Nanete Neves é jornalista e escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou toda cheia de rotinas, pois preciso de disciplina para produzir e trabalhar cerca de 8 horas por dia. Acordo cedo, primeiro café, banho, batonzinho, brinco, depois cuidados rápidos com a casa e os gatos. Só então sento em frente ao computador para dar conta dos trabalhos. Faço preparação e edição de textos para editoras ou diretamente para os autores, e ainda colaboro com crônicas para dois sites. Quando faço leitura crítica, me organizo antes e marco no relógio o tempo que vou ler de forma muito concentrada. Ajo igual para todo tipo de leitura, sempre muito atenta aos detalhes. Ou seja, sigo o conselho de ler como escritor.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
As primeiras horas da manhã são as melhores, tanto para os trabalhos como para os textos que crio. Com a cabeça mais vazia, o que produzo nas primeiras horas quase nem precisa de revisão. Já o que faço à tarde sempre precisa de retoques. Quando estou criando, tenho todo um ritual: preciso de silêncio completo e um incenso, isso ajuda a me concentrar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Produzo mais e melhor escrevendo em períodos concentrados, com imersão total no trabalho, até sonho com isso. Quando faço preparação sempre fixo metas diárias para conseguir cumprir os prazos, geralmente apertados. Já quando é texto meu deixo fluir, sem me impor nada.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Vou me preparando, juntando informações, pesquisas, e abrindo espaço na agenda para poder fazer o mergulho. Quando sinto que as condições práticas todas estão favoráveis e que, dentro de mim está madura essa necessidade de traduzir em letras o que desejo, aí me jogo na escrita. Até que o texto esteja próximo da metade procuro não sair, nem dormir tarde, para que nada me tire daquele estado que chamo de melancólico-criativo. E costumo escrever em fragmentos que, depois, organizo com a edição.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Muito boa essa sua pergunta. Todos passamos por períodos de seca criativa. No meu caso, quando isso acontece, recorro à poesia. A força da palavra no poema me reidrata e como que me “limpa” para que eu siga os instintos. Já a procrastinação é mais difícil de lidar, porque afinal não tem ninguém nos cobrando isso. Para vencer a vontade de deixar para amanhã, eu me estabeleço horas de trabalho voltado para aquele livro, seja pesquisando mais, seja lendo coisas que possam me inspirar ou simplesmente escrevendo. Trabalhar com projetos longos não me assusta tanto, porque sabendo no que vai resultar, isso por si já funciona de estímulo. Já o medo de não corresponder às expectativas, penso que é inerente a todos nós que escrevemos. Sempre corremos o risco de dizerem “gostei mais do teu livro anterior”. Mas fazer o quê? Cada livro é um livro e é impossível agradar a todos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quando sinto que o texto já está maduro, sempre peço a duas pessoas de minha confiança que leiam e digam o que acharam. A cada trabalho eu alterno os amigos, mas sempre um é leitor comum, e o outro um escritor que eu admire, gente do ramo. E sempre me surpreendo com detalhes que eles apontam, falhas ou incongruências que não havia me dado conta. Sou muito agradecida a esses amigos que se dispõem a fazer a leitura atenta e a dar um feedback sincero. Eles são importantíssimos. Feito esse ajuste começo a revisar, revisar… e se deixar, isso é infinito. Costumo demorar até decidir enviar para algum editor, mas quando o faço, já estou bem segura.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Poemas e haicais, em geral, começam a surgir em pedaços de papel, guardanapos, porque quando algo me inspira (uma visão, uma música, uma conversa etc.), eu anoto aquela primeira ideia, e depois vou trabalhando com ela, primeiro no papel. Só quando os versos já estão mais amadurecidos é que digito, para então ficar lixando, polindo, enxugando, tirando fiapos. Já para as crônicas e livros, algumas ideias que anotei em papel passo logo para o computador com receio de perder. Mas, em geral, meu processo de escrita é lento.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu consumo muita arte (cinema, teatro, exposições), leio bastante (os clássicos e os contemporâneos), e minha inspiração vem muito daí. Também observo muito as pessoas em geral, e às vezes “roubo” características (ou falas) delas para compor meus personagens. Por isso que, mesmo com a vida corrida que levo, não abro mão desses hábitos, nem de me encontrar com os amigos fora do círculo literário que me ajudam a relaxar e, sem que percebam, me dão grandes ideias. Já teve caso contado por amiga que virou conto, cachorro de alguém que se transformou em personagem, fazenda que frequentei que virou cenário de livro. Não existe essa do escritor na torre, intocável e distante de tudo. O escritor precisa do outro.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Como jornalista, escrevo desde antes da Faculdade de Comunicação. O texto jornalístico é técnico e, por exemplo, eu conseguiria escrever uma matéria longa no meio de uma feira livre. Tive uma longa carreira na imprensa, atuei em grandes veículos e tal, mas depois dos 50 anos resolvi me capacitar para trabalhar com o que eu mais amo: os livros. Iniciei um mestrado na USP, mas acabei desistindo da carreira acadêmica ao fazer uma oficina de criação literária com Nelson de Oliveira, que considero meu mentor. Até então nunca havia escrito nada de ficção, e ele me mostrou um mundo a ser explorado, desde que eu me dedicasse com afinco. Li (e leio) muito, fiz várias oficinas com diversos mestres (e ainda faço), até que me senti preparada para compartilhar o que havia aprendido. Desde 2011, ministro oficinas de escrita, e a mais longeva é a “Vidas em livro: Biografias & Memórias”, que já meu deu muitas alegrias, com alunos publicando obras que se iniciaram ou começaram a tomar forma em classe. Agora, respondendo à sua pergunta, o que mudou no meu processo de escrita foi que parei de me preocupar em agradar. Comecei a escrever já na maturidade, e acho que agora minha escrita é mais fluida e mostra mais de mim, sem medo do que possam pensar, porém aberta a críticas construtivas sempre. Então, se eu pudesse, olharia com ternura para aquela escritora iniciante que fui e diria pra ela: “Vá ser gauche na vida”, como diria o poeta.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho várias ideias, mas agora estou apostando num baseado na história de minha avó, em que abordarei a questão da imigração no início do século XX. Já comecei a caminhar com esse texto que deve virar livro em breve. Isso é algo que gostaria de ler: histórias reais de pessoas que nos deram origem. Afinal, dizem que sempre buscamos escrever aquilo que gostamos de ler, não é?