Nanete Neves é jornalista e escritora.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Não gosto de fazer várias coisas ao mesmo tempo, gosto de mergulhar em um projeto por vez, porque assim fico mais produtiva. Sou antiga, me organizo com uma agenda de papel (escrevo a lápis), e programo o que fazer todos os dias. Se algo inesperado acontecer e precisar adiar alguma tarefa, tudo bem, apago e reprogramo os próximos dias.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Eu tento planejar tudo, mas como boa pisciana, me deixo seguir pelo instinto e vou mudando tudo conforme a necessidade. E como costumo trabalhar com fragmentos que depois edito e dou o formato final, acho que a última frase é o mais difícil. Como em tudo na arte, o segredo está em saber quando e como dar o ponto final.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
A maior parte do tempo eu trabalho para o mercado, editando, preparando textos, fazendo leitura crítica etc. Costumo brincar que sou uma operária das letras. Mas quando estou fazendo um texto de criação, preciso de toda uma ambientação para as ideias fluírem: silêncio, um incenso, meus gatos por perto e muita paz de espírito (ou aquela dose perfeita de inquietação se for texto de não ficção).
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Como venho do jornalismo, aprendi a trabalhar com prazo. Para mim, esse é o melhor jeito de evitar a procrastinação. Procuro entregar para a editora tudo na data combinada. E se me sentir travada, seca de ideias, no meio do processo, dou uma parada, e vou ler um bom livro de poemas. A poesia me reidrata, e em um dia ou dois volto ao projeto. Tem funcionado bem.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Minha novela “De âmbar e trigo” (A-Link Editora, 2016) me deu trabalho, porque de início era para ser um conto. Mas assim que o concluí, senti que poderia ir mais longe se introduzisse alguns personagens e trabalhasse a narrativa em dois tempos paralelamente. Fui brincando disso até que o Gláuber Soares, da A-Link resolveu lançar um selo, o Quimeras, só com novelas, e o Nelson de Oliveira, sabendo do que eu vinha fazendo, contou pra ele. Imediatamente o Gláuber me ligou e me convidou para ser o segundo livro dessa coleção. Topei na hora e aí, sim, tive um prazo para concluí-lo. Escrevi a obra tendo em mente “Mãe Nenê”, nome da protagonista. O livro entraria em gráfica na segunda-feira e, na sexta, o Gláuber me ligou dizendo que o título o preocupava, e que o melhor seria mudá-lo, criar outro, porque ele lembrava umbanda, e a história não tinha nada disso, a protagonista era uma benzedeira católica e mineira. Foi um perrengue, pedi ajuda a amigos escritores, mas não surgia nada. Mas no domingo, depois de uma noite de sonos intranquilos, como diria Kafka, acordei com a palavra “âmbar” na cabeça. Como descrevi a protagonista como uma mulher muito alta, muito clara de pele, com cabelos cor de trigo, olhos âmbar e sem contrastes, resolvi juntar as duas palavras. Minha filha estava passando uns dias aqui e quando perguntei o que achava de “Âmbar e trigo” ela achou bacana, pensou uns segundos e sugeriu: “Mãe, coloca um “de” na frente, vai dar mais profundidade”. E não é que deu?
Me orgulho de todos os livros que lancei, foram todos feitos com o mesmo carinho e cuidado. Mas um se destaca em especial, porque foi um esforço enorme eu escrever em primeira pessoa, a única forma de narrar como foi que consegui a primeira entrevista de Carlos Drummond de Andrade para a imprensa, quando eu estava no início da carreira de jornalista e ele estava para completar 75 anos. E na casa dele, onde nem os amigos tinham acesso e ficamos amigos por dez anos, até a sua morte. Contei essa história 38 anos depois do acontecido, em um livro que mescla memórias com reportagem e que intitulei “O Poeta e a foca”. Ele foi lançado em 2015, fez um sucesso relativo que me levou a viajar pelo país, rapidamente se esgotou, mas agora virou digital e está disponível na Kindle-Amazon, e continua sendo muito lido e procurado.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Acho que não escolho temas, eles vão surgindo, ficam rondando dentro de mim e acabam se impondo. Vou fazendo anotações em casa, no ônibus, no taxi, sala de espera (tenho sempre um bloquinho e caneta na bolsa), então passo a escrever fragmentos, até que chega uma hora que sento no computador e começo a transformar aquilo em narrativa. Não costumo visualizar o leitor ou a leitora, mas sempre imagino que estou conversando com alguém, isso me ajuda a manter sempre um tom coloquial na escrita, do qual gosto muito. Afinal, todo livro é uma conversa entre autor e leitor, certo?
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Costumo mostrar só depois de pronto para uma ou duas pessoas, em geral leitores Beta (gente que sabe fazer leitura de qualidade, capaz de dar um retorno sobre as sensações que aquela escrita lhe causou. e que tem condições, inclusive, de apontar possíveis falhas narrativas ou de informação), que sejam sinceros. Depois da leitura deles parto para os ajustes finais.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Gostava de escrever desde criança, e o curso de jornalismo lapidou o meu texto a partir das regras da função. Mas considero que comecei a escrever mesmo depois dos 50 anos, quando descobri que poderia me livrar do condicionamento da escrita jornalística cheia de regras e limitações e partir para um universo imenso de possibilidades narrativas. Esse estalo se deu em 2005, durante a primeira oficina literária que fiz com o Nelson de Oliveira, que considero meu mentor até hoje. E acho que ouvi dele – e dos mestres que vieram a seguir – tudo o que precisava, e que era: “Solte-se, você pode!”
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Estilo é algo que vem aos poucos, depois de alguma quilometragem. Como dizia Gabriel Perissé, que foi um dos meus mestres lá no início, no começo é natural a gente meio que tentar copiar o jeito de escrever dos nossos ídolos, mas com o tempo vamos desenvolvendo o tal do estilo pessoal. Nesse sentido, fui influenciada por Rachel de Queiróz, Érico Veríssimo, Paulo Leminski, Katherine Mansfield, Milan Kundera, Mia Couto, Proust e muitos outros.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Desde a formação do Mulherio das Letras em 2017 – coletivo literário feminista que reúne cerca de 7 mil escritoras, editoras, ilustradoras, pesquisadoras e livreiras, entre outras mulheres ligadas à cadeia criativa e produtiva do livro –, passei a conhecer muitas autoras, de vários gêneros, espalhadas pelo país. No momento estou encantada com duas delas: Conceição Evaristo e Maria José Silveira. Desta última, li o “A mãe da mãe da sua mãe e suas filhas”, que conta a história do Brasil a partir da saga da primeira mulher que aqui estava antes do descobrimento, e o mais recente dela “Maria Altamira”, na mesma levada histórico ficcional. Tenho recomendado a todos esses dois livros fundamentais.