a grande virada foi quando escrever deixou de ser apenas uma forma de registrar ou colocar pra fora minhas insatisfações com a vida. O exercício de tentar enxergar através do outro foi cada vez mais importante pra mim. Ler, criar repertório. Também passei a ler mais poesia, acho que aparece na escrita. Passei a me preocupar menos com o que vão pensar, escrever de forma mais automática. Perdi um pouco aquele senso que fica dizendo que as ideias são ruins. Se eu não sei da onde a ideia veio, é porque ela deve ser boa rsrs.
Diria a mim mesma: escreva menos e leia mais. Ou, como recomenda o Marcelino Freire: encontre seus pares na literatura. Quem mais está escrevendo por aí?
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gosto muito de começar projetos! O que mais tenho são projetos que comecei e não terminei. Tenho aqui mais três livros de contos, além da novela que está num edital da fundação cultural.
Ano passado, quando comecei a responder a entrevista, escrevi que gostaria de escrever letras pro João, meu namorado, musicar. Tô muito agradecida por essa pergunta, estava me faltando mesmo! Fiquei com a ideia pulsando e finalmente comecei esse projeto também. Criamos a VinteVinte (@vintevintemusica), compusemos, gravamos e editamos em casa o EP Alma de Gato. São quatro canções que têm tudo a ver com a pandemia e o momento político. Esse ano começamos a gravar mais músicas, e logo vem um álbum fresquinho por aí.
Fiquei dias pensando qual o livro que gostaria de ler e não existe, mas todos existiam. Acho que preciso ler mais rsrs.